“A máquina do poder” é um livro dos jornalistas Miguel
Pinheiro e Gonçalo Bordalo Pinheiro. Durante semanas, andaram pelos bastidores
da campanha do PS e da Aliança Portugal (PSD + CDS) para as últimas europeias.
Nos EUA, desde 1984, a Newsweek leva a cabo, de quatro em quatro anos, uma
operação a que chama “Projecto”, na qual os jornalistas acompanham de forma
exaustiva os dois principais candidatos presidenciais. Depois das eleições, é
publicada uma reportagem, seguida de um livro. Em Portugal, isto é inédito –
antes da publicação do livro, foram publicadas no Observador reportagens da campanha de cada partido.
A primeira conclusão a tirar do livro é: coitados dos
candidatos, ou melhor, dos cabeças de lista. Não lhes invejo a sorte. Francisco
Assis, Paulo Rangel e Nuno Melo acabaram a campanha de rastos. O problema não é
só o cansaço - as viagens de dezenas de milhares de quilómetros de carro pelo
país fora. É a monotonia. Os mesmos discursos repetidos vezes sem conta, o
constante desespero em, literalmente, conseguir apanhar pessoas a quem
cumprimentar. Em Portugal, ninguém quer ser visto ao lado de um político. Não
espanta que os locais de visita sejam sempre os mesmos: fábricas, escolas,
quartéis de bombeiros, lares de idosos, e edifícios da Santa Casa da
Misericórdia, tudo lugares onde as pessoas estão encurraladas, sem nenhuma
hipótese de fuga.
E tudo isto é feito com a inestimável colaboração dos “aparelhos”.
São eles que propõem às direcções de campanha os locais a visitar em cada distrito
– no CDS é diferente, decide-se tudo em Lisboa. E não é possível escapar aos
notáveis da terra, sempre doidos por aparecerem ao lado dos candidatos,
sobretudo se a coisa passar na televisão, para assim mostrarem ao mundo a sua
grande influência e importância.
Chega a ser confrangedor. Assis tinha dito expressamente que
já não queria continuar a “explorar” e a expor os velhinhos. De nada lhe
serviu. No dia 21 de maio, numa pequena aldeia de mil habitantes do concelho da
Póvoa do Lanhoso, as notabilidades do sítio enganaram o pobre do Assis,
arrastando-o para um centro de dia, onde supostamente não haveria pessoas àquela
hora. Quando deu conta, e para seu notório embaraço, Assis estava numa sala
cheia de velhinhos com bengalas, chapéus e lenços. Os pobres dos velhinhos
estavam sentados em cadeiras junto à parede, pacientemente à espera, nem eles
sabiam bem de quê. Do outro lado, uma mesa com um lanche e uma garrafa de
champanhe Moet & Chandon esperava a comitiva. De costas para os idosos, e
ignorando-os por completo (as fotos já tinham sido tiradas), os notáveis
comeram e brindaram com champanhe. Com um Assis cada vez mais incomodado e
mortinho por se pôr a andar, os responsáveis da iniciativa ainda aproveitaram a
oportunidade para apresentar os seus maravilhosos projectos para o futuro e
solicitar os bons ofícios do candidato, a fim de arranjar financiamentos
comunitários.
Os jornalistas também não ficam bem na fotografia. Rangel e
Assis não disfarçam o seu desprezo pela seita. Acham que são “genericamente
fracos” e “pouco preparados”. Exemplos? Martin Schulz e Jean-Claude Juncker
vieram a Portugal nessa altura, porque eram candidatos à presidência da
Comissão Europeia. O socialista Schulz afastava-se claramente da proposta do PS
em relação à mutualização da dívida. Embora isso o prejudicasse, Assis nem
queria acreditar que nem um jornalista o tivesse confrontado com a pergunta
óbvia. A Juncker, nem uma pergunta fizeram. Às tantas, Assis desabafa: “Sabes
qual é a sorte dos jornalistas? É que ninguém lê jornais”.
A luta para apanhar um lugar, nem que seja como assessor de
qualquer coisa em Bruxelas, é também terrível, são sete cães a um osso.
Rangel e Assis claramente não se sentem à vontade com a
política espectáculo, deploram-na mesmo, mas lá vão, meio contrariados,
seguindo as instruções dos assessores.
Seguro não fica bem na fotografia, apesar de ser essa a sua
principal preocupação, sempre obcecado com a imagem e em agradar aos
jornalistas - sendo claramente diferente de Assis. Durante a campanha, começou
a ser apresentado como o “próximo primeiro-ministro de Portugal” e as sondagens
davam-lhe uma vitória folgada. Foi uma ilusão. No
dia 25 de maio, contra todas as expectativas, o PS teve apenas 31,49%, a Aliança
Portugal 27,73%. Seguro, até ao último minuto, sempre mais preocupado com a
imagem do que com a realidade, ainda declarou que “O PS teve uma grande
vitória”. Na plateia, um assessor chorava, enquanto Seguro cantava vitória, com o barco a ir ao fundo. Eis um epitáfio.
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