Confesso que
nunca percebi o “Caso Crivelli”. Ao fim e ao cabo, para mim, que sou um
bronco, reconheço, tudo se resume à explicação de Francisco José Viegas. O quadro tem dono, que pagou por ele. Não é
legítimo que o Estado impeça que o dono disponha dele, vendendo-o. Mais tarde,
percebi que muitos dos que atacam Francisco José Viegas defendem que o Estado exerça o direito de opção de compra. Esta opinião parece razoável e não colide frontalmente com os direitos de propriedade. Afinal de contas,
o quadro era vendido pelo preço acordado, mas em vez de emigrar, ficava na
posse do Estado português. É quase como se de uma nacionalização a preços de mercado
se tratasse. Mas, mesmo assim, não concordo. E não concordo por duas ordens de razão:
- Na situação em que está o país (e mesmo em situações normais), não consigo perceber que não se encontre melhor uso a 3 milhões de euros (o valor de mercado de quadro). Com 3.000.000€ paga-se, por exemplo, o subsídio de desemprego a 500 desempregados durante um ano (lembro que há centenas de milhares de desempregados sem direito a subsídio de desemprego). Não se resolvia o problema dos desempregados em Portugal, mas minorava-se o drama de 500 famílias. Bem sei que há pareceres a dizer que o quadro é importantíssimo e que o devemos preservar a todo o custo mas, infelizmente, esse tipo de parecer não costuma ter um conta o custo de oportunidade. Para tal teria de responder à pergunta: qual o melhor uso alternativo do dinheiro? E a resposta a esta pergunta é, também, ideológica e não é um parecer técnico que vai alterar isso.
- Este tipo de regras bem-intencionadas, como aliás muitas outras, fomenta a corrupção. Bastaria que alguém que precisasse de financiamento, com contactos junto do Estado, para facilmente conseguir encaixar importantes somas monetárias. Suponham um Joe Berardo qualquer a precisar de encaixar algum dinheiro para se desfazer de algumas dívidas. Pode facilmente inventar um potencial comprador estrangeiro para alguns dos seus quadros que depois a Secretaria de Estado da Cultura o vai comprar a um preço pré-combinado.
E se for alguém que é dono de um imóvel de interesse histórico? Também deve poder fazer dele o que entender?
ResponderEliminarE que dizer da situação dos anteriores proprietários deste quadro, que só o venderam barato por causa do seu "sequestro"... que depois se evaporou?
"E se for alguém que é dono de um imóvel de interesse histórico? Também deve poder fazer dele o que entender?"
EliminarÉ relativamente fácil fazer este tipo de perguntas que levam a coisa a um extremo em que a resposta é óbvia. Evidentemente que se alguém é dono do castelo de São Jorge não o pode demolir sem mais.
Mas, como digo, fazer este tipo de perguntas, só serve como retórica. A contrario, é agora como se eu perguntasse se eras a favor que eu fosse impedido de exportar a casota da minha cadela só porque um Secretário de Estado a considera uma obra de arte.
"E que dizer da situação dos anteriores proprietários deste quadro, que só o venderam barato por causa do seu "sequestro"... que depois se evaporou?"
Há aqui duas soluções, uma é o Estado proibir a exportação do quadro, outra é o estado ter uma opção de compra. Se o tradicional é a segunda solução, então não vejo como os anteriores proprietários possam ficar prejudicados. Se for a primeira, então realmente é chato, mas também não vejo como é que mantendo a proibição de venda os beneficia.
Mas nestas coisas já se sabe, mesmo quando se acaba com as leis mais iníquas, há sempre alguém que pode alegar ficar prejudicado.
Respondendo, novamente, à primeira pergunta. Este tipo de leis deve ser reservado para casos extremos. O caso Crivelli não me parece, nem de longe nem de perto, um desses casos.
EliminarLuís, "imóvel de interesse histórico" não engloba, naturalmente, apenas monumentos. Nem é preciso chegar ao extremo do castelo para se perceber que a propriedade não é um direito sem fronteiras; por vezes o bem comum comprime esse direito individual.
ResponderEliminarE há normas e especificações mais ou menos estritas para este tipo de fatwa contra a exportação de obras de arte; isso da casota não se aplica.
Quanto aos anteriores proprietários do Crivelli, tanto quanto sei venderam ao actual proprietário por um preço que levava em conta a impossibilidade de vender a obra no exterior. Agora, essa impossibilidade desapareceu... vá-se lá saber se de forma integralmente alheia a interesses que pouco têm a ver com interesses públicos.
"Luís, "imóvel de interesse histórico" não engloba, naturalmente, apenas monumentos."
EliminarO monumento foi um mero exemplo. Mas onde nós divergimos é na necessidade de se chegar a um extremo ou não.
