Sempre que há alguma situação que deixa a Administração ficar mal-vista, a Administração manufactura uma crise. No seguimento da Marcha "No Kings", a ala leste da Casa Branca foi demolida, logo o preço das eleições de ontem vai ser o caos no transito aéreo, pelo menos, porque as coisas estão a intensificar. As redes sociais estão cheias de vídeos e de casos de pessoas que foram detidas por ICE, que descrevem situações aberrantes de violação de direitos humanos, para já não falar dos constitucionais. Um cidadão irlandês residente nos EUA foi detido porque se parecia com alguém latino. Durante a sua estadia, viu um homem que também estava detido queixar-se de dores no peito, não lhe foi dada a devida atenção médica e alguns dias depois a pessoa teve um ataque cardíaco e caiu no chão. O irlandês acabou por ser deportado, apesar de nunca ter estado ilegal.
Na Califórnia, Gavin Newsom, o governador, enviou um vídeo a um jornalista de uma intervenção da ICE que deteu um homen num parque de estacionamento e deixaram o seu filho bebé no banco de trás do carro. Depois os agentes da ICE levaram o carro com o bebé; horas mais tarde o homem foi libertado porque era americano e o bebé foi reunido com a família. O Newsom estava a tremer a falar do caso com o jornalista. Em Chicago, grupos de mulheres americanas andam com apitos a alertar as vizinhanças sempre que encontram agentes da ICE, algumas perseguem os carros da ICE nos seus próprios carros, outras oferecem as suas lojas como sítio seguro para quem precise de abrigo dos agentes. Há advogados a relatar o que se passa nos tribunais e dar o seu testemunho das violações da administração. Há padres de diversas denominações a dar sermões a criticar a Administração, etc.
Apesar de tudo, não está a correr mal. Nota-se que o Trump é a figura pública, mas o esforço de "purificação da sociedade" é do Stephen Miller, enquanto que o Russell Vought está encarregado de destruir o funcionamento do governo federal. Estes são metódicos e competentes, mas a maior parte do resto da Administração é trapalhona, mas quer apresentar resultados rápidos e depressa e bem há poucos quem. Se fossem mais pacientes e metódicos, estaríamos em pior situação.
Há várias ideias que são bastante queridas aos americanos: o final feliz, o preferir o "underdog" a quem tem poder, a ideia de que qualquer pessoa pode ser chamada a ser um herói, o triunfo do bem sobre o mal, etc. Se tinha de acontecer, não é mau de todo que este ressurgimento das ideias fascistas esteja a ter maior expressão primeiro nos EUA porque os americanos são um povo que está disposto a resistir. A angariação de fundos para apoiar causas, o insistir que a sociedade civil se empenhe em financiar a educação, a cultura, e a saúde, e dedique parte do seu tempo livre a voluntariado, uma sociedade civil afluente e que não dependa totalmente do estado, e mais recentemente a invenção das redes sociais, a ideia do cidadão jornalista, etc.--tudo isso são armas de resistência, caso o governo se vire contra o povo e é o que nos vale agora. É mesmo "We the people".