Na sequência da Grande Guerra, a Conferência de Bretton Woods instituiu um sistema monetário internacional largamente baseado num sistema de câmbios fixos. As crises das Balanças de Pagamentos, provocadas por taxas de câmbio desajustadas, sucederam-se a um ritmo que viria a rebentar com o próprio sistema.
No fim dos anos 50, o debate sobre qual o sistema de câmbios mais adequado era bastante vivo, com Milton Friedman a defender um sistema de câmbios flexíveis e Robert Mundell a estudar as condições necessárias para existir exactamente o oposto: uma zona monetária comum. É deste debate que nasce a teoria das Zonas Monetárias Óptimas.
As vantagens de vários países com fortes laços comerciais e financeiros adoptarem uma moeda comum são relativamente fáceis de perceber. Ao se evitar a instabilidade cambial, as empresas encontram um ambiente internacional mais estável que lhes permite conduzir negócios internacionais sem correr riscos cambiais. Numa frase, permite aumentar os ganhos com o comércio internacional.
A adopção de uma moeda comum também tem riscos. Mais uma vez, esses riscos são também bastante óbvios. Se um país prescinde da sua própria moeda prescinde, simultaneamente, de ter uma política monetária autónoma. Particularmente grave é o facto de deixar de poder usar a taxa de câmbio para corrigir desequilíbrios externos.
A teoria das Zonas Monetárias Óptimas procura precisamente dizer em que condições é que os custos de prescindir do instrumento cambial não são demasiado onerosos. Robert Mundell, Ronald McKinnon, Peter Kenen e muitos outros identificarem uma série de condições chave para o sucesso de uma moeda única.
Resumindo de uma forma muito simples, e não pretendendo de todo ser exaustivo, o ideal era que
- os vários países tivessem os seus ciclos económicos sincronizados e que diferentes países não estivessem sujeitos a diferentes choques macroeconómicos. Se assim fosse, a política monetária e cambial adequada para um país era também adequada para todos os outros. Infelizmente, a investigação empírica conclui que não é esse o caso da Zona Euro. Não se verificado a condição descrita, então
- seria importante que cada país tivesse um mercado de trabalho bastante flexível para que choques macroeconómicos pudessem ser absorvidos sem grandes aumentos de desemprego. Mais uma vez, e comparando com o caso norte-americano, os países europeus não cumprem esta condição, exibindo na sua maioria mercados de trabalho bem mais rígidos do que o dos EUA. Não se verificando nenhuma das duas condições anteriores, os efeitos nefastos de uma moeda única
- seriam mitigados se houvesse forte mobilidade de trabalhadores dentro da zona monetária. Assim, trabalhadores de países com maior desemprego deslocavam-se para os países com menos desemprego, corrigindo-se o desequilíbrio. Mais uma vez, esta terceira condição não se verifica na Zona Euro, muito provavelmente devido a problemas de adaptação linguística. Finalmente, não se verificando nenhuma das condições anteriores,
- uma forma de criar condições adequadas para uma moeda única é a existência de um orçamento parcialmente comum que permita fazer redistribuição de recursos a favor dos países enfrentam situações macroeconómicas complicadas. É o que não existe na Europa ao contrário dos EUA. Por exemplo, um aumento do desemprego na Florida e o consequente aumento das despesas em subsídios de desemprego leva automaticamente a um aumento das transferências de Washington DC para a Florida, dado que grande parte desses subsídios são pagos pelo estado federal.
A proposta de Tózé Seguro, segundo a qual quando um país tem um desemprego acima da média europeia vê parte dos subsídios de desemprego ser financiado pela União Europeia, é um passo no sentido de melhorar o ponto 4.
Podemos estar em desacordo, considerar que a sua operacionalização é difícil, inaceitável para os eleitorados de outros países e que introduz incentivos errados. Podemos até ser a favor de acabar com a moeda única (eu próprio já fui mais contra essa solução do que sou hoje). Mas o que não faz sentido nenhum é tratar esta proposta como estúpida e intelectualmente indigente como muitos andam a fazer. É uma proposta perfeitamente racional do ponto de vista da teoria económica. (Ainda mais quando Portugal tem cerca de metade dos seus desempregados sem direito a receber subsídio de desemprego.)
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ResponderEliminarSe a ideia de AJS tivesse sido implementado há 15 anos, os contribuintes portugueses teriam andado a pagar os subsídios de desempregos dos alemães entre 1998 e 2005.
ResponderEliminarNaturalmente.
EliminarPS Não fui ver os dados, mas acredito no que estás a dizer.
Mas sabe-se o que disse o Seguro?
ResponderEliminarÉ que no site do PS
http://www.ps.pt/noticias/noticias/a-criacao-de-emprego-tem-de-ser-a-primeira-das-prioridades.html
vem esta anormalidade:
"Proponho que a UE estabeleça como objetivo para o ano 2020 que nenhum país possa ter uma taxa de desemprego superior à média europeia", afirmou António José Seguro, na sua intervenção no Fórum dos Progressistas Europeus, que juntou na capital francesa líderes dos partidos socialistas de países do sul da Europa. - See more at: http://www.ps.pt/noticias/noticias/a-criacao-de-emprego-tem-de-ser-a-primeira-das-prioridades.html#sthash.VkmcD9b9.dpuf
Sim, sei o que eu ouvi na televisão. O essencial da proposta foi o que aqui enunciei.
EliminarEssa história de termos de estar todos na média não passou na televisão, pelo que não tenho a certeza se o disse ou não. Mas penso que mesmo que tal seja verdade, tal deve ser aproveitado apenas para mandar umas piadas e pouco mais. Não deve ser confundido com a verdadeira proposta, não concorda?
Veja por exemplo a reportagem da RTP, http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=659559&tm=9&layout=122&visual=61 , e da TVI, http://www.tvi.iol.pt/videos/13894600 .
EliminarE, já agora, a reportagem da SIC: http://sicnoticias.sapo.pt/2210634
EliminarA ligação que coloquei em cima é para o sítio do PS...
ResponderEliminarO Seguro foi mal citado pelo seu órgão oficial?
Parece-me que essa ligação se limita a transcrever o que foi comunicado pela Lusa. O mais provável é que o responsável pela página não se tenha apercebido do disparate. Mas vejo que não respondeu à minha pergunta principal, que repito:
EliminarMesmo admitindo que o disparate da média é verdade, tal deve ser aproveitado apenas e só para mandar umas piadas, não devendo ser confundido com a verdadeira proposta, que merece uma discussão séria, não concorda?
O meu comentário no post anterior tinha ficado melhor aqui afinal. A menos que esta proposta seja delineada com mais detalhes, parece mais propaganda politica que outra coisa. Se a ideia tem diversos méritos (solidariedade entre estados membros, transferências contracíclicas, etc), a sua operacionalizacão parece, senão impossível, pelo menos bastante utópica nos dias que correm.
ResponderEliminarEstarão os alemães dispostos a pagar subsídios de desemprego de trabalhadores que recebem, como subsídio de desemprego, o equivalente acerca de 60% dos seus rendimentos anteriores? Estarão portugueses e espanhóis dispostos a passar a receber menos de 40%, como acontece no Reino Unido ou na Alemanha?
Qualquer dos cenários me parece altamente improvável. Qualquer negociacão para chegar a um meio termo me parece dificil de chegar a bom porto.
PS: O meu comentário foi feito com base em Gross Replacement Rates dos países em questão até 2010 mais coisa menos coisa. Admito que as diferencas possam ser actualmente relativemente menores. Não me parece que isso faca diferenca de qualquer forma.