Em Jornal de Negócios de 14/05/2013
Num
ano, a economia portuguesa perdeu 229 mil empregos. Perdeu emprego de forma
mais acentuada nos sectores transaccionáveis. Assistiu a uma redução das
exportações. Perdeu população activa residente. Perdeu capacidade de produção.
Nada disto ajuda ao necessário ajustamento económico.
Os
números de Março revelam que o número de desempregados aumentou 130 mil, com o
desemprego a atingir valores próximos de um milhão. No entanto, estes dados revelam
apenas parte do problema. A queda do emprego foi muito superior. Num ano, a
economia portuguesa perdeu 229 mil postos de trabalho.
A
diferença entre os dois números é explicada principalmente pela emigração. Dados da Direção-Geral dos Assuntos Consulares
e Comunidades Portuguesas, citados na imprensa esta semana, referindo que em
2012 saíram do país 130 mil portugueses, confirmam esta ideia. Em 2012,
Portugal teve não só o maior aumento de desemprego como a maior perda de
população activa desde que os dados são registados.
A
saída de um número tão elevado de trabalhadores, em particular de trabalhadores
jovens e qualificados, compromete o potencial produtivo futuro da economia
portuguesa. À perda de 130 mil trabalhadores com qualificações superiores à
média pode corresponder uma perda de PIB potencial permanente de 4 ou 5 mil
milhões por ano e receitas fiscais de mais de 2 mil milhões. Com esta sangria
Portugal perde capacidade para crescer e para conseguir pagar as suas dívidas.
Todos
estes dados são contrários ao ajustamento de que a economia portuguesa
necessita.
PERDA DE EMPREGO MAIS ACENTUADA NOS
TRANSACCIONÁVEIS
Redução de Emprego
Em milhares
|
Taxa de variação homologa (c)
|
Proporção do Emprego Total
|
Proporção da perda de emprego
|
|
Transaccionáveis
(a)
|
-105
|
-8,3%
|
26%
|
46%
|
Não
transaccionáveis (b)
|
-116
|
-3,5%
|
73%
|
51%
|
Total
|
-229
|
-4,9%
|
100%
|
100%
|
(a) Indústria
transformadora e agricultura
(b) Serviços e Construção. Variações entre o
primeiro trimestre de 2012 e o primeiro trimestre de 2013. Fonte: INE.
Na
última década a economia portuguesa sofreu uma série de choques externos que
acentuaram os seus desequilíbrios. O alargamento e a maior abertura da UE à
China colocaram em cheque a nossa especialização tradicional, comprometendo o
crescimento económico. A maior crise desde 1929 deu uma facada adicional. O
fraco crescimento que daqui resultou, em paralelo com o acesso a crédito
barato, estiveram na origem do desequilíbrio externo e do desequilíbrio orçamental.
Para
os corrigir, a economia portuguesa precisava de um ajustamento das suas
componentes.
Portugal
apresentou durante anos uma despesa superior à produção. Precisava de gastar
menos e de produzir mais.
Portugal
produzia menos bens transaccionáveis do que consumia, o que significava que tinha
um défice externo crónico. Precisava de reajustar a sua produção, passando a
produzir mais transaccionáveis e menos não transaccionáveis.
O
caminho de reequilíbrio ideal passaria por aumentar a produção, e para isso
aumentar o investimento, em particular nos sectores transaccionáveis, para que
aumentassem as exportações. O ajustamento teria de passar não apenas pelo
aumento da produção de transaccionáveis e pelo aumento do investimento, mas
também pela redução dos gastos públicos e do consumo. O reequilíbrio externo seria
feito tanto pelo aumento das exportações como pela redução das importações.
Isso
foi o que aconteceu entre 2010 e 2011. Os gastos públicos desceram mais que o
consumo privado. O PIB caiu, o desemprego aumentou, mas a produção e o emprego
na indústria transformadora e na agricultura aumentaram. Não se estava a seguir
um ajustamento fácil, mas estava-se a caminhar no sentido correcto.
No
último ano, o ajustamento económico em Portugal não só está a ser mais duro,
mas não está sequer a seguir no sentido correcto. O Investimento, que devia
estar a aumentar, está a cair. O emprego nos sectores transaccionáveis, que
devia estar a aumentar, está não só a cair, mas a cair de forma muito mais
acentuada do que o emprego nos sectores não transaccionáveis – ver quadro.
Os
dados de Março também revelaram que as exportações, que deviam estar a
aumentar, estão a cair. O reequilíbrio externo que, em 2010 e 2011, se estava a
fazer mais pelo aumento das exportações do que pela redução das importações, está-se
a fazer agora apenas pela redução das importações.
Mesmo
no que toca ao reequilíbrio da despesa interna, ao contrário do que aconteceu
em 2010 e 2011, em 2012 a queda do consumo privado foi superior à queda dos
Gastos públicos, situação que se deverá repetir no corrente ano. Os privados
estão a fazer mais pelo ajustamento do que o Estado.
