Este ano vai fazer 20 anos que eu vim estudar para os EUA num programa de intercâmbio. Eu podia ter-me candidatado ao Erasmus, mas não o fiz porque a competição era mais do que muita, e a minha probabilidade de ser aceite era mais pequena. Um dia vi um anúncio para um programa de intercâmbio com os EUA e decidi candidatar-me a esse. O meu objectivo em sair de Portugal era um de diferenciação: eu queria que esta experiência no meu CV me diferenciasse dos meus colegas. Quando cá cheguei, passados uns meses, os meus amigos aqui diziam: "Rita, devias ficar nos EUA e fazer um mestrado." Nos EUA, eu trabalhei em part-time, a ganhar o salário mínimo, que na altura era $5.25/hora, como "Student Assistant" no gabinete de Relações Internacionais da universidade. Antes de regressar a Portugal, falei com o meu gerente no gabinete, que é um homem extraordinário e que foi o meu primeiro mentor nos EUA. Eu disse-lhe que estava a pensar tirar um mestrado e ele deu-me o plano de acção: (1) vais falar com os teus professores e dizer as tuas intenções para eles terem uma melhor ideia de quem tu és e poderem escrever cartas de recomendação em teu nome; (2) vais falar com os departamentos aos quais te queres candidatar para eles terem nos arquivos o teu nome e para já terem uma ideia de quem tu és quando te considerarem para o programa; e (3) tens de te informar dos procedimentos para fazeres o exame GRE em Portugal e como te vais preparar para o exame.
Regressei a Portugal, terminei a licenciatura, e candidatei-me a empregos em Portugal, pois não sabia se ia ser aceite para o mestrado ou não e depois também havia a questão de financiamento. Tive uma entrevista para uma posição numa empresa de cerâmica em Montemor-o-velho, se não estou em erro. Durante a entrevista ficou claro que a posição para a qual me estava a candidatar era uma de secretária, isto é, os gerentes quando viam o meu CV viam uma commodity, não viam um produto diferenciado. O salário não era suficiente para eu sair de casa dos meus pais, nem sequer comprar um carro. Para ter o meu primeiro emprego eu teria de, basicamente, subsidiar a empresa. Hoje em dia nada mudou, não andam aí a propor estágios não-remunerados? E mais, ao mesmo tempo que se diz que as mulheres deveriam ter mais filhos, há mulheres portuguesas que trabalham mais de 30 horas por semana por menos do que o salário mínimo e os potenciais patrões dizem-lhes que a expectativa é de que tenham um marido para ajudar nas contas da casa. Não estou a inventar, isto foi-me contado em primeira mão. Não entendo como é que o Ministério das Finanças, de tão sofisticado que é, não apanha estes patrões espertalhões que se aproveitam da infelicidade alheia para subsidiar a sua gestão incompetente.
Mas voltando à minha história pessoal: julgo ficar claro na vossa cabeça que, em Portugal, eu sou uma commodity; nos EUA eu sou um produto diferenciado. Não havia qualquer diferença entre eu aí e eu aqui. A diferença estava nos outros, não em mim. Na altura eu pensei: se é para ser secretária, então eu vou para os EUA ser secretária enquanto tiro o mestrado. Vou diferenciar-me ainda mais. E vim. Mas eu tenho um defeito muito grande: eu vivo para aí 20 anos à frente do resto das pessoas. Eu fui a dois bancos em Portugal perguntar se ofereciam crédito para estudar no estrangeiro. Claro, que ficaram a olhar para mim, hoje em dia não é assim tão anormal. Na altura, o tópico que me interessava era o ambiente e eu vim para os EUA estudar a economia de recursos e problemas ambientais em 1997. Pois é, ninguém aí sabia o que isso é. A julgar pelas políticas de ambiente actuais, também não sabem hoje. O que me valeu é que, durante o meu mestrado, o meu orientador disse-me que eu devia fazer um doutoramento. Eu respondi-lhe à portuguesa: eu não sou suficientemente boa, i.e., eu sou uma commodity. Ele disse-me: "tu és uma das melhores alunas do departamento, se tu não és material para doutoramento, não há esperança para todos os outros". Para o meu orientador eu era um produto diferenciado. E eu fiquei e lá fiz o doutoramento, que até foi a coisa mais gira que eu fiz, porque entretanto apaixonei-me por econometria e tirei uma especialização em estatística para além do doutoramento--diferenciei-me ainda mais, com a agravante de isto ser antes de toda a gente ter ficado obcecada com "big data". Ou seja, mesmo nos EUA eu diferenciei-me antes do mercado de trabalho estar preparado para mim. Eu sou como o poema do Robert Frost: tomo sempre o caminho que é o menos seguido pelos outros. Nem sempre o mercado de trabalho está preparado para mim e, por isso, a minha carreira é muito mais volátil do que a carreira de quase todos os amigos. E já recusei vários empregos estáveis e aceitei empregos arriscados.
