domingo, 25 de janeiro de 2015

O custo da ignorância

Ontem, a minha chefe foi a uma gala com o marido e, como nenhuma das suas babysitters usuais estavam disponíveis, pediu-me para tomar conta da sua filhota de 11 anos. Depois de ela regressar da gala tivemos oportunidade de conversar. Eu tinha levado a minha máquina de costura para ensinar a filha a costurar e tinha-a transportado num saco Vera Bradley. A filha dela disse-lhe que gostaria de ter um saco Vera Bradley e eu comentei que a margem de lucro da Vera Bradley era fenomenal (no meu emprego anterior, a Vera Bradley era um dos nossos clientes e eu ouvia os comentários dos nossos analistas).

A Vera Bradley começou por fabricar os seus sacos de tecido de algodão nos EUA; mas, à medida que introduziu itens mais complexos, como porta-moedas, passou a produção das coisas que eram mais intensivas em trabalho para a China. Hoje em dia, tudo é fabricado na China, mesmo os sacos mais simples. A minha chefe retorquiu que isso foi o que aconteceu com a McKenzie Childs, que agora fabrica tudo na China. Esta marca de autor, no início, fabricava todos os produtos em Amherst, Nova Iorque. Depois da marca ir à falência, o fundo de investimento que a comprou manteve o design nos EUA mas mudou a produção para a China, o que desagradou a muitos dos clientes mais antigos, pois massificou-se a produção e diluiu-se o prestígio da marca. Muitas das clientes antigas, as que eram mais abastadas, deixaram de comprar.

Esta semana que passou, visitei a loja da Crate and Barrel. Costumo receber o catálogo deles, e já o recebo há vários anos, apesar de Houston, para onde me mudei há pouco mais de um ano, ser a primeira cidade onde moro que tem uma loja Crate and Barrel. Esta marca especializa-se em artigos para classe média/média alta. O design é limpo, com algumas tendências minimalistas, e há uma clara aposta na qualidade. Gosto muito de visitar esta loja e a da Pottery Barn porque em ambas encontram-se lá muitos artigos feitos em Portugal e o design é extremamente agradável. Quando regressei a casa, e fiz uma busca de artigos portugueses, fiquei deveras surpreendida com o número e variedade do que se encontra na Crate and Barrel: 545 itens! Não pensei serem tantos, mas ainda bem que me enganei.

Quando falo com portugueses, ouço frequentemente queixas de que a nossa competição é a China e estamos condenados a baixos salários por causa da China. Estas pessoas não podiam estar mais erradas. Estamos condenados a baixos salários porque não conhecemos o mundo, nem o que os clientes estrangeiros querem. Há mercado para produtos portugueses se nós soubermos posicionar-nos no mercado. Escolhendo nós uma atitude de ignorância e baixa auto-estima não nos leva a lado nenhum, só nos atrasa. E, se pensam que eu não tenho razão, enganem-se.

Na Fresh Market, uma mercearia gourmet, onde se faz compras ao som de música clássica, a lata de atum mais cara tem atum português e diz na descrição do produto "During his travels to Portugal, Cole spent some time in the south and discovered some fishermen catching tuna off the Atlantic coast.", mas a marca não é portuguesa--apesar de usar Portugal como forma de se distinguir da competição. O preço do atum é $14,99 por lata antes do imposto de venda. Afinal, o Michael Porter tinha razão ou não? Não é preciso um novo relatório Porter, o anterior ainda serve. É preciso é que os portugueses mudem de atitude. A nossa ignorância sai-nos muito cara, mas dá muito dinheiro aos estrangeiros.

4 comentários:

  1. O problema do têxtil (como noutras coisas) é que é um mercado acima de tudo de "marketing" e "branding". As pessoas pagam o "cavalo" do Ralph Lauren ou o "crocodilo" da Lacoste e não propriamente o custo do artigo em si (como disse, e bem, as margens são astronómicas). E se há sector onde temos falhado miseravelmente é esse, o das marcas.