O
principal problema que o país enfrenta neste momento não é a instabilidade
dentro do Governo, nem a lentidão a que se está a processar a consolidação, é o
facto de as medidas socialmente muito duras que estão a ser impostas não
estarem a gerar o ajustamento da economia no sentido necessário. Portugal
precisa de investir mais, produzir mais e exportar mais. E nada disto está a
acontecer.
Caro Manuel Cabral, estou em crer que a inversão do crescimento deficitário da balança comercial só começou a ocorrer em 2011. Falar em início do reequilíbrio externo em 2010 é, manifestamente, infundado!!
ResponderEliminarHi! Hi! Pelos vistos a administração do destreza das dúvidas está a tentar ver se entra no próximo governo...
ResponderEliminarNem tudo o que luz é ouro:
ResponderEliminar1. Desde logo a transformação da divisão de trabalho dentro das empresas autonomizando e fazendo o outsourcing de algumas tarefas altera completamente as estatísticas.
Imagine que uma empresa para ser mais rentável decide transferir o pessoal de segurança, o pessoal de limpeza e do serviço de contabilidade para três empresas externas (outsourcing). Como aparece isso nas estatísticas? Diminuição de trabalhadores empresariais (pq as pessoas são classificadas não pelo que fazem mas pelo objecto da empresa que as contrata) e aumento do de serviços. Assim a estatística que mostra pode na verdade ser o resultado de reestruturações das empresas que para serem mais competitivas e exportarem recorrem mais a outsourcing para tarefas não ligadas ao seu objecto principal.
2. Existem empresas de construção e serviços que exportam. Por exemplo a indústria de software, se nã me engano, está classificada como serviços, logo a divisão que faz entre transaccionáveis e não transaccionáveis é bastante simplista. Por outro lado havia empresas industriais que na verdade dependiam da procura interna, pois importavam o produto, davam-lhe um pequeno acabamento e vendiam-no no mercado nacional. (Por exemplo sempre que fosse necessário fazer a rotulagem de produtos, precisavamos de uma gráfica e as gráficas são indústria).
3. Claro que pode argumentar que os pontos acima são marginais, mas, eu acho que não o são. A divisão entre o sector transaccionável e não transaccionável é bastante dificil, muito mais do que o simples a) e b) que refere.
PS: Repare que nem falei do Turismo.
Bem vindo.
Aumentar o investimento, para aumentar a produção, para aumentar as exportações ?
ResponderEliminarPerdoe, mas o que diz não passa de platitudes, senão vejamos :
Aumentar o investimento, só se for o publico pois não se vislumbra que o sector privado possa ou se atreva a isso, dado o estado comatoso do mercado interno e externo.E o primeiro não é possivel pelas razões óbvias.
Os Bancos não emprestam ? Pois não, ao mesmo tempo que lhes é pedido que aumentem as reservas querem que arrisquem mais crédito mal parado.No estado em que isto está nem com uma grande lanterna conseguem os banqueiros descobrir negócios viaveis que possam financiar.
Criar um Banco de Fomento ? Já foi tentado mas sem resultado, (o Funding for Lending no Ru, por exemplo,entre vários outros esquemas), é caso para dizer que se pode levar o cavalo à água mas não se pode obrigá-lo a beber, e enquanto os Governos insistirem em cortes brutais na despesa,bem podem chicotear o cavalo que ele não bebe.
É tudo mau ? Não felizmente, ontem mesmo soube-se que a Grécia vai bater o recorde do numero de turistas em 2013, que vão ultrapassar os 17 milhões. Em Portugal não é com Scuts que o vão conseguir não...
Caro Manuel
ResponderEliminarhá muito tempo que diz as mesmas coisas, que às vezes pode acertar (mais vale um ´relógio parado que atrasado"). Dizer-se que não estamos a ajustar-nos pelas exportações quando a procura externa teve uma quebra é tornear os factos: os ganhos de quotas de mercado nos últimos 3 anos foram na ordem dos 14p.p.. É óbvio que as importações têm que cair, porque como bem disseste temos que contrair o endividamento externo e isso só por via da redução de bens importados (designadamente bens de consumo duradouros)
Nunca falas do facto de que não é só o estado é que está endividado mas também as empresa e as famílias e que essa desalavancagem tem que ser feita, senão ficamos sempre dependentes, claro que é doloroso, claro que os custos económicos e sociais são brutais, claro que um obeso nunca quer fazer dieta, só se for obrigado e vai dando sempre algumas "facadinhas".
o problema natural é que o financiamento (e neste caso estou a falar de investimento) tem que chegar às PME e isso só é possível se os bancos deixarem de ter as restrições de liquidez e que o estado garanta o recurso ao financiamento externo.
é tudo muito simples, mas claro que a receita é super difícil, o fácil é ser comentador
1 - Definicao de um "bem transacionavel" sff. Exemplos especificos sff
ResponderEliminar2 - Definicao de um "bem nao transacionavel" sff. Exemplos especificos sff.
3 - Quanto ao resto, bem vindo a realidade, que, como e bem sabido, em vez de neutral, a puta, tem um forte bias Keynesiano