Na última vez que mudei de emprego, arrisquei mais uma vez. Eu tinha um emprego estável em Memphis, tudo estava certinho, e eis que uma pessoa para quem eu tinha trabalhado antes, me oferece uma posição em Houston. Durante meses foi extremamente difícil pensar em mudar de cidade outra vez--note-se que eu já vou no meu quarto estado nos EUA. Perguntei a mim própria muitas vezes "Rita, o que é que te define? Gostas de risco ou és avessa ao risco?" E sempre eu chegava à mesma conclusão: "Eu gosto de risco." Eu não sou uma commodity, eu sou um produto diferenciado e como tal o meu percurso não pode ser igual ao das outras pessoas. E, outra vez, eu tomei a estrada menos caminhada pelos outros e mudei de cidade.
Quando eu discordo de como as coisas são feitas em Portugal, muita gente me diz que eu não conheço Portugal, que as coisas não são como eu julgo que elas são. É claro que as coisas não são como elas deveriam ser: Portugal esteve a menos de um mês de entrar numa bancarrota completa--isso não é uma situação normal. Eu conheço Portugal perfeitamente. Eu sei que as coisas não deveriam ser como elas são. Mas, há mais de 20 anos, que eu espero que os meu adorados portugueses aprendam o que Portugal deveria ser e deixem de se resignar com o que Portugal é. É essa a nossa história: não conhecem Viriato, Afonso Henriques, D. João IV, Fernão de Magalhães, a Padeira de Aljubarrota? Ser português é construir um país que é diferente, vencer a adversidade, e não ser resignado. Ser português não é ser uma commodity; é ser diferenciado.
Rita, peço desculpa mas não foi isso que escrevi. O que escrevi é que a Sampedro (ACHO, ninguém me o disse) tem como cliente final a hotelaria e não o consumidor individual. Não escrevi que queria "vender lençois e toalhas". Ou seja, o seu interesse a nível de marca é dirigido a um mercado específico e não ao mercado de retalho geral (daí, por exemplo, fazer sentido não ter loja online).
ResponderEliminarNo entanto concordo consigo, e já falamos nisso noutras vezes, que a grande falha da indústria nacional, e da têxtil em particular, é uma incapacidade de criar marcas próprias e de as impor no mercado. A maioria das empresas contenta-se em trabalhar a feitio (i.e. faz os artigos de acordo com as especificações e para a venda a terceiros, esses sim que as comercializam sob a sua marca) porque, por um lado, sempre assim foi e é mais cómodo (apenas se têm que focar na parte industrial) e, por outro, porque nunca foram incentivados a fazerem diferente.
Igualmente, parece-me prudente temperar um pouco as comparações EUA-Portugal. Uma das grandes (se não a grande) vantagem dos EUA é terem um mercado interno enorme e relativamente homogéneo. Uma empresa fundada nos EUA pode facilmente "vender" no país todo. Em Portugal o mercado é minúsculo, pelo que qualquer expansão implica forçosamente vender no estrangeiro, o que é sempre uma grande saída da zona de comforto.
Confunde-se a árvore com a floresta. A questão não é comparar os EUA com Portugal. A questão é que desde que somos crianças, ensinam-nos que Portugal é deiferente--ser português é diferente. E depois quando crescemos querem que não nos diferenciemos. E isso é também uma coisa que existe na UE. Querem tratar todos da mesma maneira, apesar de serem todos diferentes. Ser diferente é visto como uma coisa má, em vez de ser uma coisa desejável.
EliminarRita
ResponderEliminarPercebo agora porque gostavas tanto do Júlio Mota. O homem era, de facto, um produto diferenciado.
Já o Zé Carlos era fã do Feio, outro produto diferenciado.
EliminarJá eu gostei mais da Maria dos Anjos Saraiva, de Matemática.
Eu tenho os livros dela aqui. Ela era extraordinária. Nós tivemos professores muito bons na FEUC.
EliminarPenso que há aqui duas confusões.
ResponderEliminarA primeira é sobre os problemas de desenvolvimento de Portugal.
Portugal quando comparado com os EUA ou a Alemanha tem metade do capital por trabalhador e menos de metade das pessoas com uma licenciatura. Estes países têm menos de 10% de pessoas na força de trabalho sem 12 anos de escolaridade, Portugal tem mais de 60%. É bom lembrar que metade da nossa força de trabalho entrou para o ensino ainda antes ou muito próximo do 25 de Abril de 1974 - um ensino que tinha a expectativa de que ultrapassar a 4a classe, era uma excepção. Depois as coisas foram mudando. Mas o investimento no secundário nas décadas de 80 e 90 só produziram mais gente nas licenciaturas na segunda metade da década de 90 e na de 2000, e só produziram mais licenciados 5 anos depois. Só abaixo dos 35 anos as qualificações portuguesas parecem as de um país desenvolvido.