    Se olhar para o panorama têxtil nacional, quase não vê marcas próprias. Aliás, é inacreditável mas a maior marca "portuguesa" não o é: é galega (A Inditex, vulgo Zara). Mas esses senhores representam mais de 70% do mercado de fabrico a feitio (i.e. para terceiros). Das marcas portugues propriamente ditas existem algumas que são pseudo-nacionais (e.g. a Sacoor, que agora está na moda, fabrica quase tudo fora e no "far east"), outras são pequenas, sem fabrico próprio e "estrangeiradas" no nome (a Giovanni Galli é um bom exemplo) e há algumas com fabrico próprio e começo de alguma projecção lá fora (a Salsa nos "jeans" e a Lion of Porsches numa vertente mais generalista). Adicionalmente ainda tem algumas com força em coisas específicas como o têxtil-lar (em que a agora-defunta Coelima era, de longe, a mais famosa).

    O têxtil no entanto tem vindo a recuperar francamente nos últimos anos. Cerca de 70-80% dos nossos clientes são têxteis (e a nossa quota de mercado na nossa área no sector têxtil deve rondar os mesmos números) e têm investido em novos processos, aumento de produção e procura de clientes. Mas continua fraco, muito fraco, na criação de marcas e promoção das mesmas. Obviamente que não ajuda quando a parolada bem-falante e pseudo-élite cá do burgo se ria dos "fatos Maconde" mas ostentava uns lindos Hugo Boss feitos na MESMA fábrica, com o mesmo material, pelos mesmos trabalhadores e processos...

    Eu concordo consigo que o têxtil (como outros sectores) tem futuro, com maiores e melhores margens. Mas existe todo um trabalho de incentivo à criação e promoção de marca própria que está em falta. E em quantos os nossos Governos se concentrarem em coisas "sexy", de "alta tecnologia", como se isso (que é e pode ser feito por um indiferenciado qualquer na China, com máquinas Alemãs e Japonesas) fosse uma mais valia, acabando os referidos projectos em "call-centers" (suponho que para competir com a Índia) não vamos a lado nenhum. Como o calçado tem mostrado, podemos dar cartas com base na qualidade dos nossos produtos e no facto de serem produzidos num país apesar de tudo decente, com boas condições de vida. Nós podemos e devemos ser as anti-"sweatshops" e comercilizarmo-nos como tal. Falta, como é histório e trágico, visão para além do curto prazo.

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    1. Carlos Duarte, é mesmo isso. Mas repare-se que, se nós tivéssemos mais visão, o desenvolvimento de marcas e de boas estratégias de marketing absorveria parte da mão-de-obra desempregada e aumentaria o emprego do sector terciário, ou seja, seriam serviços transaccionáveis, pois esses produtos seriam canalizados para a exportação. E conseguiríamos aumentar os salários nacionais.

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    2. A questão aqui é o como. É preciso lembrar que o nosso mercado de "incubação" (o interno) é reduzido e as empresas, em muitos casos, foram construídas a pulso por pessoas que não têm (nem têm obrigação de ter) formação. Este é um daqueles casos que clamava por intervenção por parte do Estado, com facilitador/dinamizador.

      Mas vender sardinhas ou camisas não é "sexy" - relembro o gozo que o anterior Ministro da Economia levou com os pastéis de nata -, é mais bonito vender "call centers" porque tem computadores, dá para fazer um edíficio todo moderno-xpto na Covilhã e "coiso".

      Sabe, a Rita tem toda a razão no que diz. E mais terá porque vê o caso de fora. Mas a verdade é que continuamos atrás das modas em vez de, como diz o relatório Porter, apostar naquilo onde já somos bons, temos experiência e algum nome e potenciar isso. Mas infelizmente são quase tudo ilusões - e digo isto com sincera mágoa.

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    3. Carlos Duarte, hei-de escrever um post sobre as coisas que são "sexy" em termos de comércio nos EUA. É tudo às avessas de Portugal...

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