quinta-feira, 26 de março de 2015

O lado idiota

Nos seus “Ensaios”, Montaigne não teve pudor em sugerir que Platão era limitado e estúpido, considerando que “os seus Diálogos se arrastavam lentamente abafando este assunto e lamentando o tempo gasto nessas longas e inúteis discussões”. E sobre Cícero não foi mais meigo: “procuro descobrir que tom e substância é que consegui tirar dele, na maioria das vezes não encontro nada, apenas vento.”

Para Montaigne, até o mais sábio dos homens tem sempre um lado idiota. E a primeira prova de sabedoria está em admiti-lo.

7 comentários:

  1. Eu, que até sou uma grande fã de Montaigne, não tinha visto isso. Senão até me sentiria honrada pela ilustre companhia numa opinião que tenho desde há muito: as pessoas mais inteligentes são capazes da mais profunda estupidez.

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  2. Eu tenho uma amiga que se refere a pessoas que têm boas ideias como sendo idiotas. Diz ela, "e o fulano até foi bom idiota porque se lembrou de X, Y, e Z".

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  3. Platão é muito mais interessante do que metade da humanidade que já existiu deste o tempo dos macacos. Leiam o "Banquete" e depois falamos. Já Montaigne resistiu muito menos bem ao teste do tempo.

    Betty

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    1. Porra, ser mais interessante que metade da humanidade não é grande feito. Metade da humanidade consegue o feito de ser bem mais interessante que metade da humanidade.

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    2. Quer dizer, podemos considerar extremamente interessante o tipo menos interessante de toda a humanidade desde o tempo dos macacos. Se considerarmos esse tipo de iterações a coisa complica-se.

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    3. Não concordo com a opinião da Betty sobre o Montaigne. O homem continua a ser bastante lido, se calhar não tanto como se deveria. Montaigne é delicioso, e lê-se muito bem. Como ele próprio escreveu, se pudesse, só usava as palavras que as pessoas usavam no mercado, detestava estilos rebuscados e pedantes, apesar da sua enorme erudição.. Fiquei curioso em lê-lo há muitos anos porque o meu irmão Fernando me emprestou um livro sobre o Orson Welles (que eu na altura adorava) e o Orson dizia que Montaigne era o escritor mais perfeito que alguma vez havia existido. Há coisas do Montaigne que nunca mais me vou esquecer, tipo o objectivo primeiro da vida não é a excelência, é a felicidade. Bem, já escrevi um comentário, maior que o post. Mas só para acabar: também acho o Platão um grande escritor, à semelhança de Montaigne, escrevia de forma simples sobre coisas complicadas (o que é raro na maior parte dos filósofos e, se calhar, é por isso mesmo que ninguém os lê), e, para mim, um reles escrevinhador, essa é uma boa definição para grande escritor. Ok, o Montaigne pode não ter sido em justo, mas isso não anula em nada a lógica da sua argumentação.

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  4. « Je veux qu’on agisse, et qu’on allonge les offices de la vie tant qu’on peut, et que la mort me trouve plantant mes choux, mais nonchalant d’elle, et encore plus de mon jardin imparfait. » (I, 20)

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