Voltando à Califórnia: saiu um estudo da Universidade de Califórnia-Davis que analisa o que sucederá ao uso de água para fins de agricultura e urbanos, se a California sofresse um cenário de seca persistente durante 70 anos. Este é um cenário catastrófico muito improvável de acontecer, mas que permite estudar o pior que poderá acontecer e quais os efeitos de redistribuição do recurso água, os preços sombra, o que sucede ao mix de culturas, etc. A ideia de fazer isto é mais ou menos como aquela expressão que indica: "esperar pelo melhor e preparar-se para o pior". Este ano, a Califórnia está em seca, mas como muita da água usada é subterrânea, grande parte do efeito sente-se no custo de obter água. O acesso à água está sujeito aos direitos de propriedade vigentes no estado, mas sítios que têm excesso de água podem vendê-la a outros sítios com falta. Para conservar água, os agricultores deixaram de usar irrigação por inundação e usam agora sistemas de irrigação subterrânea que são muito mais caros de instalar e manter--com estes sistemas, é necessário que se produzam coisas que gerem receita suficiente para absorver os custos fixos adicionais do sistema de irrigação, como por exemplo amêndoas em vez de algodão. O algodão é uma "commodity", já as amêndoas são um produto de maior valor acrescentado.
A agricultura é uma das áreas onde Portugal poderia ser mais competitivo internacionalmente, pois tem recursos excepcionais em termos de qualidade de solos, microclimas, e recursos hídricos. No entanto, nota-se em Portugal que não há grande mestria em gerir os recursos naturais, nem há conhecimento dos produtos que seriam aconselháveis produzir. Por exemplo, há alguns meses, a Câmara de Mogadouro ofereceu sementes aos agricultores para plantar soja. É uma das piores ideias que eu já ouvi. Portugal não deve investir em soja porque é um produto de baixo valor acrescentado, que é altamente subsidiado pelos EUA, o que deprecia os preços mundiais. Não há propriamente falta de soja no mundo. Se for soja biológica até compreendo mais ou menos, mas soja não-biológica não é assim tão atractiva, mesmo sendo grande parte da soja americana geneticamente modificada e a soja portuguesa não. As únicas pessoas que ganham com isto são as companhias que vendem sementes e as que vendem equipamento agrícola. E depois a soja não é exactamente uma colheita que seja amiga do ambiente, apesar de não necessitar de muito fertilizante de nitrogénio por ser uma leguminosa. Que tal investigar cereais antigos, como quinoa, cujo preço é muito mais atractivo e cuja procura está a aumentar exponencialmente?
Também se nota que a gestão de risco está completamente ausente. Por exemplo, seria importante saber quais os rendimentos agrícolas históricos e os custos de cultivo de produção por região para saber qual a colheita mais atractiva antes de se decidir o que plantar. Se formos à página de Internet do Ministério da Agricultura, não se encontra nenhuma informação que seja útil para um produtor agrícola planear a sua actividade, nem sequer ficamos com uma ideia do que exactamente o Ministério da Agricultura faz. A página, que é bastante simples, até tem ligações que dão a páginas que não têm informação. Fui à página da Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural e também não encontrei informação de mercado para os agricultores planearem a sua actividade. Como fazemos parte da UE, se calhar é lá que os produtores agrícolas devem informar-se, mas não. Se forem a esta página da Comissão Europeia, encontram lá uns relatórios em PDF acerca de preços agrícolas de algumas commodities. Contrastem isso com as estatísticas americanas, ou brasileiras, ou até argentinas, e verão que a utilidade da informação da União Europeia para a agricultura não passa de uma ilusão, que nos sai bem cara, porque as pessoas que trabalham para a UE não são pagas salários assim tão baratos.
No Texas, as universidades já estão a trabalhar com os proprietários de terra há vários anos para que quando o preço do petróleo descesse, estes pudessem ter uma actividade mais rentável de apoio. Nesse sentido, tem-se vindo a incentivar o cultivo de oliveiras para começar a produzir azeite. Estes americanos estão sempre a planear o futuro. Em Portugal, ainda estamos a tentar perceber como é que falhámos no passado.
Como dizia o Michael Porter, não há nenhum apoio à microeconomia; mas, parafraseando Bill Clinton, "é a microeconomia, estúpido..."
Excelente(issimo) texto!
