A agitação que se sente no ar e, por vezes, nas ruas, desde o início de Setembro, resulta da surpresa que todos sentimos quando foram conhecidos os resultados decepcionantes da execução orçamental em 2012. O próprio governo, incluindo o ministro das finanças, parece ter perdido o norte com aquelas notícias – é a minha explicação para a proposta trapalhona para a TSU e outras confusões ‘governativas’.
De facto, os resultados para a execução orçamental mostraram duas coisas. Em primeiro lugar, que pode ser impossível corrigir o défice, e estancar o crescimento da dívida pública, no contexto recessivo e de estagnação que atinge Portugal e grande parte dos seus parceiros comerciais da zona euro. Ficou também claro que a austeridade pode ser altamente recessiva, e que esta, por sua vez, pode impedir a consolidação orçamental.
Em segundo lugar, os resultados da execução orçamental mostraram que os portugueses não tinham ainda tomado consciência do quão difícil ia ser o ajustamento. No entanto, pensar que se corrigiam os desmandos de 20 anos, e o mais irresponsável dos défices, o de 2009, com um orçamento, só pode resultar do desconhecimento da gravidade dos desequilíbrios de que a economia portuguesa padece (e do contexto internacional em que acontece). Também aqui o governo tem muitas responsabilidades, a começar pelo Primeiro-Ministro – o discurso de final de Agosto pareceu mostrar que ele próprio desconhece que a correção dos desequilíbrios da economia portuguesa tem ainda alguns anos pela frente. Está a ser, como se previa, muito difícil aos políticos portugueses adequarem o seu discurso: nestes tempos e nos mais próximos, a única coisa que os políticos terão para distribuir são sacrifícios. E é na equidade dessa distribuição, e da sua percepção pela opinião pública, que assenta a estabilidade da democracia portuguesa.
De facto, a correcção dos desequilíbrios da economia portuguesa passa pela redução do endividamento privado, das famílias e das empresas, e, logo, pela redução do consumo e do investimento – com forte probabilidade, essa redução manter-se-á, em 2013, em níveis semelhantes aos deste ano (sim, acho as previsões do orçamento optimistas). Essa queda no consumo e no investimento gerará efeitos recessivos na economia. Os sectores que utilizam mais mão-de-obra, os não-transacionáveis, serão os mais afectados, e, também por isso, o desemprego continuará galopante. Mas, provavelmente, os resultados para a nossa balança de bens e serviços serão novamente surpreendentes.
E o Estado tem também de corrigir os seus desequilíbrios – que resultam do inexorável, e insustentável, crescimento da despesa pública nas últimas três décadas. No entanto, a redução da despesa, porque são também quase sempre reduções rendimentos das pessoas (tal como o aumento dos impostos), não é fácil de fazer (e o Tribunal Constitucional não gosta delas!).
Se o governo, na proposta de orçamento para 2013, tivesse optado por políticas menos restritivas, o défice orçamental ia aumentar – e isso não pode acontecer. Com este orçamento a correção do défice pode não ser muito grande e ser até, uma vez mais, uma desilusão, mas, no actual contexto, não há alternativa – pelo menos para mim, que não consigo vislumbrar futuro fora da zona euro e da União Europeia.
Teimosia não é virtude. Temos todos obrigação de procurar soluções alternativas, que não penalizem tanto a sociedade e economia e que não nos condenem a definhar sem qualquer perspectiva de resolução dos problemas.
ResponderEliminarSaber que as medidas de austeridade restritivas vão desiludir, e mesmo assim insistir nelas, não me parece a atitude mais ajustada. Fica por provar tb. que "políticas menos restritivas" iam forçosamente redundar em maior défice orçamental... Se isso fosse assim, mais valia deixar as coisas como estavam: por vezes isso seria o que de melhor podiam fazer os agitados políticos e seus frenéticos conselheiros. Uma inteligente e assertiva negociação internacional - não a que anda o Portas a fazer, claro - poderia trazer resultados muito superiores a milhentas medidas de terorismo político interno.
"Com este orçamento a correção do défice pode não ser muito grande e ser até, uma vez mais, uma desilusão, mas, no actual contexto, não há alternativa" -> Há alternativa, sim!
ResponderEliminarVejamos: as medidas de austeridade no OE terão em princípio uma proporção totalmente desequilibrada entre a redução da despesa e o aumento de impostos.
Se tanto falamos dos desvarios do últimos 20anos, não podemos achar/concordar que o ajustamento se faça essencialmente através da subida de impostos. Se há coisas que estão erradas - e há - como sejam os contratos ruinosos das PPP, mercados protegidos acima de qualquer regulação, inoperância total do sistema judicial em relação ao crime económico então essas têm que mudar também. Porque o que um povo não aceita é ser sempre espezinhado enquanto outros são sempre protegidos.