A diferenciação faz-se com qualificações e com investimento em marcas, etc. Requer recursos e de qualidade. Hoje temos mais e melhores recursos, mas estes saíram para o mercado na maior crise (infeliz coincidência) e teriam sempre mais dificuldade em entrar num mercado em que quem está acima deles não tem as mesmas qualificações (e por isso não tem a tecnologia para aproveitar bem as qualificações), nem tem muito dinheiro para investir no seu potencial.
Penso que isto está a mudar. Lentamente talvez. Mas a ideia de que partindo de uma sociedade pouco qualificada, com uma especialização e empresas moldadas por isso, se pode dar um salto geral para outra coisa, é só isso, uma ideia, da qual é difícil encontrar muitos exemplos de concretização - a persistência de os mesmos países como os mais ricos e desenvolvidos é nos últimos 30, 50 e mesmo 150 anos, muito clara. Essa transformação é complicada, e há poucas excepções de saltos visíveis em 20 ou 30 anos (Coreia, China, Malásia, Irlanda...)
A maior surpresa às vezes é o contrário. É como, mesmo assim, tantas empresas tradicionais deram a volta, e como também tantas empresas surgiram em áreas totalmente novas (veja-se o software), ou como empresas completamente viradas para dentro (construtoras, advogados, arquitectos, etc) de repente começaram a exportar para vários mercados.
Não há confusão nenhuma. Estás a contradizer-te. Tu dizes que não se pode comparar Portugal com os outros países porque não temos pessoas com licenciaturas e isso implica que ter mais pessoas com licenciatura seria benéfico para Portugal. Mas não foi o próprio governo português que disse a quem tem licenciatura para emigrar? O teu argumento é refutado pelos factos.
EliminarA diferenciação faz-se acima de tudo na atitude que se tem. E tu se te deres ao trabalho de percorreres a Internet vais encontrar muitos portugueses que construíram marcas próprias, que se diferenciaram. O que tu achas que é uma Mafalda Pinto Leite ou um Henrique Sá Pessoa? Vai ver o trabalho da Cláudia Casal, da Joana Roque, Mónica Pinto, Mónica Duarte, Constança Cabral, etc. A Internet está a mudar o campo de jogo para as pessoas e vê-se que há muita gente que se sente limitada no dia-a-dia por não poder expressar-se mais criativamente. Mas há muitas companhias que ainda não se aperceberam do potencial.
E já reparaste que as mulheres portuguesas são óptimas a construírem uma narrativa própria e a diferenciarem-se? É pena que elas não tenham mais poder em Portugal...
A segunda confusão é a de que ter uma estratégia diferenciada é obrigatoriamente ter um produto diferenciado com marca própria, etc.
ResponderEliminarHá empresas portuguesas com estratégias muito interessantes de diferenciação que passam por se posicionarem no business to business de forma diferenciada, integrando cadeias de valor interessantes por conseguirem apresentar soluções desenhadas para responder melhor e de forma diferente às necessidades dos seus clientes (que são empresas). Esta empresa parece seguir essa estratégia, que foi também a assumida pelas empresas que integraram o cluster Hi-global, que agregou várias empresas fornecedoras de hoteis, que se juntaram para conseguirem valorizar o seus produtos, pois conseguiam oferecer às grandes cadeias de hotel soluções integradas (toalhas, loiças, talheres, equipamentos especializados, mobiliário, etc). Outras empresas como a Logoplaste, que oferece soluções de embalagem integradas nas fábricas de dezenas de países, ou da Derovo, que vende concentrado de ovo para a hotelaria e indústria alimentar, são também exemplos deste tipo de estratégia. O sucesso da industria dos moldes,ou da de produtos metálicos (que está a crescer fortemente) passa muito por oferecer soluções de engenharia e capacidade de produção que se diferenciam não pela marca, mas pela qualidade, pela certificação que tem, pela capacidade de resposta rápida, etc.
Mas paralelamente a estes há também exemplos de diferenciação de produto final que surgiram, como o Portugal Fresh (nos vegetais), a criação de marca na Pera Rocha (que hoje é exportada em grande escala para o Reino Unido, etc), o upgrade nos vinhos (estão muito na moda nos EUA), e em especial no vinho verde, e se quisermos a Flylondon, a Salsa, a Compal, a Primavera (software), a Renova, só para dar alguns exemplos de marcas que se diferenciaram e que estão a ter sucesso.
