Qual o principal efeito
desta medida? Permitir que haja um ajustamento em baixa dos custos salariais em
Portugal, desafogando algumas empresas, evitando que estas tenham de despedir
trabalhadores. Parece ser uma medida razoável de combate ao crescimento do
desemprego. Infelizmente vem tarde demais e, neste momento, o mais provável é
que seja um erro. Explico porquê.
Muitos economistas
alertaram em devido tempo para a necessidade de baixar o consumo interno para
reequilibrar as nossas contas externas. Lembro-me de Vítor Bento, mas também
aqui o Fernando Alexandre sempre defendeu o corte do subsídio de férias para
toda a economia. E esses economistas sempre deixaram muito claro que apenas
haveria dois caminhos para atingir esse equilíbrio: ou uma descida generalizada
de salários ou o aumento do desemprego. Não se fique com a ideia de que só os mauzões
dos neoliberais disseram isto: Blanchard e Krugman, só para citar dois
economistas famosos bastante respeitados à esquerda, apontaram para o mesmo
problema.
Não se seguiu o caminho
de baixar os salários. Naturalmente, o desemprego disparou. E disparou de tal
forma que o consumo interno (ajudado pelos cortes aos pensionistas e
funcionários públicos) caiu o suficiente para reequilibrarmos a nossa Balança
de Transacções Correntes com o exterior. O ajustamento está feito. As nossas
necessidades líquidas de financiamento externo estão próximas do zero.
Fica a pergunta: com esta descida de salários vai-se reduzir o desemprego de forma relevante? Duvido muito. Em
primeiro lugar, já havia, e há, isenções nos descontos para a SS em novas
contratações, especialmente aquelas de que beneficiassem jovens à procura de
primeiro emprego e desempregados de longa duração. A essas contratações, esta
nova medida (quase) nada acrescenta.
Em segundo, o mais relevante
desta medida é o valor total dos descontos para a SS. Ora esse vai aumentar, e
não diminuir. Para perceber isso note que ao trabalhador o que interessa é o
salário que recebe, após descontos. Para a empresa, o relevante é o custo total,
ou seja salário mais despesas com SS. Pelas discussões que tenho tido, vejo que
há tantas dificuldades em entender isto que me vejo obrigado a dar um exemplo
muito simples: Imagine que uma empresa oferece a um desempregado um ordenado
líquido de 1000. Quanto vai custar esse novo trabalhador à empresa? Com as
novas regras, os custos totais serão de 1439,02, com as regras antigas os
custos seriam1390,45. É só fazer as contas. Ou seja, com as novas regras, a contratação
fica mais cara. Se a empresa quiser contratar um novo trabalhador por um dado
salário líquido tem de gastar mais dinheiro. Isto não é um incentivo, é um desincentivo a novas contratações.
Vejo escrito em muito
lado (aqui, por exemplo) que esta é a tao famosa desvalorização fiscal que se discutiu no início do
mandato deste governo. Tal ideia parece-me um disparate completo. A
desvalorização fiscal assentava em dois pilares: (1) redução dos descontos para
a segurança social, (2) compensada por um aumento do IVA. A redução dos
descontos, garantia a descida dos custos das empresas que produziam
nacionalmente. A subida do IVA garantia a subida do preço dos bens importados.
Ou seja, simulava-se uma desvalorização monetária (ou seja, o preço dos bens
exportados diminuía, o dos bens importados aumentava e haveria alguma inflação).
Isto que está a ser proposto não é uma desvalorização fiscal, é uma
desvalorização salarial. Procura-se aumentar a competitividade das empresas exportadoras
à custa da redução dos salários líquidos dos seus trabalhadores.
Dado que as contas
externas estão equilibradas (ainda em Julho as exportações subiram 7% e as importações continuaram a cair), que pouco contribuirá para
combater o desemprego e que é fiscalmente neutra, eu diria que esta medida é essencialmente ideológica e
não económica. O consenso político em torno da aprovação dos orçamentos de
estado foi desfeito.
Finalmente alguem vê que o trabalho fica mais caro e não mais barato.
ResponderEliminarNão querendo tirar conclusões precipitadas sobre o que escreveu, agradecia que me esclarecesse quanto ao exemplo que deu. Ao comparar salários líquidos não está a incorrer num vício de forma...? Mil euros líquidos depois destas medidas não são comparáveis com os mesmos mil euros líquidos antes das medidas. Mil euros líquidos depois das medidas corresponde a um aumento salarial! Agradeço que me explique.
ResponderEliminarCordialmente,
Não há muito para explicar. Ao trabalhador o que interessa é o dinheiro que leva para casa à empresa interessa os custos totais que tem com o trabalhador.
EliminarDeixe-me dar-lhe um exemplo, os funcionários públicos terão mais um salário em 2013, distribuído pelos 12 meses. No entanto, penso que até agora ainda não viu nenhum funcionário público a rejubilar de alegria. E porquê? Porque são uns ingratos que não sabem fazer contas? Não, pelo contrário, como sabem que os impostos aumentam exactamente na mesma medida, têm a estranha sensação de que o salário líquido fica na mesma.
