A exigência de “reformas estruturais” do mercado de trabalho é um requisito proposto pela generalidade das instituições internacionais, e um dos elementos de maior relevância nos programas de resgate financeiro dirigidos aos países sob assistência. No entanto, as medidas com maior peso nas reformas propostas são as dirigidas à promoção da moderação salarial, nomeadamente no que diz respeito à rigidez nominal dos salários, através da diminuição do alcance dos instrumentos de contratação colectiva, aumento das horas de trabalho, bem como através da redução das indemnizações por despedimento, a qual facilita o ajustamento salarial pela substituição dos contratos mais antigos por contratações com níveis salariais inferiores.
Estas reformas, cujo pouco conteúdo que pouco difere de país para país, esquecem um dos maiores problemas identificados nas economias do Sul da Europa: o dualismo do mercado de trabalho, evidenciado com maior severidade em Espanha, Portugal e Itália. Este dualismo caracteriza-se pela coexistência de dois mercados de mercado paralelos: um mercado fortemente protegido dos choques económicos adversos, constituído por trabalhadores com contratos sem termo, e um mercado de trabalho de trabalhadores com contratos a prazo, onde todos os riscos estão concentrados. A existência deste dualismo deve-se a um conjunto de políticas destinadas a flexibilizar as relações laborais que tiveram lugar ao longo das décadas de 80 e 90, tendo contribuído para uma significativa diminuição do desemprego naqueles países verificada entre 1995 e 2007.
Num período longo de crise ou estagnação económica, a segmentação do mercado resultou num aumento acelerado e significativo do desemprego na parte não protegida do mercado de trabalho, traduzido em taxas de desemprego jovem acima dos 30%. Adicionalmente, o dualismo do mercado de trabalho afeta de forma relevante o potencial de crescimento da economia, seja por um menor investimento em capital humano (relações laborais de curto prazo não incentivam o investimento em formação profissional, quer por parte dos empregadores, quer por parte dos trabalhadores), seja por efeitos negativos de longo prazo do desemprego jovem no tipo e qualidade de ocupações que os jovens poderão desempenhar no futuro.
Sendo de esperar que a recuperação do mercado de trabalho se consolide a curto e a médio prazo, seria importante que esta recuperação fosse acompanhada por um conjunto de reformas que combatam de forma mais pronunciada a segmentação do mercado de trabalho. Estas reformas deveriam contemplar a criação de um novo tipo de contrato a tempo indeterminado que preserve a flexibilidade de contratação ao nível da empresa e ofereça uma perspetiva de relação laboral de longo prazo para os mais jovens. Este novo tipo de contrato deveria assim conter alguns dos elementos de flexibilidade existente na contratação a prazo, que fazem com que seja a forma preferida atual de contratação para as empresas, e elementos de segurança do emprego, que a tornem atrativa para os trabalhadores.
A recente lei italiana, de março de 2015, do “Contrato a Tutele Crescenti”, contém alguns dos elementos anteriormente descritos: trata-se de um novo tipo de contrato de trabalho que se aplica a novas contratações, que na prática permite o despedimento por motivos económicos não justificados, através do pagamento de uma indemnização igual a dois meses de salário por ano de antiguidade na empresa, com um mínimo de quatro e um máximo de vinte e quatro meses. Espera-se assim diminuir os custos associados a processos judiciais de despedimentos injustificados, diminuindo a incerteza e o risco que o empregador incorre no momento da contratação. Por outro lado, aumenta-se a segurança no emprego face a um contrato a prazo, através da indemnização crescente com a antiguidade.
Apesar de ainda ser prematuro uma avaliação dos impactos desta reforma na diminuição do dualismo no mercado de trabalho italiano, seria muito oportuno iniciar o debate sobre o lançamento de um novo tipo de contrato de trabalho, com características semelhantes, em Portugal. Este novo tipo de contrato de trabalho poderia, na prática, traduzir-se na possibilidade do despedimento individual ser fundamentado com as mesmas regras do despedimento coletivo (note-se que em Portugal é mais fácil proceder ao despedimento de cinco trabalhadores do que de um trabalhador), acompanhado por uma compensação superior à existente atualmente para os contratos sem termo (doze dias por cada ano de antiguidade, com limite até doze anos), por exemplo de dois meses por cada ano de serviço. O debate sobre as condições de funcionamento do mercado de trabalho nunca é um debate fechado. A situação atual assim o demonstra e o exige.
Caro João Cerejeira da Silva,
ResponderEliminarFiz ainda há dias um comentário no sentido do seu último parágrafo: é, de facto, estranho que em Portugal seja mais fácil fechar uma linha de produção ou uma empresa do que despedir um funcionário incompetente/desajustado. E - posso estar enganado - esse facto acabar por beneficiar as grandes empresas em detrimento das mais pequenas.
Caro Carlos Duarte, o despedimento coletivo é possível para um número mínimo de 5 trabalhadores (empresas com 50 trabalhadores ou mais), ou um número mínimo de 2 trabalhadores (empresas até 50 trabalhadores), pelo que o benefício das grandes empresas é relativo. Às empresas muito pequenas pode é ficar mais barato pedir insolvência do que ter de pagar as indemnizações. Esta é uma pratica muito frequente. Em Itália, as empresas até 15 trabalhadores têm liberdade de despedir (talvez por esse mesmo motivo).
EliminarCaro João Cerejeira da Silva,
EliminarNão percebi porque disse que o benefício para as grandes é relativo. Numa empresa com 50 pessoas é mais fácil despedir 5 do que despedir 2 numa empresa de 20 (para manter a proporção). Quanto à insolvência, perfeitamente de acordo.
Sinceramente, o que me parece mais ajuizado seria um sistema flexível (aumentando compensações até um certo ponto, bem como pré-avisos) ao qual se acrescentaria um regime sancionatório (similar ao proposto pelo PS no programa económico) que tentasse desencorajar a elevada rotatividade laboral por iniciativa do empregador.
"Numa empresa com 50 pessoas é mais fácil despedir 5 do que despedir 2 numa empresa de 20 (para manter a proporção)."
EliminarComo assim? Se ambos estão cobertos pela lei do despedimento coletivo, à partida dá-me a ideia que a facilidade é a mesma.
Porque o impacto numa empresa de 50 pessoas tende a ser menor que em uma de 20 (estamos a falar em despedimentos em sector/linha, não despedimentos "cirúrgicos").
EliminarE se subirmos os números (vamos imaginar 5 despedimentos numa empresa com 5000 funcionários) fica ainda mais fácil.