As minhas primeiras memórias são de coisas passadas com a minha mãe. Ela ia passear comigo pela beira-mar e apanhava conchas e búzios comigo--ainda hoje, quando eu visito uma praia, costumo apanhar areia e conchas e trago para casa e meto num frasco de vidro. A minha casa está cheia de pedaços de passeios à beira-mar. Depois, quando estávamos sentadas na areia, a minha mãe ensinava-me a fazer buracos na areia. Havia uma técnica para que os buracos ficassem grandes e não desabassem e ela corrigia a minha técnica, à medida que construíamos o buraco. Isto para mim, com três anos, era uma coisa fascinante. E havia a roupa de verão que a minha mãe me tinha comprado e ela percebia muito de têxteis e tecidos de malha, logo quando ela comprava essas coisas certificava-se antes que era de boa qualidade. Ainda hoje eu tenho uma fascinação por vestidos de praia em turco para criança, especialmente em amarelo e branco. Eram essas as cores das minhas roupas de verão. Eu lembro-me quando a minha mãe as deu porque essas roupas já não me serviam. Foi uma das primeiras injustiças do meu mundo: crescer e deixar de poder usar as minhas roupas de verão preferidas.
Quando eu saí de Portugal, a minha mãe perguntou-me "E agora, com quem é que eu vou falar?" Eu respondi que nada iria mudar. Nada mudou, todas as semanas eu falava com a minha mãe, às vezes mais do que uma vez por semana. Se eu fosse a algum lado, havia certos rituais que eu tinha de fazer: informar os meus pais que iria estar fora de casa, certificar-me que o sítio para onde eu ia teria um telefone que eu pudesse usar, e ter um cartão telefónico. Depois, ao Domingo, por volta das 15 horas dos EUA, 21 horas de Portugal, eu tinha de telefonar à minha mãe. (A minha mãe teria adorado estas coisas do Skype, Viber, etc.) Muitas vezes, o meu pai atendia e não tinha grande conversa e dizia-me "Fala com a tua mãe, ela é que tem jeito para conversar contigo." As nossas conversas não eram nada de especial e, no entanto, eram especiais. Falávamos de comida, de passeios que os meus pais faziam, de artesanato, de têxteis, louça, concertos dos Madredeus, serenatas de fado, os meus animais de Portugal, etc. Depois quando eu me casei, também falávamos da minha nova família aqui.
Muitos dos Domingos em que eu telefonava, eu estava em casa dos meus sogros a brincar com os meus sobrinhos. Um dia a minha sogra disse-me que era extraordinário que eu falasse com os meus pais tanto e soubesse tanto deles. Os filhos dela viviam a menos de uma hora e quase que ela não falava com eles. Acho que a ideia de família em Portugal, especialmente em Coimbra, é uma coisa bonita. Não, não é muito fácil lidar com os nossos pais, mas há uma ligação afectiva muito forte. Há quem explore essa ligação, mesmo não sendo fácil; há quem prefira ignorá-la. Eu tentei construir algo à portuguesa na minha família de casamento e acho que consegui. Um dos meus cunhados uma vez disse-me que eu tinha uma relação com a mãe dele, a minha sogra, muito mais estreita do que qualquer um dos filhos dela. Eu disse-lhe que as relações eram coisas que se construíam com tempo e vontade. Ele não ter a relação não queria dizer que ela não pudesse existir, queria dizer que ele não tinha feito as escolhas necessárias para investir nessa relação com os pais dele, especialmente a mãe.
Às vezes olho para as minhas amigas, que têm filhos, e fico cheia de admiração por elas e pela dedicação que têm aos seus filhos. Eu acho que ser mãe--e até pai--deve ser das coisas mais difíceis que se pode fazer. A ideia de ter uma vida, que nós criámos, à solta no mundo, sujeita a tanta maldade, é, para mim, completamente assustadora. E ser filho é um bocado assustador também, especialmente quando ficamos mais crescidos. Depois da minha mãe morrer, muitas vezes eu ia a sítios e via alguma coisa, e pensava que não podia esquecer-me de contar à minha mãe sobre aquilo. Era como se o meu cérebro não quisesse processar que eu estava sozinha, sem mãe, e, por outro lado, era como se o mundo apenas fizesse sentido para mim através de referências a coisas que eram significativas para a minha mãe. E talvez seja assim: talvez eu não veja o mundo; talvez o que eu vejo seja pedaços da minha mãe no mundo.
Espero que tenham um bom Dia da Mãe, mas espero que consigam construir algo giro com a vossa mãe que dure o ano inteiro e não apenas um dia do ano.
ResponderEliminarParabéns! Rita!
E que conte muitos, sempre com muito boas notícias!
Obrigada :-)
EliminarParabéns (com um dia de atraso), Rita, e obrigada por mais um texto lindo.
ResponderEliminarQuanto a ser mãe ser difícil: é, com certeza, e implica responsabilidades, espírito de sacrifício, etc, etc, etc. Mas eu acho (por experiência própria, e em duplicado) que, é, acima de tudo, muito divertido. Rio e divirto-me tanto com os meus filhos!
Um beijinho
Muito obrigada e um feliz Dia da Mãe, com um dia de atraso em Portugal, mas seis dias de avanço nos EUA... :-)
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