Na sexta-feira passada, a Administração Trump decidiu lançar o isco de como correriam as coisa se Trump despedisse Jerome Powell. Perante a possibilidade, os mercados reagiram negativamente e o dólar continuou a cair. É cada vez mais consensual que o estatuto dos EUA e do dólar como refúgio dos investidores está muito abalado e talvez destruído por uns bons anos, se é que alguma vez o volte a recuperar. Na terça-feira, a Casa Branca veio meter água na fervura indicando que os EUA já têm alguns acordos comerciais quase firmados com o Japão, e a Índia, mas sem grandes detalhes--ou seja, uns acordos algo por alto. Scott Bessent também ajudou a acalmar os mercados dizendo que era óbvio que os EUA e a China se acabariam por entender porque eram as maiores economias do mundo, etc. E finalmente, de tarde, lá veio o anúncio de que Jerome Powell não ia ser despedido, o que apaziguou ainda mais os deuses do mercado.
Na economia real, os portos de Los Angeles e Long Beach, na Califórnia, estão a perder bastante volume vindo da China em reacção ao anúncio da guerra das tarifas. As pequenas empresas estão completamente em pânico porque dependem da manufactura chinesa para as suas vendas. Trump cancelou a isenção de taxas alfandegárias dee pacotes que entram nos EUA com valor inferior a $800 (isenção de minimis) e a DHL deixou de aceitar pacotes de valor superior a $800 destinados aos americanos porque agora estão sujeitos a uma maior burocracia. (Isto não vos lembra a saga de enviar pacotes do estrangeiro para Portugal?)
A cereja no topo do bolo são as últimas estimativas de crescimento do PIB para a economia americana e mundial: a americana é esperada crescer 1.8%, em vez dos 2.7% estimados em Janeiro. Imaginem a matemática disto! O primeiro trimestre, que teve um Janeiro bastante optimista, é esperado ter um crescimento do PIB negativo, o segundo trimestre parece que também vai ser negativo por causa da guerra comercial, dificuldades na fronteira que mandam os turistas para trás, medo de voar dentro dos EUA, despedimentos na função pública, e agora também no sector privado, etc. As únicas notícias positivas são aumento de vendas de carros e outros itens para evitar as tarifas., que tem um efeito bastante temporário. Resumindo, para a estimativa se concretizar, o segundo semestre tem de bombar para colmatar o crescimento perdido e ainda adicionar o que falta, o que é bastante improvável.
A única coisa que faz parar esta administração são as más notícias da economia, do dólar, e da bolsa e, por sorte, houve a falta de visão de começar pela parte mais destrutiva e depressiva, em vez de alimentar a bolha da bolsa com cortes de impostos e aumento da dívida. Quanto às questões sociais, o que Trump faz apenas serve para alimentar a base e não dá para fazer oposição porque são questões que fragmentam a opinião pública. O Clinton tinha razão: a única forma de ganhar apoio é pela economia.
Há no entanto alguma luz ao fim do túnel: os tribunais e o SCOTUS não parece que estão dispostos a dar uma carta branca permanente à Administração. E a sociedade civil também não: Trump tentou tirar financiamento a Harvard, se a universidade não largasse certas práticas consideradas "woke" ou anti-semíticas. Harvard recusou, Trump cancelou o financiamento de 2.3 mil milhões de dólares e ameaçou retirar o estatuto de entidade com fins não-lucrativos. Harvard acabou por processar a Administração Trump, mesmo depois de esta ter dito que a carta que tinha sido enviada a Harvard não era final e tinha sido enviada em erro.
É um pouco misteriosa a razão pela qual a Administração decidiu recuar nas exigências a Harvard, mas a universidade tem um "endownment" de 53.2 mil milhões de dólares, e decerto que parte deve estar investida em dívida pública americana. Na semana passada, os jornalistas começaram a especular estratégias de como a universidade poderia resistir a Trump. No final, a estratégia adoptada foi a tradicional: os tribunais. Tem algum risco, mas se funcionar também cria precedente que pode ajudar outras instituições.
Imaginem se nos EUA tudo dependesse de financiamento público, mas não houvesse independência das instituições como acontece em muitos países. Estaríamos mais fritos que carapaus.