sexta-feira, 17 de maio de 2013

O "cisma grisalho"


Esta semana, Silva Lopes, um homem de esquerda, teve uma intervenção corajosa. Diz ele que, embora lhe custe muito que lhe cortem na pensão, não vê outra solução para a “sustentabilidade” (desculpem lá o palavrão) do sistema. Os “grisalhos”, acrescentou, não podem continuar a “asfixiar os mais novos”, que, como é sabido, terão, na melhor das hipóteses, direito a uma pensão simbólica. Em 2001, Ferro Rodrigues e Paulo Pedroso anunciaram uma reforma do sistema para 50 anos. Em 2007, Vieira da Silva anunciou outra reforma, desta vez para, salvo erro, 30 anos. Em ambos os casos, partiu-se de pressupostos irrealistas, como o de taxas de crescimento médio anual de 3% e 2%, respectivamente. Em 2007, a Polónia fez também uma reforma da "segurança social", avançando para um sistema de capitalização: cada um desconta, de forma obrigatória (presumo), para si e as pensões actuais são cobertas com dívida pública. Em Portugal, continua-se com um sistema redistributivo, em que os mais novos pagam as reformas dos mais velhos, contando que, quando chegar a sua vez, alguém pagará as suas. Já sabemos que isso não vai ser possível; os números, a começar pelos da demografia, não deixam margem para dúvidas a esse respeito. A questão é: devem ser os mais novos a suportar o grosso dos custos, pagando a reforma dos mais velhos e poupando (se tal for ainda possível) para a sua velhice, ou devem os sacrifícios ser repartidos pelas diferentes gerações? Eu, tal como o Silva Lopes, não tenho dúvidas sobre qual é a solução mais justa.
 

5 comentários:

  1. "cada um desconta, de forma obrigatória (presumo), para si e as pensões actuais são cobertas com dívida pública"

    Mas ainda não se percebeu que é justamente porque não se quer tratar as pensões actuais como divida (basicamente, quer que não se note o calote) que se fala de "cisma grisalho"?

    Já agora, tanto faria o sistema ser operacionalmente de capitalização como de redistribuição, se os valores a pagar tivessem unicamente a ver com as contribuições individuais e taxas efectivas de crescimento/cobertura. Mas mesmo nesses casos, como tratar as pessoas que, por uma carreira contributiva pequena com grandes períodos de desemprego tem uma auto-capitalização muito baixa?

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  2. “ (…) como tratar as pessoas que, por uma carreira contributiva pequena com grandes períodos de desemprego tem uma auto-capitalização muito baixa?”
    Uma sociedade que deixa cada pessoa escolher livremente quanto deve poupar para a reforma está, sem dúvida, a arranjar uma carga de problemas e sarilhos para o futuro. E esta observação decorre apenas de um conhecimento mínimo da história e da realidade. Ou seja, mesmo num sistema de capitalização, o Estado tem de intervir, obrigando as pessoas a poupar, caso contrário, estará certamente a arranjar e a transferir problemas gravíssimos para o futuro. Em relação à questão que coloca, podemos socorrer-nos da experiência do Chile, idealizada pelo economista José Piñera no final dos anos 1970 e implantada no início dos anos 1980 – entretanto, dado o seu enorme sucesso, o modelo foi copiado por vários países, a começar por vários da América latina. Em que consistia esse modelo? Basicamente, foi oferecida a hipóteses aos trabalhadores chilenos de recusar o sistema de pensões estatal. Caso optassem pelo novo sistema, em vez de descontarem do seu salário, contribuíam com quantia equivalente (10% do seu salário) para uma “Conta de Reforma Pessoal” em seu nome, gerida por empresas privadas e concorrentes. Ao atingir a idade da reforma, poderiam levantar o dinheiro. Bem, sobra o problema dos “trabalhadores ocasionais”, os que não têm um emprego regular, a tempo inteiro. Para esses, está prevista uma pensão mínima a pagar pelo governo, desde que as pessoas tenham trabalhado pelo menos 20 anos. Para além disso, há também uma pensão de “Solidariedade básica”, para quem não preenche o requisito dos 20 anos. Enfim, há várias soluções possíveis, como está é que não dá: o método dos “pagamentos repartidos” destrói a cultura da poupança e a ligação entre as contribuições e os benefícios, entre o esforço e a recompensa; a prazo, como se pode ver, o resultado é desastroso.

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  3. Caro J C Alexandre,

    Por ser extenso (excede o número de caracteres consentidos pelo blog) solicito-lhe leia aqui o meu comentário:

    http://aliastu.blogspot.pt/2013/05/carta-aberta-um-futuro-pensionista.html

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  4. Caro Rui Fonseca
    Antes de mais, obrigado pelo seu comentário. Confesso que sobre esta matéria tenho mais dúvidas do que certezas, ou melhor, sinto-me um pouco como o José Régio quando escreveu: ”Não sei para onde vou – Sei que não vou por aí!”. Há, para mim, todavia, duas questões claras. Primeira, o Estado não pode deixar ao livre-arbítrio de cada um a gestão das suas poupanças para a reforma. Neste ponto, até a maioria dos economistas liberais ou neoliberais (seja lá o que isso for) dirá o mesmo, por um motivo simples: não são parvos e sabem perfeitamente, pela experiência da realidade, que o seu famoso pressuposto da “racionalidade” das pessoas tem os seus limites – aliás o José Piñera, que mencionei no comentário acima, era considerado um “Chicago boy” (apesar de em bom rigor ter estudado em Harvard e não em Chicago onde pontificava o célebre Milton Friedman). Segunda, o sistema redistributivo, que vigora actualmente em Portugal, conduz a médio e longo prazo a resultados catastróficos e, em meu entender, os princípios que lhe subjazem são errados, porque, repito, destroem a cultura da poupança, a ligação entre as contribuições e os benefícios, entre o esforço e a recompensa.
    Percebo as suas dúvidas sobre a viabilidade, em Portugal, da implantação de um sistema de capitalização, desde logo porque, como diz, e concordo, é difícil acreditar no Estado, nada nos garantindo que no futuro não proceda a expropriações (é esse o termo) dos fundos de pensão.
    Acho que este tema deve ser discutido abertamente, e as reformas não devem ser feitas de forma encapotada, como a última de Vieira da Silva, em que claramente foram omitidas as suas implicações nas futuras pensões dos mais novos. Só por isso ainda bem que o Paulo Portas falou em “cisma grisalho”, embora, admito, não fosse essa a intenção dele.

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  5. O problema é que os baby-boomers do pós-guerra chegaram às reformas com um sistema feito pelos pais de toda esta sociedade ocidental e não têm culpa se o céu agora lhes cai em cima. Tal como nós, os pós-pós-baby-boomers não fizemos nada para não virmos a ter reformas...

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