A Royal Copenhagen é uma marca com um percurso interessante: mudaram todo o fabrico para a Tailândia e ficaram apenas com o design. Especializar-se em ser fornecedor de hotéis é uma estratégia legítima, mas o que eu disse é que é uma estratégia que limita o valor que se pode obter do produto. Aliás, o controle da margem de lucro numa situação dessas faz-se através dos custos e não do preço porque a empresa tem pouco poder de mercado para afectar o preço.
Eliminar"Eu sei que as coisas não deveriam ser como elas são. Mas, há mais de 20 anos, que eu espero que os meu adorados portugueses aprendam o que Portugal deveria ser e deixem de se resignar com o que Portugal é." Sabes que isso é uma questão eminentemente filosófica, não sabes, Rita?...
ResponderEliminarEu sou horrível a filosofia; não dou uma para a caixa nesse campo. No entanto, hoje de manhã, acordei e fui ler Platão. Fui ler a parte do Simpósio onde Aristófanes fala de Amor, outro tópico onde eu não dou uma para a caixa.
EliminarMas o que Portugal é vs. o que Portugal deveria ser é um debate de séculos. Os Romanos falavam disso: um povo que não se governa nem se deixa governar. O Padre António Vieira falava do que deveríamos ser. Os Lusíadas também é sobre o que Portugal deveria ser. O discurso de Agostinho da Silva era todo acerca do que deveríamos ser. O Álvaro Santos Pereira tem um discurso alinhado com o que deveríamos ser e foi ridicularizado porque hoje em dia não se fala muito no que deveríamos ser, fala-se em como nos deveríamos submeter.
Rita, não creio que seja exclusivamente português, parece-me que é mesmo comum à maioria da Humanidade: olham para consequências, não para princípios. Os que ousam agir em conformidade com aquilo que julgam dever ser o mundo têm, por vezes, vidas que acabam cedo e em filme. A maioria das pessoas é educada na base do método conhecido tecnicamente por "cenoura-e-cacete". Isso não nos ensina a olhar para o que as coisas devem ser, mas as comportarmo-nos em função do que elas são.
EliminarCara Rita
ResponderEliminarEu não dizia que não se pode comparar os EUA com Portugal. O que dizia era que ao comparar era necessário ter em conta uma coisa estranha que é... a realidade. Também não sou certamente eu que digo que Portugal ou os portugueses têm um problema de atitude e falta de capacidade de se diferenciarem. Pareceu-me se calhar erradamente que esse era o teu argumento, e foi por isso que chamei à atenção, que os problemas de Portugal não são só uma questão de atitude. Mesmo se em alguns portugueses esse pode ser o problema.
Dizes para eu olhar para a internet, para encontrar pessoas que se diferenciam... Eu só posso dizer que se olhares para o meu comentário, estava lá exactamente essa ideia, com exemplos diferentes dos teus, mas igualmente válidos.
Quanto a termos uma população muito ou pouco qualificada, eu penso que os dados demonstram que temos uma população pouco qualificada para um país europeu, ou para um país desenvolvido. Não me parece que estes dados sejam refutados pela opinião do actual Governo, que é só isso, uma opinião, a meu ver errada.
É preciso aqui distinguir entre um problema estrutural - o facto de termos menos licenciados, menos pessoas com 12 anos de escolaridade e menos capital por trabalhador não só do que a Alemanha ou os EUA mas também que por exemplo do que o México, de um problema diferente que é o de hoje termos um desemprego elevado entre os jovens licenciados, que tem a ver com a crise, e tem a ver também com a própria estrutura da economia, que estava adaptada à antiga estrutura de qualificações, e que estando a mudar, com a crise e a redução do investimento, não está a mudar ao ritmo necessário. Não me parece que haja aqui nenhuma contradição.
A Europa não cresce. Acho extremamente bom que nós não sejamos como os outros países desenvolvidos europeus. Acho isso uma grande oportunidade, pois podemos inventar-nos e não estamos amarrados a estereótipos. A Alemanha em termos de trabalhadores depende do estrangeiro, assim como os EUA, logo é completamente falso que a Alemanha seja boa a produzir trabalhadores qualificados. A Grécia produz mais médicos do que a Alemanha.
EliminarA Alemanha depende dos trabalhadores qualificados da Turquia, de Portugal, da Itália (os melhores engenheiros e designers italianos vão trabalhar para a Alemanha), etc. Agora pergunto-te isto: se a Alemanha não consegue produzir trabalhadores qualificados alemães, se os países que tradicionalmente lhes fornecem mão-de-obra estão em apuros, logo essa fonte de mão-de-obra pode secar, como é que os alemães se safam no longo prazo? Já há alguns estudantes chineses a emigrar para a Alemanha, mas a China também é um fonte de trabalhadores com os dias contados por causa do controle populacional.