ResponderEliminarNão sendo agricultor, interesso-me por assuntos que digam respeito à produção agrícola, pecuária, etc. E, nesta matéria não poderia estar mais de acordo com tudo o que aqui escreve. De facto no nosso país não existe informação disponível da parte dos orgãos governamentais, para que os agricultores planeiem as suas produções. A preocupação primeira, é saber-se para que cultivo ha subsídios da UE e de que forma inflacionar os projetos de candidatura. Quando pesquiso alguma informação na internet encontro-a acompanhada de níveis técnicos elevados, em sitios do Brasil. Não tenho qualquer dúvida que os nossos irmãos do lado de lá do Atlântico se acham muito mais disponíveis para partilhar a informação mesmo a nível técnico como já referi. Moro numa zona rural e por vezes visito os vizinhos que se dedicam especialmente à produção de cereais. Estes vizinhos são associados de uma cooperativa agrícola que todos os anos promove reuniões onde aconselham aos agricultores que género de cereal hão-de semear. Acontece que, na altura da colheita, verifica-se o excesso de um cereal que irá ser pago a um preço tão baixo que não cobrirá as despezas com a sua produção, ficando assim os agricultores devedores à cooperativa, dado que, adquiriram sementes, fertilizantes e pesticidas a crédito. Há dois anos, um destes vizinhos comentou comigo que na reunião, o técnico agrário de cooperativa disse a todos os presentes; este ano é para semear centeio. Nessa altura aconselhei-o a semear fava, porque nesse caso iria haver falta e seria paga a um preço mais alto. E assim foi; nesse ano que até foi bastante produtivo, ele teve um lucro fantástico. Não ha dúvida que o nossos país dispões de inúmeras zonas onde existem condições excelentes para determinadas produções, as quais não são exploradas, também porque os subsídios de apoio deram origem a uma postura de inércia fundamentada no preconceito de que "não compensa - porque a mão-de-obra é cara, porque as sementes e os produtos são caros e os preços não pagam o investimento, porque chegam a Portugal importados de países como a Espanha, a preços muito mais baixos". Entretanto, o nosso país enferma de desertificação do interiror de abandono de campos agrícolas e mais grave, de uma alta taxa de desemprego. Tudo isto seria possível de reverter e reconverter se fossemos um pouco mais inteligentes e nos deixássemos de "armar ao rico" e ir acumulando dívida, pagando cada vez mais impostos e vendo as condições sociais cada dia mais frágeis e insustentáveis.
Obrigada. A USDA faz um óptimo serviço em recolher estatísticas de todo o mundo, mas nem sempre há o detalhe suficiente. Por exemplo, na ferramenta da PSD Online (Production, Supply, and Demand; http://apps.fas.usda.gov/psdonline/psdQuery.aspx) encontram-se algumas estatísticas para Portugal. Mas, como eu referi, ter acesso a informação sobre custos (orçamentos de produção para colheitas e tecnologias diferentes) é muito importante para o planeamento e essa informação não parece existir para Portugal. Os custos mudam todos os anos, logo convém que os orçamentos sejam actualizados com regularidade.
EliminarEstou com o Bartolomeu, excelente texto, mais um. Espero que os nossos responsáveis do Ministério e instituições adjacentes o leiam.
ResponderEliminarRita,
ResponderEliminarGosto muito dos seu artigos. Tem uma perspetiva interessante, vê-se que é competente e que "não vai com a manada". Cada vez gosto mais de a ler e acho que é verdadeiro serviço público o que faz. Obrigado.
Efetivamente as decisões e o desempenho dos nossos ministérios da Agricultura e do Ambiente não são minimamente escrutinadas pela opinião pública o que permite que sejam efetivamente muito fraquinhos. Limitam-se a transpor a legislação europeia e a levar a cabo uns projetos cujo fim praticamente acaba por ser somente a captação de uns subsidios da UE. Há uns meses vi que os nossos exportadores de fruta precisavam de mandar a fruta para espanha para depois a conseguir enviar para o chile e outros países da américa latina, poir portugal não tinha salvaguardado a sua posição ao realizar acordos de cooperação com estes países.
Entrou em vigor o QREN 2014-2020 e seria muito bom que os critérios para a subsidiação de projetos fossem efetivamente discutidos e escrutinados de forma séria de forma a não ser mais uma oportunidade perdida. Infelizmente na prática o que se passa é que a maioria dos nosso agrivcultores vira-se para as culturas em que é mais fácil maximizar a subsidiação e acaba por ser esse o critérios de gestão agrícola nacional em 90% dos casos.
Estou a pensar que se pusesse este comentário naquela ferramenta do word que falou noutro post chumbava miseravelmente por frases demasiado compridas e palavras com demasiadas sílabas hehe.