quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Sobre a prisão preventiva

Em Portugal a presunção de inocência tem as costas muito apertadas. Tão apertadas que uma pessoa se arrisca a ir presa vários meses sem sequer lhe ser feita uma acusação. Literalmente, prende-se alguém para investigar se há material para acusar, quanto mais para condenar.

É paradoxal. A um condenado em primeira instância dão-se todas as garantias possíveis e imaginárias, permitindo que quem tem possibilidades possa arrastar processos por anos a fio levando, algumas vezes, a prescrições escandalosas. Já um tipo que formalmente nem foi acusado de nada, pode ir parar com os costados à prisão durante meses a fio. Basta para tal uma decisão pouco sindicável de um juiz. E digo pouco sindicável porque, objectivamente, a lei atribui um enorme discricionário na decisão relativamente à prisão preventiva

O exemplo mais absurdo das garantias que são dadas a condenados, por oposição à falta de garantias de quem ainda não teve direito a um julgamento, foi dado pela recente condenação de Duarte Lima. Depois de ter estado 2 anos e meio em prisão preventiva, foi condenado a 10 anos de prisão. Tendo recorrido desta pena, aguarda em liberdade a decisão relativamente aos seus recursos.

É a total inversão do bom senso. Enquanto não foi sujeito ao crivo sério de um julgamento, esteve dois anos e meio preso. Depois do julgamento, que o deu como culpado e condenou a 10 anos de prisão, pode andar em liberdade. Obviamente que não está em causa o seu direito a recorrer a instâncias superiores. Mas se alguém que nem acusado foi pode esperar na prisão pela formalização da acusação e depois pelo julgamento, por maioria de razão, alguém que já foi condenado deveria fazer todos os seus recursos a partir da prisão. Esta seria uma excelente forma de desincentivar manobras dilatórias a que muitos advogados recorrem com o único objectivo de atrasar os processos.

PS Para quem pensa que esta entrada é sobre José Sócrates, lembro que Sócrates não é o único preso preventivo em Portugal a quem nem sequer foi feita qualquer acusação. E os outros também têm familiares cá fora.

4 comentários:

  1. Muito bem, nada a ver com Sócrates. Que disparate pensarmos isso.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não é disparate. É simplesmente não conhecerem a minha vida e portanto não saberem do que estão a falar.

      Eliminar
  2. Concordo inteiramente.

    Após uma condenação em primeira instância não faz sentido que um caso possa prescrever e que as penas fiquem automaticamente suspensas, bastando para tal apresentar recurso. A decisão de primeira instância tem que ser valorizada, sem prejuízo do direito ao recurso.

    ResponderEliminar
  3. Para mim que não tenho quaisquer conhecimentos de leis, foi muito esclarecedor este post mais ainda recorrendo a um caso real. Efectivamente a justiça tornou-se num mar de contradições. A minha percepção é de que a responsabilidade destas contradições tem por base a obsessão dos politicos em alterar/criar leis.

    Grato pelo post
    ASantos

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.