Anda por aí muita gente a apontar a contradição entre quem se revolta com este referendo e quem quis o referendo ao aborto. Por exemplo, alguém no Facebook, a propósito da entrada anterior, perguntou-me:
Houve dois referendos sobre o aborto. Pode-se usar a mesma lógica sobre cada primeiro-ministro?
Antes de responder directamente, gostaria de chamar a atenção para algo no plano moral. Não há qualquer tipo de comparação entre alguém que defende o direito à vida de um feto com alguém que nega a uma criança o reconhecimento legal do seu pai (ou mãe) de facto. Posso discordar de ambas as posições, mas não faço qualquer equivalência moral entre elas. Uma coisa é alguém fazer-se valer do referendo para defender aquilo que acredita ser uma vida humana, outra coisa é alguém recorrer ao referendo para negar a uma criança o reconhecimento da sua família real. No primeiro caso, há dois direitos em conflito, o da grávida e o do feto; no segundo, há apenas homofobia e maldade.
Dito isto, gostaria de responder à pergunta.
Dito isto, gostaria de responder à pergunta.
No primeiro referendo sobre o aborto, a despenalização do aborto foi aprovada na assembleia e foi o PSD, sempre o PSD, numa jogada de Marcelo Rebelo de Sousa, que atirou com o referendo para cima da mesa. Foi um golpe baixo, mas Guterres, que também se opunha ao aborto, foi na conversa. Há no entanto, uma grande diferença entre António Guterres e Passos Coelho. Guterres foi para referendo por ser contra o que foi aprovado na assembleia e foi para referendo sabendo que a sua base eleitoral não ia gostar dessa atitude. Ou seja, fê-lo por convicção e sabendo que isso o prejudicaria junto da sua base eleitoral. No caso de Passos Coelho passa-se ao contrário. Coelho já se declarou a favor da adopção por casais homossexuais. Foi para referendo por puro manobrismo político. Não há comparação.
Quanto ao segundo referendo, ainda menos dúvidas poderá haver. Tendo uma maioria na assembleia que lhe permitiria confortavelmente aprovar a despenalização do aborto, ao contrário do referendo que era de resultado incerto, o primeiro-ministro da altura fez a leitura política correcta. O chumbo do primeiro referendo exigia igual legitimidade popular para mudar a lei. O erro foi a existência do primeiro referendo. Não houve nenhum erro em tê-lo em atenção antes de tentar mudar a lei novamente.
Por muito mau primeiro-ministro que tenha sido, Sócrates esteve bem. Comparar essa atitude com a de Passos Coelho diminui intelectualmente quem faz a comparação.
Por muito mau primeiro-ministro que tenha sido, Sócrates esteve bem. Comparar essa atitude com a de Passos Coelho diminui intelectualmente quem faz a comparação.
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