Outra explicação é que eu falei com um amigo meu que está apaixonado por uma mulher e conversa comigo acerca do que deve e não deve fazer. Ele acha que eu sou muito intuitiva e conheço a natureza humana. As coisas que as pessoas vêem em mim... Eu acho que sou um bocado maluca, pois eu falo do "amor" e cito Nassim Taleb. Está bem, eu cito Taleb porque eu sei que o meu amigo, que trabalha com investimentos, percebe o que eu quero dizer com Taleb. E depois eu também cito Eugénio de Andrade e Nuno Júdice e, claro, não se pode falar de amor sem se falar de Neruda. Sim, também há a Florbela e muitos mais...
De quem eu gosto mesmo é de Aristófanes. Eu que não percebo nada de filosofia--a sério que não, apesar de eu ter um Doctorate of Philosophy--e percebo ainda menos de amor, gosto imenso da origem do amor que Aristófanes relata n'O Banquete de Platão.
Diz Aristófanes que, no início, havia uns seres que se pareciam com duas pessoas coladas umas às outras (eram duas bolas, com quatro pernas, quatro braços, etc) e que podiam ser femininos (duas pessoas do sexo feminino; este ser era descendente da Terra), masculinos (duas pessoas do sexo masculino; este ser era descendente do Sol), ou andróginos (uma fêmea e um macho; este ser era descendente da Lua). Como estes seres eram muito poderosos, revoltaram-se contra os deuses, o que não agradou aos deuses. Depois dos deuses deliberarem sobre o destino destas criaturas, Zeus decidiu separá-las: cortá-las ao meio a todas. A separação, do ponto de vista de Zeus, tinha a vantagem de duplicar o número de seres que adorariam os deuses e manteriam templos. Sem adoradores, de pouco valeria ser um deus. Zeus era, acima de tudo, pragmático.
À medida que Zeus cortava as criaturas, Apolo moldava-as em duas pessoas e polia-as. Em algumas das pessoas, Apolo deixava lembranças da sua antiga condição. Para se reproduzir, as criaturas separadas faziam como as cigarras e geravam na terra, pois não tinham a forma de pessoas actuais. A separação não correu muito bem, pois, segundo Aristófanes,
[...] desde que a nossa natureza se mutilou em duas, ansiava cada um por sua própria metade e a ela se unia, e envolvendo-se com as mãos e enlaçando-se um ao outro, no ardor de se confundirem, morriam de fome e de inércia em geral, por nada quererem fazer longe um do outro. E sempre que morria uma das metades e a outra ficava, a que ficava procurava outra e com ela se enlaçava, quer se encontrasse com a metade do todo que era mulher--o que agora chamamos mulher--quer com a de um homem; e assim iam-se destruindo.
Zeus teve pena destas pseudo-pessoas suicidas que não funcionavam sem uma outra metade e decidiu mudar-lhes o sexo para a frente do corpo. Nos casais andróginos, o macho acasalaria com a fêmea de forma a que nova vida pudesse ser gerada nas mulheres. Nos casais homossexuais não haveria reprodução, mas haveria saciedade do desejo que sentiam um pelo outro. Diz Aristófanes:
E então de há tanto tempo que o amor de um pelo outro está implantado nos homens, restaurador da nossa antiga natureza, em sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a natureza humana. [...] Quando então se encontra com aquele mesmo que é a sua própria metade, tanto o amante do jovem como qualquer outro, então extraordinárias são as emoções que sentem, de amizade, intimidade e amor, a ponto de não quererem por assim dizer separar-se um do outro nem por um pequeno momento. E os que continuam um com o outro pela vida afora são estes, os quais nem saberiam dizer o que querem que lhes venha da parte de um ao outro. A ninguém com efeito pareceria que se trata de união sexual, e que é porventura em vista disso que um gosta da companhia do outro assim com tanto interesse; ao contrário, que uma coisa quer a alma de cada um, é evidente, a qual coisa ela não pode dizer, mas adivinha o que quer e o indica por enigmas.
Ou seja, diz Aristófanes que os casais eram um só, foram separados, e desde então procuram a sua outra metade. Quando duas pessoas se encontram e amam, é como se voltassem a ser um só: aquele ser unido que era tão poderoso que constituía uma ameaça aos próprios deuses. Acho lindo...
Ah, o Taleb! Já sei que vocês estão a pensar o que é que o Taleb tem a ver com o amor. Bem, é assim: o meu amigo relatava-me coincidências e dizia-me que "it was meant to be". E eu dizia-lhe que o Nassim Taleb dava o exemplo de poemas no "Fooled by Randomness", que ele já leu: se construirmos combinações de todas as palavras que existem, algumas combinações formarão os mais belos poemas--alguns deles ainda nem foram escritos--e há uma probabilidade infinitamente pequena que, se nós tirássemos uma amostra aleatória desta população de combinações de palavras, alguns desses poemas seriam seleccionados. Isso não quer dizer que tenha havido uma intenção divina, foi apenas um resultado aleatório. You were fooled by randomness!
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