Mas os interesses são antagónicos. As medidas beneficiam em 5,75% as empresas e prejudicam em 7% os trabalhadores. O Luís não pode fazer tábua rasa desta desvalorização salarial. Não pode comparar 1000€ líquidos agora com 1000€ líquidos depois. A comparação será sempre feita entre 1000€ e 930€ na óptica da empresa e na óptica do trabalhador. Ante estes valores, a empresa vai ter custos laborais decrescidos e o trabalhadores salários mais baixos.
EliminarCordialmente,
"As medidas beneficiam em 5,75% as empresas e prejudicam em 7% os trabalhadores."
ResponderEliminarTotalmente de acordo.
"O Luís não pode fazer tábua rasa desta desvalorização salarial"
Não faço, bem pelo contrário.
"Não pode comparar 1000€ líquidos agora com 1000€ líquidos depois. A comparação será sempre feita entre 1000€ e 930€ na óptica da empresa e na óptica do trabalhador."
Na óptica da empresa isto não me parece fazer sentido. Para a empresa -- que procura sobreviver, ter lucros produzir mais, baixar custos, etc -- o que interessa é que quando contrata um trabalhador os custos que tem incluem as despesas com a SS.
Na óptica do trabalhador, só um trabalhador muito míope, para não dizer cego --quem falou em ópticas foi o Paulo --, e sem contas para pagar é que vai que vai pensar que 930€ são iguais a 1000€.
Caro Luís,
EliminarNa óptica da empresa, a subida de 1,25% com a SS é mai do que compensada com a diminuição de 7% em massa salarial. Ninguém contrata com base em ordenados líquidos. Cada uma das entidades pagará as suas contribuições.
Na óptica do trabalhador, há que usar óculos e procurar quem melhor paga. Se a desvalorização salarial é geral, muito dificilmente um trabalhador barganhará 70€ perpetuando o seu desemprego.
Todos os agentes interiorizarão a nova realidade. Se estou de acordo? Claro que não. Mas não é disso que falamos.
Grato pela cordialidade, vou adicioná-los às minhas leituras.
Paulo, se me está a dizer que o efeito de longo prazo desta medida será uma redução permanente dos salários líquidos, então estamos de acordo.
EliminarOnde não parecemos estar de acordo é com a ideia de que os encargos das empresas também vão aumentar.
Resumindo o que disse na entrada de outra forma. Se os trabalhadores tivessem uma capacidade negocial fantástica, os seus salários líquidos não seriam alterados pela lei pelo que todos os custos adicionais recairiam sobre as empresas. Se for ao contrário, a empresa manterá exactamente os seus custos pelo que toda a subida de impostos recairá sobre o trabalhador. Se a realidade estiver algures no meio, tanto o trabalhador como a empresa ficarão pior.
Desculpe-me a insistência:
EliminarClaro que concordo com o que disse. Digamos que o "desentendimento" é de ordem semântica. Devo ser seu colega nisto também.
"Ninguém contrata com base em ordenados líquidos."
EliminarParte do meu trabalho é (ou era, antes dos salários terem sido congelados...) pedirem-me, no âmbito de negociações salariais, coisas do género "Faz aí dois quadros - se o Dr. X tivesse uma remuneração base de Y, um quadro com o que ele ia receber liquido por mês, e outro com o que o hospital ia gastar com ele" (o relevante para aqui é o pedirem-me um quadro com o que o trabalhador iria receber líquido).
Diga-se que nunca me recordo de para contratar um auxiliar de acção médica (em vez de para um "Dr. X") fazer dois quadros (ai costuma ser só um com os custos totais para a entidade empregadora), o que tem provavelmente a ver com diferentes elasticidades de oferta de trabalho em diferentes profissões.
Caros, agora que chegámos todos a acordo, vou-me deitar.
EliminarCaro Luis,
ResponderEliminarNo link que colocaste, em nenhum lado digo que esta é uma desvalorização fiscal. Nem sequer menciono o termo. A única coisa que digo na coluna é que podemos separar o anúncio em duas medidas para perceber melhor o que se passa. Pelos teus posts no assunto hoje, vejo que concordas com o que escrevi (e espero ter algum crédito nessa separação). Não é uma desvalorização fiscal, é de facto um disparate dizer que o é. Não me imputes a mim o disparate, que nunca o escrevi. Por favor remove esse link.
Aliás, o meu plano para a minha coluna deste próximo Sábado era explicar essa diferença entre uma baixa de salários (o que se fez) e uma desvalorização fiscal, embora talvez recue nesta intenção porque tu já explicas aqui bem a diferença.
Ricardo
Ricardo, está retirado. Mas o que tu dizes no teu texto é o seguinte:
Eliminar"No segundo anúncio, reduziu-se a taxa social única paga pelas empresas, e compensou-se essa perda de receita quase por igual com um aumento da contribuição social do trabalhador. No fundo, reduziram-se os custos do trabalho, vulgo salários, de uma forma que em termos de receita fiscal é aproximadamente neutra. Concretizou-se a tal medida para relançar a competitividade do país que era discutida desde o início da crise." -- http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO058503.html
Na última frase deste parágrafo dizes que se concretizou a tal medida. A tal medida era a desvalorização fiscal. Provavelmente, querias ter dito que o governo "alega que se concretizou a tal medida". Concordo, no entanto, que no último parágrafo fazes a distinção ("Embora os instrumentos sejam fiscais, na essência o que se fez foi uma redução dos custos salariais das empresas, com um corte nos salários recebidos no privado.") Mas a primeira leitura foi a que ficou na cabeça.