A forte e contínua redução da taxa de poupança da economia portuguesa nas últimas décadas foi, até à crise financeira internacional, um facto largamente ignorado por especialistas e decisores de política. Esta diminuição acentuada da taxa de poupança teve como reflexo o aumento exponencial do défice e da dívida externas, o que deveria ter feito soar os sinais de alarme. No entanto, apesar de estarem ainda bem presentes as duas intervenções do Fundo Monetário Internacional nas décadas de 1970 e 1980, em resultado de crises de pagamentos, instalou-se na sociedade portuguesa, depois da adesão ao euro, o sentimento de que desta vez seria diferente.
A queda da taxa de poupança contribuiu para os desequilíbrios económicos que se avolumaram nos últimos anos e que resultaram na crise da dívida soberana. De facto, em geral, os países com crises da dívida soberana partilharam tendências decrescentes da taxa de poupança. A saída da crise da dívida soberana, que limitou as possibilidades de financiamento externo da economia portuguesa, ameaçando estrangulá-la, terá de passar pela recuperação da importância da poupança no discurso e na prática dos portugueses.
Subtraindo as remessas dos emigrantes, que desde o início do século XXI se tornaram irrelevantes, a poupança nacional nunca atingiu níveis muito elevados – desde finais dos anos 1970, excetuando o período 1987-1990, foi sempre inferior a 20% do rendimento disponível. No entanto, os desenvolvimentos das últimas décadas conjugaram-se para que a taxa de poupança nacional apresentasse uma tendência decrescente. Naqueles desenvolvimentos, a adesão à Comunidade Económica Europeia ocupa um lugar fundamental. Os primeiros anos de Portugal na CEE, antes da adesão ao euro, foram marcados por um forte crescimento económico e pelo desenvolvimento do "Estado Social". Nesse período, o nível de vida em Portugal convergiu de forma acelerada para o nível de vida médio europeu. Ao mesmo tempo, procedeu-se à estabilização nominal da economia portuguesa, com a redução das taxas de juro e da taxa de inflação. Outro dos símbolos deste período é o desenvolvimento do sistema financeiro português. A este desenvolvimento esteve associado o levantamento de restrições no acesso ao crédito. As famílias e as empresas portuguesas aproveitaram as novas possibilidades e aumentaram fortemente o seu endividamento, mesmo durante os anos posteriores à adesão ao euro, possivelmente embaladas pelas expectativas de que Portugal poderia continuar a crescer e a convergir com os países mais ricos.
Assistiu-se, assim, a uma redução da poupança nacional desde finais dos anos 1980, que resultou em 80% da redução do contributo das famílias e em 20% da redução do contributo das empresas. O contributo do sector público para a poupança nacional não apresentou esta tendência decrescente, mas foi quase sempre negativo ao longo destas décadas. Este contributo negativo refletiu-se no crescimento da dívida pública, em especial na primeira década do século XXI, que acabou por se revelar insustentável.
A grande queda da taxa de poupança das famílias deu-se entre o final dos anos 1980 e meados dos anos 1990. Como referimos acima, o sistema financeiro português desenvolveu-se muito nesse período, permitindo uma maior facilidade no acesso ao crédito. Naturalmente, as famílias fizeram uso dessa maior facilidade porque entenderam que seriam capazes de cumprir as obrigações decorrentes da obtenção desse crédito. Ou seja, do lado da procura também havia condições favoráveis ao crescimento do endividamento. Essas condições resultavam, em primeiro lugar, do contraste visível entre este período e o período imediatamente anterior, no qual Portugal viveu uma crise de pagamentos que exigiu a intervenção do Fundo Monetário Internacional e a execução de um programa de austeridade. Em segundo lugar, a adesão à CEE produziu um choque muito positivo nas expectativas dos portugueses, que a retoma do crescimento económico e o usufruto das amenidades proporcionadas pela ação do Estado só vieram confirmar. Assim, o consumo privado em Portugal aumentou para um dos níveis mais elevados, em percentagem do rendimento disponível, entre os países da OCDE. Ao contrário, a taxa de poupança das famílias desceu de quase 24% do rendimento disponível em 1985 para 10% no final dos anos 1990. Desde então tem estado estável, à exceção do período 2005-2008, no qual baixou para 7%. Esta queda terá resultado do aumento da taxa de juro neste período, à qual as famílias terão reagido, dado o elevado nível de endividamento, com a redução da poupança, em vez de reduzirem o consumo.
No entanto, é importante salientar a elevada concentração da poupança em Portugal: quase 90% da poupança das famílias portuguesas é feita por apenas 20% dessas famílias. As taxas de poupança das famílias que mais contribuem para a poupança chegam aos 50% do rendimento. No outro extremo temos 30% de famílias que apresentam poupança negativa. Note-se que os reformados aparentam poupar mais 20% do que os outros agregados familiares.
