"The fault, dear Brutus, is not in our starsBut in ourselves, that we are underlings."
--William Shakespeare, "Julius Caesar"
A análise SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities, Threats) é um conceito que foi criado na área de gestão de organizações. Uma das ideias centrais é a de conversão, isto é, após a identificação das fraquezas ou das ameaças, estas são convertidas em forças ou oportunidades. Portugal tem a notável distinção de conseguir pegar em fraquezas e convertê-las não em forças ou oportunidades, mas em fraquezas ainda maiores.
Apesar de ter sido desenvolvida para empresas e projectos, a análise SWOT é uma ideia muito versátil, que pode ser usada para analisar países e até tem utilidade a nível de desenvolvimento pessoal. Por exemplo, a administração Bush (pai) identificou a dependência energética dos EUA como uma fraqueza e investiu em coisas como o desenvolvimento de novas tecnologias para extrair petróleo. Hoje, os EUA colhem os frutos desse investimento através da produção de petróleo e de gás natural de xisto. Outro exemplo, Carl Sagan costumava dizer que a razão de ele ter tanta facilidade em comunicar com pessoas sem formação científica advinha do facto de ele ter de passar muito mais tempo a estudar e a racionalizar a informação que ele recebia porque, para ele, as coisas não eram tão fáceis de assimilar como para os outros. Em ambos estes casos, uma fraqueza foi convertida numa força.
Em 1994, Michael Porter analisou a economia portuguesa e definiu quais as suas forças, isto é, os clusters onde Portugal se deveria focar e aprofundar--isto foi o chamado Relatório Porter. As conclusões foram muito controversas porque, na altura, desejava-se que Portugal fosse uma país desenvolvido o mais rapidamente possível e isso implicava que o sector terciário (serviços) teria de crescer muito mais rapidamente do que os sectores primário (agricultura) e secundário (indústria), pois era essa a característica dos países desenvolvidos. O Relatório Porter apresentava um grande problema: mandava o país investir na agricultura e na indústria, áreas onde estavam os clusters de competitividade portugueses que precisavam de ser aprofundados.
[Um à parte: Note-se que Michael Porter é americano e os americanos adoram a agricultura. O lóbi da agricultura é um dos mais fortes nos EUA, e os americanos não vêem uma agricultura forte como sendo uma coisa negativa. As "land-grant universities", formadas em 1862 e 1890 com os Morrill Acts, têm uma forte componente agrícola e têm, ainda hoje, uma área de Extension Service, ou seja, parte do papel destas universidades é "estender-se" para a sociedade e colaborar com governos locais, agricultores, etc., para transferir para a sociedade os resultados da investigação levada a cabo pelo ramo de Investigação (dura) da universidade. Por sua vez o ramo de Investigação usa dados e informação colhidos pelo ramo de Extensão. Para um americano como Michael Porter, investir na agricultura não é vergonha.]
O Relatório Porter foi ignorado, Portugal optou por investir fortemente na área de serviços. Melhorou-se o acesso à educação, a saúde, turismo, infraestruturas, complicou-se a burocracia--os burocratas são empregados do sector terciário,--etc. Parece-me a mim, que, em Portugal, se confundiu as causas com as consequências do desenvolvimento: os outros países não desinvestiram no sector primário para se desenvolver; o que aconteceu foi que esse sector ficou com uma produtividade tão alta que libertou recursos para a expansão dos sectores secundário e terciário. É assim que países como a França e os EUA têm excesso de produção agrícola. Por exemplo, nos EUA, a região do Delta do Arkansas (parte leste do estado do Arkansas, ao longo do Rio Mississippi) produz arroz suficiente para todo o consumo de arroz americano e note-se que nesta zona produz-se principalmente arroz agulha (70% do arroz produzido nos EUA é agulha). Esta zona é uma das mais produtivas do mundo. A Califórnia especializa-se na produção de arroz de grão médio. Os EUA exportam 50% do arroz que produzem (sumário sobre o cultivo de arroz nos EUA aqui). Outro exemplo, o desenvolvimento do Brasil tem sido conseguido através de investimento na agricultura, nomeadamente na produção de milho e soja. A França também protege a sua agricultura, assim como a Suiça.
Também é verdade que o nosso desinvestimento na agricultura e pescas foi negociado durante a adesão à CEE, mas nós poderíamos ter aproveitado as conclusões do Relatório Porter para renegociar a nossa estadia na CEE. Em 2002, quando Michael Porter visitou Portugal e disse que o país estava no mau caminho, também podíamos ter aproveitado para repensar o que andávamos a fazer. Não só não repensámos, como ainda fizemos escolhas que nos prejudicaram ainda mais. Em 2011, quando negociámos com a Troika também podíamos ter reavaliado o papel da agricultura e das pescas no nosso desenvolvimento, mas escolhemos não o fazer novamente. Em 2013, 19 anos após o Relatório Porter, há quem defenda que precisamos de um Relatório Porter novo.
