Público, 21 de Março.
Na semana passada, 74 pessoas assinaram um manifesto clamando por uma reestruturação da dívida do Estado português. Ontem, mais 74 economistas estrangeiros, entre os quais vários distintos académicos, assinaram um manifesto manifestando apoio ao manifesto português.
Basicamente, os 148 signatários consideram a dívida impagável e pedem que se enfrente essa realidade de imediato. Havendo cada vez mais gente que assim pensa, penso que este é um debate que vale a pena travar. Se o que neles fosse pedido tivesse sido simplesmente renegociar com a troika, exigindo, por exemplo, as mesmas condições que a Irlanda, banais e consensuais seriam os manifestos e não a pedrada no charco que pretendem ser: o actual governo já renegociou as condições do empréstimo da troika e espera-se que os próximos o continuem a fazer. Para que o debate sobre os manifestos seja relevante, é necessário que se tome em devida conta que a dívida detida pelos privados deverá ser reestruturada também.
Basicamente, os 148 signatários consideram a dívida impagável e pedem que se enfrente essa realidade de imediato. Havendo cada vez mais gente que assim pensa, penso que este é um debate que vale a pena travar. Se o que neles fosse pedido tivesse sido simplesmente renegociar com a troika, exigindo, por exemplo, as mesmas condições que a Irlanda, banais e consensuais seriam os manifestos e não a pedrada no charco que pretendem ser: o actual governo já renegociou as condições do empréstimo da troika e espera-se que os próximos o continuem a fazer. Para que o debate sobre os manifestos seja relevante, é necessário que se tome em devida conta que a dívida detida pelos privados deverá ser reestruturada também.
Qualquer que seja o eufemismo escolhido ― renegociação honrada, perdão de juros, perdão de dívida, alargamento das maturidades, períodos de carência de juros, etc. ― manda a honestidade intelectual que se diga que uma reestruturação da dívida implica sempre perdas de capital para os detentores dos títulos de dívida. Quem suporta essas perdas? Há uns anos, ameaçar com o incumprimento da dívida seria, também, ameaçar bancos estrangeiros. Hoje, o que devemos à troika é cerca de 40% da nossa dívida e, dos restantes 60%, a maioria está em bancos portugueses. Nós somos os nossos próprios credores. Podemos ameaçar que somos nós os principais ameaçados.
Uma reestruturação a sério da dívida teria dois riscos imediatos. O primeiro risco seria o de continuarmos com uma dívida elevadíssima, possivelmente na casa dos 100% do PIB, ao mesmo tempo que disparavam as taxas de juro, o que em vez de aliviar os encargos da dívida os aumentaria. O segundo seria uma série de perdas nos bancos portugueses, pondo em causa a frágil estabilidade do sector bancário. Se, em consequência desta reestruturação, o Banco Central Europeu deixasse de aceitar dívida pública portuguesa como colateral, veríamos a banca comercial a ir à falência. Para minimizar os efeitos deste desastre, o Estado teria de nacionalizar vários bancos. Em vez de um buraco no BPN, ficaríamos com uma cratera.
Quando confrontados com estes riscos, os signatários argumentam que não há outras opções. A verdade é que há, a melhor opção é o Estado obter, numa primeira fase, saldos orçamentais primários positivos e, numa segunda fase, saldos orçamentais nulos. Juntando a isto algum crescimento económico e alguma inflação, mesmo que ténues, o nosso rácio de dívida pública entrará em rota descendente e sustentável. Queixam-se os signatários de que se assim fizermos estaremos condenados a viver com políticas orçamentais contraccionistas para os próximos 30 anos. Não é verdade. Tal como um défice não tem efeitos expansionistas ― é o aumento do défice que tem efeitos expansionistas ―, contas equilibradas também não têm efeitos contraccionistas. A dificuldade está na transição, enquanto se reduz o défice. Podia esta transição ter sido feita com menos sacrifícios? Poderiam os próximos anos ser mais suaves do que provavelmente serão? Com certeza. Um acordo de longo longo-prazo que fixasse a despesa pública teria permitido um ajustamento mais suave. Mas, uma vez obtido o equilíbrio orçamental, o pior fica para trás. Além disso, a longo prazo, finanças públicas sãs são benéficas e não prejudiciais. É verdade que com uma dívida pública tão elevada como a que temos, estaremos sujeitos aos humores dos mercados. Mas, enquanto o incumprimento não for inevitável, devemos evitá-lo. Os riscos são simplesmente demasiado elevados.
