(Ilha
do Pico, 17 de Julho de 2012)
Minha
Querida Neta Ana Laura:
Um
molho de saudades tuas traz o Vovô Cristóvão às costas. Será um lugar mais que
comum, disso está o Avô ciente. Mas ardem e picam e latejam como jovem ferida ainda
não cicatrizada. Sente-as em fogueira acendida, aqui, num local interdito… De
ti e de tua irmã Ana Rita, a benjamim da casa. As meninas de seus olhos, já um
tanto mortiços e areados pela salmoura do tempo amontoado na vida iniciada há
milhares de luas. De novo, longe. Vovô Cristóvão mais parece um embarcadiço
sem barco e sem bússola. Tem o mar e um sismo sempre de atalaia debaixo do chão
que pisa com passos atabalhoados. Da janela da sala onde escreve, avista a
Ilha em frente, a de São Jorge, um enorme espinhaço roxo à espera de cambiar a
cor para o azul ou para uma da mesma família ou de surripiar outra da paleta que
mistura as tintas de todas as cores. Por vezes esconde-se, teimosa, embrulhada
num grosso manto de lã churra, e ausenta-se por alguns dias ou horas, consoante
o humor atmosférico… Tudo de acordo com o Sol e o vento, o mar e a nuvem,
escurecida ou esbranquiçada, a Montanha que dela tão perto se enxerga e lhe serve
de boletim meteorológico, que os seus escassos moradores lêem e interpretam,
com uma sabedoria avoenga, desde o acordar ao fechar dos olhos de capelas caídas
de cansaço! Faz companhia ao Vovô, a Ilha, e aquece-lhe a solidão eleita e habitada
por livros, música e alguns fantasmas obedientes. Fica ele sabendo que mais
mundo existe para além da Ilha vizinha e, assim sendo, a insulação rasga balizas
e adoça a mente. Um dia entenderás! Mas, nem só a tal Ilha, à distância de uma
pedra, faz companhia a teu Avô. Tu, minha neta Ana Laura, também o acompanhas
pelo dia adiante. Sempre que ele levanta a tampa do computador para dar início
à sua jornada sem jorna, gesto que se repete todas as manhãs e várias vezes ao
dia, a primeira imagem que descortina e reveste toda a área do ecrã, é uma
fotografia tua, lindíssima, teus olhos grados, vacilando entre o verde e o
azul, ou ambas as cores conjugadas, que congeminam uma outra, indecisa, mas
por isso fascinante pela sua ambiguidade…
Vai
agora o Vovô despedir-se. Um dia hás-de ler esta e as outras cartas anteriores
que o Avô te endereçou para tua memória futura. Ao lê-las vais com certeza
perguntar por ele e procurar saber quem foi este teu Vovô longínquo. A melhor
resposta ser-te-á dada pelos escritos que irá deixar por aí, espalhados. Neles,
tentou teu Avô imprimir a alma nas linhas de cada página. Não sabe se o
conseguiu. Se a encontrares numa simples frase, dará ele por bem empregados
todos os livros que a custo escreveu.
Tens
a vida alongada à tua dianteira. Colhe dela todos os frutos, os doces e os
amargos. São dela parte integrante. Nunca fujas nem rodeies as contrariedades.
Serás capaz de as enfrentar. Já revelas, sempre o revelaste, um voluntarismo
robusto e uma escorreita rebeldia. Hão-de levar-te aonde a tua vontade quiser.
Muitos
beijos neste dia tão lembrado. Teu Avô,
Cristóvão
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