O que nós precisamos é de ter vergonha na cara. Andar ad eternum a fazer estudos e relatórios, sem ter intenção de implementar as conclusões do relatório, só gasta dinheiro, não cria valor nenhum. É incompreensível não saber álgebra; é uma coisa que se aprende na escola primária. Pagar 100 para ter um proveito de 10, resulta numa perda de 90. Até agora, o que nós fizemos foi aumentar custos e destruir ou internacionalizar proveitos.
Vejamos alguns exemplos:
- Pedimos emprestado para investir em infraestrutura e, segundo os rankings de competitividade, temos uma das melhores do mundo. Ao construir a infraestrutura, aumentámos os nossos compromissos financeiros futuros, pois são necessários custos de manutenção e pagamento de juros e da dívida contraída para a construção. Ainda por cima, tivemos a brilhante ideia de garantir rentabilidade a certas PPPs, independentemente do uso que tem a infraestrutura, pois construímos sem qualquer noção de escala ou de benefício público--se calhar, somos fãs do Kevin Costner e da filosofia "if you build it, he will come". Mas ainda não chegou ninguém; pelo contrário, manda-se pessoas embora do país e, para adoçar o veneno com que nos matamos, limitamos o acesso à infraestrutura através de portagens, efectivamente destruindo grande parte dos proveitos que a existência dessa infraestrutura poderia ter.
Também poderíamos falar da camada de stress a que submetemos os nossos cidadãos, alguns que até pagam as portagens e, mesmo assim, recebem cartas em casa a acusá-los de não pagamento e a exigir somas exorbitantes. Isto é terrorismo fiscal, meus amigos (Je suis Zé Povinho); diminui a produtividade e a moral do povo, e usa recursos públicos num país cujo estado está endividado até ao queixo, já nem se vê o pescoço.
Ainda não satisfeitos, continuamos com a mesma lenga-lenga: enganámo-nos, afinal não devíamos ter construído esta autoestrada aqui, devia ter sido no outro lado, precisamos de mais. Pergunte-se aos demagogos: porque é que os EUA e a Alemanha crescem com uma infraestrutura envelhecida e inadequada e Portugal não cresce com uma infraestrutura muito mais recente?
- Destruímos os poucos clusters de competitividade que tínhamos. Sem produção de produtos físicos, de que nos vale infraestrutura? O que acontece, a nível nacional, é que o custo fixo da infraestrutura é dividido por uma quantidade mais pequena de produto, o que aumenta o custo médio de produção para o país.
- Investimos fortemente na educação dos jovens, e depois convidámo-los a emigrar. Esta ideia é completamente suicida! É tão suicida que, três anos depois, andamos às aranhas porque a taxa da natalidade foi para as urtigas e os nossos governantes só pensam em promover a natalidade. Para quê? Será que precisamos de mais emigrantes daqui a 20-24 anos? Aliás, repararam que, para 2060, desapareceram mais de um milhão de portugueses entre as projecções de 2009 e 2014?
Efectivamente, se compararmos as projecções médias da população portuguesa no relatório saído em Março de 2009 com as do relatório saído em Março de 2014, concluímos que a população portuguesa em 2060 está projectada para descer de 10 milhões para 8,6 milhões de almas. E note-se que os números foram calculados antes dos nossos governantes mandarem os jovens embora para "resolver os problemas deles e dos outros".
Então e a álgebra onde fica? É que custou, e custa, aos contribuintes portugueses manter estes jovens saudáveis, dar-lhes uma educação, etc., e, agora que eles estão prestes a começar a contribuir para a sociedade, nós internacionalizamos os proveitos, damo-los de mão beijada à Alemanha, aos EUA, ao Reino Unido, etc. É que nem temos a presença de espírito de começar um programa para acompanhar estes jovens fora de Portugal, para que eles continuem a manter ligações com a sua pátria, e quem sabe um dia regressavam e dinamizavam o país. Podiam convidar estas pessoas a investir em dívida pública portuguesa, ou começavam um programa em que os jovens contribuíam uma certa quantia por mês e depois, quando se reformassem, tinham acesso aos serviços de saúde em Portugal (um programa assim poderia ser desenvolvido de forma a que qualquer estrangeiro pudesse participar). Ao perder dois milhões de pessoas em 45 anos, nós vamos ter de reduzir a infraestrutura física e laboral dos serviços de saúde (será que vale a pena construir mais hospitais?) ou encontrar mais pessoas para vir viver para Portugal. Isto tem de começar a ser planeado agora. Os portugueses têm de ser informados das escolhas que o país enfrenta. Não é depois da casa arrombada que se metem as trancas à porta; se bem que até agora, esse tenha sido o modus operandi que nos tem regido.
É que Shakespeare tinha razão: a culpa não é das estrelas, ela reside em nós.
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