Por outro lado, também da parte da UE não percebo tanta exigência agora. Mas então não andamos anos a fio a tapar buracos no défice com vendas extraordinárias de património, com fundos de pensões, etc e será que ninguém nessa UE percebeu que isto não era nada, que assim não vale, que assim é cumprir a regra sem a cumprir realmente??? ainda há dias falava-se na não aceitação da privatização da ANA por parte da UE. Mas não aceitava porque era iludir as regras...era por coisa de outra coisa qualquer, privatizar ao mesmo tempo que não sei o quê...
Depois também a teoria bacoca de que os contratos das PPP são muito difíceis de alterar e renegociar pois estão blindados e foram feitos por grandes escritórios. Ora, nada de mais errado e parvo. Primeiro, contratos leoninos são por si só ilegais e estas PPP em o Estado assume o só risco e o privado assume só o lucro e como tal parece-me que se trata de um contrato leonino. ilegal, portanto.
Mas, se não quisermos expor essa ilegalidade (devido à tal inoperância judicial), então aplique-se um imposto digamos de 99% sobre o que se paga a mais nas PPP.
Ou só o meu contrato de trabalho é que não é blindado e por isso pode ser sujeito às mais variadas taxas e impostos extraordinários???
Por isso, há alternativa sim.
Não há é vontade...
É verdade que a incompetência do governo na elaboração e apresentação do orçamento para 2013 é de bradar aos céus. Como é possível o ministro das finanças apresentar um "enorme aumento de impostos" sem ter assegurado anteriormente o respaldo da totalidade do governo? Nem a trapalhada recente da TSU lhes parece ter servido de lição. Mas isto é uma questão, a outra é a possibilidade de alternativas.
ResponderEliminarPartindo do princípio (optimista) que receita fiscal aumenta em 3 mil milhões de euros para o ano, atingindo os 70 mil milhões, o défice continuará a ser de 8 mil milhões, isto é o que mais ou menos o dinheiro daa troika terá de cobrir. Por conseguinte, quem for contra este aumento de impostos para reduzir o défice (e que de facto vai contra tudo o que mandam os livros de economia para este tipo de situação) tem de apresentar um plano alternativo de corte da despesa de 3 mil milhões de euros. Quem não quiser o aumento de imposto e ver-se, ao mesmo tempo, livre da troika já para o ano, tem de arranjar um plano ainda mais ambicioso de corte da despesa de 11 mil milhões, o que implicaria cortes nos salários dos funcionários públicos não de dois meses mas de muitos meses – sim, sim, os cortes nas PPP e nas rendas não chegam nem de longe nem de perto para tapar o buraco “colossal”.
Começando a parecer evidente para muita gente que esta terapia de choque está a arrasar o país – faz lembrar os tratamentos de quimioterapia ou radioterapia que eliminam as más e as boas células do doente - é altura de se começar a discutir a sério as alternativas. A primeira é, obviamente, renegociar o memorando da troika. Nesse caso, o governo (em privado, claro) teria de convencer a troika, o que não será fácil. Mas mesmo que convencesse, não é seguro que o resultado fosse melhor. Implicaria assumir, perante os mercados, um falhanço que nos podia custar caro no futuro em termos de financiamentos. Além disso, prolongar o tratamento quando toda a gente já começa a falar em “fadiga” fiscais e outras que tais parece um contrassenso.
Por fim, resta a saída do euro, cujas consequências são quase inimagináveis em temos do empobrecimento dos portugueses.
De qualquer maneira, todos estes cenários devem ser discutidos, de preferência, obviamente, sustentados em números e estimativas, para os portugueses poderem escolher em consciência. Seja como for, nada nem ninguém nos livrará do sofrimento.
"sim, sim, os cortes nas PPP e nas rendas não chegam nem de longe nem de perto para tapar o buraco “colossal”"
ResponderEliminarpois, mas isso não quer dizer que não se lhes pode tocar!!
Ou então fazemos assim: como os 1000€ que me vão cobrar a mais de impostos em 2013 não chegam "nem de perto para tapar o buraco “colossal”" dispensam-me do tal esforço de austeridade! Pode ser? Bem me parecia...
Caro Beto Acosta (grande jogador, por sinal)
ResponderEliminarEstou completamente de acordo consigo. As PPP e as rendas (em especial as da EDP) são uma vergonha "colossal" e, se há alguma coisa que me revolta, é a passividade do governo em atacar essas imoralidades, para não lhe chamar outra coisa bem pior. Mas, repito, essas poupanças não são, infelizmente, suficientes para resolver o problema.