quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Uma questão de sorte

Herdámos do iluminismo a fé na bondade possível de todos e cada um. Mas não podemos retirar esta conclusão da obra do maior pensador iluminista do século XX. Para Freud, pelo contrário, ser-se uma boa pessoa é uma questão de sorte. Freud desferiu um golpe profundo no conceito de “moral”.
Freud ensinou-nos que, para qualquer ser humano, a brandura ou a crueldade, o sentido de justiça ou a sua ausência, depende dos episódios da infância. Aceitámos isto como “verdade”, mas não retirámos daí todas as conclusões. Não podemos deixar de acreditar que ser bom está ao alcance de qualquer pessoa.
Se deixássemos de acreditar nesta possibilidade, teríamos de admitir que, tal como a beleza ou a inteligência, a bondade é uma dádiva da fortuna. Teríamos de aceitar que o livre arbítrio é uma ilusão. Teríamos de reconhecer aquilo que negamos: ser-se bom é uma questão de sorte. 

PS: Post inspirado em "Sobre humanos e outros animais" de John Gray.

6 comentários:

  1. Obrigada, Zé Carlos. A Elisabeth Kübler-Ross, que definiu as etapas da dor, disse que “The most beautiful people we have known are those who have known defeat, known suffering, known struggle, known loss, and have found their way out of the depths. These persons have an appreciation, a sensitivity, and an understanding of life that fills them with compassion, gentleness, and a deep loving concern. Beautiful people do not just happen.”

    ResponderEliminar
  2. Richard Dawkins apresenta no seu "Selfish Gene" uma outra prespectiva.. se somos "maquinas de transportar genes" a bondade é da responsabilidade e do interesse dos genes que transportamos em nós..
    Lá está, o livre arbitrio é uma ilusão...mas não será a sorte a ter o papel principal..

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. No fundo, estamos perante dois tipos de determinismo que vão dar ao mesmo lugar, o fim do livre arbítrio. É uma questão filosófica muito discutida, polémica e complicada, e provavelmente as nossas estruturas mentais ainda não estão preparadas para tirar todas as consequências destas teorias ou hipóteses. No livro que refiro, john Gray relembra que seres humanos também são animais e séculos cristianismo e iluminismo fizeram-nos esquecer esse facto. A moral só funciona, digamos assim, em situações normais. Gray conta uma história passado com um jornalista americano em Nápoles no final da II Guerra Mundial A fome era tanta que pessoas, que dias antes se mostravam tão civilizadas e bons cidadãos, se transformaram em verdadeiros animais predadores, capazes de matar por um bocado de comida. Voltaram ao estado natural de que falava Hobbes, sem lei nem roque, o salve-se quem puder. Bem, mas, desculpe lá, acho que já me perdi e estou a divagar.

      Eliminar
    2. Já agora deixe-me dizer que acho as suas divagações/posts muito interessantes.
      A prespectiva do Richard Dawkins parece-me que pode levar o argumento do John Gray mais longe uma vez que o fundamenta na biologia ( na medida que apresenta justificações para comportamentos egoistas/altruistas que espelham um quadro moral)

      Eliminar
  3. Rita, obrigado pelo teu comentário:" Beautiful people do not just happen.”, também acho.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigada digo eu! Tenho andado para escrever acerca de sermos animais, mas ainda não me sentei para o escrever. Está quase e agora posso referir-te... Já sabes que as minhas ideias atropelam-se umas às outras.

      Eliminar

Não são permitidos comentários anónimos.