Os nomes, como um dia hás-de saber, variam com
as épocas. No tempo em que eu medrava na minha freguesia da Ilha, os nomes mais
populares, para as mulheres, eram, e de certa forma ainda continuam sendo,
Conceição (o nome de tua bisavó), Teresa, Fátima, Eduarda, Clotilde, Lurdes,
Espírito Santo, Cecília, Fernanda, Augusta, Agostinha, e outros do mesmo
género, a maior parte deles precedidos ou seguidos do nome Maria: Maria da
Conceição, Conceição de Maria, Maria Teresa, Teresa Maria, Maria Eduarda, Eduarda
Maria, Maria Cecília, Cecília Maria, e assim por diante… Também se usava só
Maria como único nome, de origem bíblica, como tantos outros, quer femininos,
quer masculinos: Sara, Madalena, Marta, Ester; Joaquim, José, Samuel, Isaque
respectivamente… Na actualidade, Maria,
como único prenome, está sendo cada vez mais empregado, não só nas zonas rurais
como nas urbanas.
Quando, aos sete anos, entrei para a Escola
Primária, no livro de leitura da primeira classe, primorosamente ilustrado
para se tornar sedutor, mas cujo conteúdo era perigoso porque patrioteiro e
deformador do espírito – havia um trecho em
letra grande, como em toda a
primeira metade do livro, para que a aprendizagem das primeiras letras se
tonasse mais simples. Esse trecho, como eu dizia, era ilustrado com uma gravura
de uma menina de mão dada com a mãe, vendo-se, em fundo, um extenso trigal
ainda longe de estar maduro. Lia-se: “Rita, vem ver a seara, é da cor da tua
saia verde…”
Deve ter sido a primeira vez que tomei
conhecimento do nome Rita. Achei-o melodioso. Minha Avó Luz, afinal, não tinha
razão! Não se tratava de um nome exclusivo de pessoa idosa, mas de uma menina perfeita
que vestia uma sainha verde. Mal sabia eu que, sessenta e cinco anos depois,
estaria a escrever uma carta de aniversário a uma neta minha também chamada
Rita.
E na distância do tempo gostava, se fosse
possível, de reescrever o trecho do meu longínquo livro da primeira classe. Se
o pudesse fazer, escreveria: “Rita, vem ver o mar tão lindo, azul-cobalto,
manso, que o Avô Cristóvão tem estendido em tapete, como uma herdade alentejana,
à porta da casa da Ilha do Pico. Fico então esperando por ti, minha querida Rita.
Ilha do Pico, 2 de Fevereiro de 2012
Avô Cristóvão
Sintra, 25 de Fevereiro de 2012
ResponderEliminarAvô Cristóvão,
Distraiu-se o carteiro no marco do correio e a carta que enviou à sua Ana Rita meteu-a ele na minha caixa do correio. Como vinha aberta, transgredi as regras da intimidade epistolar movido por esta curiosidade que nasce com os humanos, li-a, e comovi-me. Sabe como é: com a idade, a fragilidade atinge-nos o corpo e a alma, ficamos mais piegas, o outro terá alguma razão porque, como povo, temos uma provecta idade e não é improvável que a senilidade das sociedades não lhes traga também algum crescimento de pieguice.
A carta que envia à sua Ana Rita (se bem me recordo, já tinha enviado por este meio também carta à Ana Laura) suscitou-me a tentação de alinhavar meia dúzia de curiosidades acerca dos nomes com que nos identificam na vida, e não sobrevivem na esmagadora maioria dos casos na memória seja de quem for ao cabo de algumas rodas da terra à volta do sol.
E mesmo acerca daqueles que foram famosos o nome é uma coisa complicada. Esta é velha mas nem por isso menos intrigante: “Chegou-se à conclusão que o caminho marítimo para a Índia não foi obra de Vasco da Gama mas de um outro homem com o mesmo nome”. Na Coreia, há Kims por todo o lado; na China, o problema da identificação é complicadíssimo porque há milhões com o mesmo nome. Mesmo por cá, há tempos telefonaram-me de um banco a exigir um pagamento quando, na realidade, quem devia era outro indivíduo com o mesmo nome. Só no ficheiro desse banco há 4 clientes com um nome completo igual ao meu.
Ainda acerca de nomes: A minha neta mais nova chama-se Rosa. A outra chama-se Rita. O neto é o Miguel. Nenhum nasceu em Portugal. Então como se chama a menina? Rosa???, as pessoas admiram-se. Rosa não está na moda. Rita está agora na moda mas durante muito tempo não esteve. Miguéis há mais do que no tempo do Dom Miguel. Rui, por exemplo, por outro lado, deixou de se usar
E por quê? Pela simples razão de estratificação social.
A senhora, classe A, tem uma menina, um encanto, e regista-a como Carlota. Começa a moda das Carlotas na classe A.
A senhora, classe B, uns tempos depois, entende que se a senhora da classe A tem uma Carlota ela não é menos que a outra e a filha será Carlota. Começa a moda das Carlotas na classe B.
Até que, banalizada o nome de Carlota, a classe A passa para as Margaridas, um nome antigo, e por aí fora.
E assim se explica, segundo Steve D. Levitt, em Freakonomics, (Would a Roshanda by any other name smell as sweet?) por que é possível identificar com grande aproximação, a época, a classe, até a raça, de uma pessoa consoante o nome que lhe foi atribuído. E também as implicações que o nome pode ter em algumas circunstâncias da vida.
Para finalizar o arrazoado: É óbvio que há nomes que são proscritos por uma sociedade pela simples razão de terem sido atribuídos a um indivíduo menos considerado, assim como há outros que são dados por razões de idolatria, de jogadores de futebol por exemplo.
Quando à primeira situação, durante muito anos na aldeia onde nasci a nenhuma criança do sexo masculino foi dado o nome de Filipe; a nenhuma criança do sexo feminino foi dado o nome de Carolina. Nem o Filipe nem a Carolina tinham outro crime às costas se não o facto de serem pobres demais.
Durante uns tempos fiz assentos de nascimento. Tinha 14 anos. Apareceram-me pela frente as situações mais curiosas que se possa imaginar. Tanto que hoje nem sei bem se não estarei aqui e ali a acrescentar um ponto a mais.
Há tempo escrevi aqui acerca de uma criança (que hoje é homem maduro) que era para se chamar Menino Jesus e acabou por se chamar Nicolau. Não sei se vai acreditar. Mas se a sua curiosidade for tanta leia, se faz favor, aqui como as coisas se passaram:
http://aliastu.blogspot.com/2011/12/menino-jesus.html
E aceite um abraço do
Avô Fonseca
Caro Avô Fonseca:
ResponderEliminarAgradeço o seu comentário de que gostei bastante. Concordo inteiramente acerca do que escreve sobre a moda dos nomes. De facto, a vaga de muitos depende de factores sociais e da moda vigente. Em tempos não muito recuados, ergueu-se uma onda de nomes brasileiros bebidos nas telenovelas. Aquando da implantação da República Portuguesa, os pais mais abrasados e abraçados aos seus ideais republicanos chegaram a nomear as filhas como Maria República, Pátria Livre...e os filhos como Manuel Liberal, João Liberto, Liberato José... Após a Revolução Russa de 1917, ainda Portugal vivia em liberdade, houve um moço a quem o pai pôs o nome de Lenine de Jesus... Não é o chamadouro que me surpreende, mas, sim, o pacto lexical e quase semântico entre os dois substantivos próprios...
Um abraço do
Cristóvão de Aguiar