Em conclusão, basta algum, mesmo que ténue, crescimento económico, conjugado com contas equilibradas, para a dívida entrar em trajectória sustentável. As contas são fáceis de fazer. Porque é que ilustres académicos, como Francisco Louçã, Paulo Trigo Pereira ou Mauro Gallegati, não concordam com elas? O motivo, parece-me, está associado ao Tratado Orçamental, que exige que, em 2035, a dívida pública seja de 60% do PIB. Como a dívida actual é muitíssimo superior, essa meta é difícil de atingir. Todavia, mesmo que se venha a revelar impossível chegar aos 60% dentro de 21 anos, é muito mais razoável aproveitar as próximas duas décadas para renegociar essa meta, do que enfrentar já a potencial catástrofe de uma reestruturação malfeita.
Caro Prof. LA-C:
ResponderEliminarGostei muito de ler o seu texto.
Felizmente há quem pense e escreva fora do maniqueísmo que tem invadido o debate público nos últimos anos.
Mas tenho muita dificuldade em compreender certas frases e outras são mesmo inconclusivas.
Acho que antes de publicar os textos os devia dar a ler a alguém competente para, do ponto de vista do leitor comum, eliminar estas pequenas excrescências que dificultam a sua compreensão.
Muito obrigado quer pelo comentário quer pela crítica. Tentarei melhorar.
ResponderEliminarSe tiver alguma frase específica que deseje que eu esclareça é só dizer.
PS não me chame prof.
A questão que o Manifesto coloca a sério é a questão política e social e não económico-financeira(apesar de esta ser o ponto de partida).
ResponderEliminarA questão é esta: é capaz de Portugal sobreviver em democracia durante 20 anos nas condições actuais?
A resposta é não e os riscos sociais serão muito superiores a questões puramente financeiras. E é isto que a esmagadora maioria dos subscritores sabe e por isso assinou.
Quanto ao primeiro risco imediato será sempre residual. O yield das taxas de juro vai continuar a baixar com o que se passa nos BRICS, em especial Russia e China. Alias é uma boa altura para fazer isto mesmo.
Quanto ao segundo risco, esse será sempre inevitável seja agora, seja daqui a 10 anos. Os banqueiros portugueses estão a rezar para que a tempestade vá passando e exista um milagre que resolva o problema das suas balance sheets. Mas infelizmente a união bancária a sério é uma miragem e quando houver o próximo choque valente, caiem todos que nem tordos.
Antes agora do que depois perante circunstâncias completamente caóticas.
JL
A proposta do Luís, de não validação das condições impostas pelos tratatados de redução progressiva da dívida para 60% do PIB em vinte anos -, corresponde, só por si, a uma certa reestruturação da dívida. É completamente diferente um ajustamento para tal objectivo consoante a evolução do crescimento económico, e um ajustamento forçado, independentemente da evolução da capacidade para o realizar sem efeitos colaterais social e economicamente danosos.
ResponderEliminarParece-me, por outro lado, muito optimista a conclusão de que, "obtidos numa primeira fase, saldos orçamentais primários positivos e, numa segunda fase, saldos orçamentais nulos, e juntando a isto algum crescimento económico e alguma inflação, mesmo que ténues, o nosso rácio de dívida pública entrará em rota descendente e sustentável."
E parece-me muito optimista porque, mesmo não contando com o esforço de redução forçado pelos tratados (que, no entanto, existem, e pressionam e condicionam as avaliações dos mercados) o crescimento nominal do PIB teria de situar-se sempre acima da taxa média efectiva da dívida para inverter a tendência do crescimento da relação dívida/PIB, para saldos primários nulos do OE ou exigir saldos positivos muito significativos no caso inverso. Condições que, mesmo pressupondo a contenção da dívida aos níveis actuais como objectivo nuclear, estão bem longe das observadas neste momento após quase três anos de intervenção da troica. E também não são vislumbráveis nem a curto nem a médio prazos.
Concordo consigo de que uma reestruturação implicando um perdão parcial da dívida seria catastrófica.
Há, no entanto, alternativas que, não dependendo de nós unicamente (e de nós ainda depende muita coisa, mais eficiência da função pública, por exemplo) têm de ser consideradas pela União Europeia, se a União quiser subsistir. Há dias, regozijava-se a ministra das Finanças com o facto de Portugal estar agora a obter financiamentos de longo prazo a taxas que estão agora" apenas a 300 basis points mais elevados que as da Alemanha". Ora aqueles 300 basis points significam o triplo das taxs pagas pela Alemanha. Ora o que está em causa não é apenas o custo da dívida pública mas também o preço do financiamento do sector privado. E esta é também uma situação insustentável.
Uma conclusão me parece pacífica: a ultrapassagem deste imbróglio exige dos portugueses, e muito particularmente da função pública, um esforço de incremento da sua eficiência, isto é, melhores resultados com menores custos. O exemplo mais acabado da ineficiência do sector público é a justiça.
Sem justiça não há progresso social e económico sustentado em lado algum. Mas é fundamental o reconhecimento da União de que nos encontramos numa situação difícil mesmo depois do consulado da troica e de que não podemos safar-nos pelos nossos próprios meios. Neste sentido, o Manifesto, foi, do meu ponto de vista, muito oportuno.