"Quanto aos anteriores proprietários do Crivelli, tanto quanto sei venderam ao actual proprietário por um preço que levava em conta a impossibilidade de vender a obra no exterior."
Quanto a este ponto, duas coisas. Em primeiro, quer o actual proprietário possa vender ao exterior ou não, os proprietários anteriores ficam na mesma situação em termos patrimoniais. Em segundo, situações destas acontecem amiúde. Basta ver o proprietário de terras que as comprou baratas porque era uma zona protegida e, depois, por via de uma alteração do PDM passaram a valer mais. Supostamente, o proprietário tem de pagar um imposto extraordinário por causa dessa valorização. Não sei se esse tipo de leis existe para este caso, ou se se poderiam aplicar por analogia. Mas também não me parece que o meu argumento seja afectado por isso. Eu acho que a lei como está é desadequada. Este tipo de problemas gerados pela lei, apenas reforçam a minha opinião.
O caso Crivelli é que Portugal é um Estado de Direito. E, como tal, os governantes devem cumprir as leis - mesmo que ocasionalmente não concordem com elas. Ora, há uma lei, que é a do "património cultural", no qual o quadro de Crivelli se enquadra. Essa lei ultrapassa, ou pelo menos conflitua com, o direito de propriedade.
EliminarPortanto, o Estado tem o direito de impedir que o dono do quadro de Crivelli disponha dele vendendo-o. F. J. Viegas resolveu não exercer esse direito, o que é uma decisão legítima. Mas não pode argumentar que não concorda com esse direito, porque as opiniões dele são irrelevantes - o direito está na lei, quer Vias concorde com ele quer não.
Luís Lavoura, porque não adopta o apelido "Contraria"? Também soava bem: Luís Contraria, talvez melhor do que Luís Lavoura. Vai dos gostos. E até rimava com Luís Aguiar-Conraria. Uma beleza.
EliminarLuis Lavoura, essa é boa.
EliminarNão pode argumentar que não concorda? O direito está na lei, mas podemos ser contra e ao sermos temos de agir conforme a convicção. FJ Viegas exerceu conforme a sua convicção.
E o que isso tem a ver com o facto sermos um Estado de Direito? Muda alguma coisa para o caso?
O bem comum é uma abstracção. É apenas uma desculpa para subjugar a vontade do indivíduo à vontade daqueles que se acham donos da condução da humanidade para uma ideal utópico, mesmo que contra a vontade de alguns indivíduos.
ResponderEliminarEsta polémica idiota foi inventada pelo Público que, pasme-se, deu 7 páginas ao assunto como a nenhum outro que me recorde, apesar do que tem sucedido em Portugal e no mundo. E, pasme-se outra vez, 5 páginas noutra edição face às 3 que dedicou no mesmo dia ao discurso do PR debatido por toda a nação.
ResponderEliminarÉ tão ridículo o tempo que já foi dedicado a esta palhaçada que me escuso a reiterar o que aliás está dito no post. Não havia dinheiro para a compra e se houvesse iria para outra coisa mais importante. Impedir o proprietário de levar a obra para França não beneficiaria ninguém. A decisão foi a mais justa para quem entende que o Estado deve agir como pessoa de bem e não como um menino que faz birras e estraga o brinquedo que não pode ter para que mais ninguém brinque com ele. Dito isto, pessoalmente acho que o quadro não interessa um caracol face aos muitos outros - da Escola Portuguesa, já agora - que aguardam restauro no MNAA e não são restaurados por falta de dinheiro. Abraços
Penso que a grande diferença entre o imóvel do interesse histórico e o quadro, é que normalmente o que está em causa nos imóveis é a sua destruição, que é irreversivel (mesmo que se contrua igual, não é o mesmo); no caso do quadro, o problema é apenas mudar de lugar (e daqui a uns séculos até já pode estar outra vez em Portugal; e até é possivel que daqui a uns tempos o atual dono o ponha a venda e o Estado português até o possa comprar).
ResponderEliminarLuis, deixa-me reforçar o ponto 1 da tua argumentação. Se realmente 3M é o preço justo de mercado do quadro então o que o estado deve fazer é abdicar desta opção uma vez que ela não tem valor intrínseco.
ResponderEliminarQuando o país recuperar desta crise e já não for preciso dar subsídio às tais 500 famílias, certamente o país poderá ir ao mercado e comprar o dito quadro, ou outro semelhante, por um valor que não deverá ser muito diferente dos 3M mais o custo de oportunidade, o que num cenário de baixas taxas de juro não será certamente exagerado.
POliveira
Sim, claro. Quando estivermos a nadar em notas compramos os Crivellis todos desde Montesinho até Castro Marim.
ResponderEliminar