Quanto às empresas, há a destacar a relação entre a redução da poupança das empresas não financeiras e o aumento do pagamento de juros e de dividendos a partir de 2004. Uma análise mais fina mostra que o pagamento de juros e de dividendos está muitíssimo concentrada: 5% das empresas que pagam juros são responsáveis pelo pagamento de cerca de 85% dos juros totais e 5% das empresas que distribuem dividendos são responsáveis pela distribuição de cerca de 88% dos dividendos totais. Trata-se, em geral, de grandes empresas, de sectores relacionados com as indústrias transformadoras, a produção de eletricidade e gás, atividades imobiliárias e construção.
No âmbito da crise da dívida que a economia portuguesa atravessa, e dada a importância que o aumento da poupança terá no processo de recuperação, coloca-se a questão do papel do Estado na promoção da poupança. A experiência noutros países mostra que o efeito das políticas de incentivo à poupança, nomeadamente as de cariz fiscal, é ambíguo. Para além disso, as dificuldades orçamentais que o Estado português vive e viverá nos próximos anos reduzem as possibilidades de promoção da poupança via incentivos fiscais. De facto, a tendência dos últimos anos tem sido de redução drástica e eliminação na maioria dos casos. Para além disso, um Estado que é visto como dissipador terá sempre grandes dificuldades em promover de forma eficaz e credível a poupança e a redução do endividamento. Assim, e dada a sua contribuição fortemente negativa para a poupança nacional, pensamos que o melhor contributo que o Estado poderá dar para o desígnio do aumento da poupança da economia portuguesa será ele próprio poupar. Um segundo contributo seria todas as medidas de política económica terem em consideração o seu impacto sobre a poupança. Um terceiro contributo seria a defesa da estabilidade e previsibilidade das políticas de promoção de poupança que forem adotadas, condição essencial para o seu sucesso. Alterações como as que tiveram lugar, em 2006 e 2008, na remuneração dos certificados de aforro são incompatíveis com a existência de uma relação de confiança entre o Estado e os aforradores.
No âmbito de políticas públicas de promoção da poupança consideramos essencial a divulgação junto da população do efeito da reforma da segurança social de 2007 sobre as pensões de reforma das gerações mais jovens. O sistema de repartição da segurança social é um dos fatores explicativos da baixa taxa de poupança. A tomada de consciência das gerações mais novas de que os descontos para a segurança social não terão como compensação pensões de reforma que lhes permitam manter os níveis de vida da vida ativa terá duas consequências: um aumento da taxa de poupança daqueles indivíduos e um aumento da pressão social para a reestruturação do atual sistema de repartição, em direção a um sistema de capitalização. No entanto, a transição do sistema de repartição para um sistema de capitalização não se fará sem custos.
No âmbito das políticas sociais é também proposta a criação de um plano de poupança desemprego, que poderia ser financiado pelo trabalhador e pelo empregador, e que substituiria o atual sistema de subsídio de desemprego. Este plano serviria simultaneamente como uma poupança para financiar períodos de desemprego e como conta poupança dos trabalhadores. Muitos dos problemas de incentivos do atual sistema seriam eliminados.
Finalmente, dado que a poupança é uma decisão que envolve o presente e o futuro, e que o horizonte temporal que os indivíduos consideram nas suas decisões é influenciado por aspetos comportamentais, pelo nível de literacia financeira, pela qualidade da informação relativa aos produtos financeiros ou pelo facto de as escolhas dos consumidores revelarem a existência de inércia, vários autores têm sugerido a importância de oferecer produtos simples e acessíveis à população em geral, bem como produtos que beneficiem da inércia que caracteriza os consumidores. De facto, alguns programas de poupança recentemente promovidos por bancos portugueses baseiam-se naqueles princípios. Estes programas de promoção e captação da poupança podem ser uma forma eficaz de promover a poupança na economia portuguesa, dado que a maioria da população, que não tem hábitos de poupança, tem de ser atraída para este tipo de produtos. Todavia, o lançamento de produtos financeiros que procuram tirar proveito da inércia presente no comportamento dos consumidores deverá ser devidamente regulada e supervisionada pelo Banco de Portugal e/ou Instituto de Seguros de Portugal e/ou Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
Para concluir, é importante referir que as perspetivas do recuo do Estado Social, motivadas pelas dificuldades de financiamento do Estado e pela dinâmica demográfica, e o aumento das restrições no acesso ao crédito, dois dos principais fatores explicativos da quebra da taxa de poupança nas últimas décadas em Portugal e nos países desenvolvidos, bem como a imperiosa necessidade de reduzir o défice externo, sugerem que a taxa de poupança poderá conhecer uma tendência crescente nos próximos anos. Os indicadores económicos indiciam que essa tendência poderá estar já a ocorrer.
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