Das, digamos, improvisações metodológicas que menos aprecio na Economia é a utilização do conceito do indivíduo representativo. Uma pessoa que não é uma pessoa mas que se comporta como se fosse todas as pessoas e nenhuma em particular. Em Política, ainda aprecio menos a ideia de que há uma espécie de "vontade do povo"; que os resultados eleitorais se podem analisar como se fossem o reflexo da vontade de uma entidade abstrata e singular. A Política é, essencialmente, o conflito. O conflito entre ideias diferentes que não se diluem numa nova ideia - ou que, pelo menos, não se diluem imediatamente. E a democracia, se for funcional, é uma forma de resolver o conflito entre ideias que quase sempre são legítimas, válidas e incompatíveis, de uma maneira pacifica e temporária: até às eleições seguintes, a ideia que manda é a da maioria das pessoas que votou (com limites, para que não se transforme a democracia numa tirania da maioria).
Em Portugal, há neste momento duas ideias. As duas são igualmente válidas, legítimas e incompatíveis. A direita tem razão quando diz que ganhou as eleições, e que a esquerda não foi a votos como um bloco unificado. A esquerda tem razão quando diz que recebeu a maioria dos votos, e que os programas com que os três partidos foram a votos tinham como principal objetivo o de derrubar o governo. Ideias válidas, verdadeiras e incompatíveis. A única maneira de resolver o conflito seria convocar novas eleições. Mas a nossa democracia nem sempre é funcional, e o Presidente, que serve para tão pouco, não pode servir o país quando é preciso que o sirva. Qualquer das "ideias" que vingue até que o Presidente possa convocar novas eleições terá sempre uma legitimidade fragilizada. Eu, claro, prefiro que seja a maioria de esquerda a governar - mas isso é apenas porque essa é a minha "ideia", e, sinceramente, não porque me sinta inteiramente confortável sobre a legitimidade de a concretizar. Tenho a certeza que a ideia alternativa não é mais legítima, mas isso não me sossega.
Na realidade, se considerarmos os deputados possuem legitimidade diretamente como representação dos eleitores, existe ainda uma terceira alternativa: a construção de uma maioria PSD/PS, ou PSD/PS/PP, eventualmente com cisões e/ou com líderes diferentes dos atuais nos diversos partidos. A limitação à alternativa maioria de direita/maioria de esquerda não é menos limitadora do que a limitação das opções governativas ao "arco da governação".
ResponderEliminarPor outro lado, por questões táticas parece obvio que nenhum dos protagonistas, apesar do ruido mediático, está genuinamente interessado em governar realmente com as condições representadas neste parlamento. Em guerra com os eleitores e os resultados, todos preferem "baralhar e dar de novo" do que fazer esforços genuínos para entendimentos estáveis (particularmente os partidos da PAF a pensar que vão obter melhores resultados numa nova eleição, que lhes permita governar com a liberdade absoluta que tiveram anteriormente, se as proximas eleições vierem rapidamente) e evitam mesmo tentar governar nestas situações (donde a visão de que um "governo de gestão", ao remover a responsabilidade do governo enquanto mantem o status-quo anterior, até seria desejável). E do lado do PS, não tenho a certeza que deseje nestas situações a responsabilidade que viria por ter poder (principalmente porque seria este muito longe de grande)...
Iv, o problema, a meu ver, é que o PS, depois da campanha que fez, não teria muito espaço para legitimar um governo do PSD/CDS. A campanha foi polarizada, como tinha de ser, mas não foi clara sobre o que aconteceria após as eleições. Costa foi claro em dizer que não legitimaria um governo CDS/PSD, mas não foi claro se tentaria um governo com o BE/PCP.
EliminarEu preferia que fosse uma pessoa de boa índole a governar Portugal. Uma daquelas que põe os interesses do país à frente dos interesses do partido e dos próprios. O pior é que não há pessoas assim nem na direita nem na esquerda...
ResponderEliminarParece-me um problema típico de selecção adversa: partidos que ponham o interesse do país à frente dos seus interesses eleitorais não serão por definição escolhidos para governar.
EliminarResta o teatro político (por exemplo afirmar "que se lixem as eleições" enquanto se evita tomar medidas difíceis ou que afetem interesses instalados que posam afetar o voto).
Tem uma agravante: os partidos políticos nem sequer põe o interesse dos seus eleitores à frente dos seus interesses internos! Os eleitores acabam por ser meios para chegar a um fim, que nem é o país (que seria legítimo) ou a vontade directa dos próprios eleitores (menos, mas idem).
EliminarPor essas e por outras é que o sistema não se resolve sem resolver, desde já, o sistema eleitoral. Não chega (criam-se outro tipo de teias de poder), mas ajuda.
"A única maneira de resolver o conflito seria convocar novas eleições. Mas a nossa democracia nem sempre é funcional, e o Presidente, que serve para tão pouco, não pode servir o país quando é preciso que o sirva."
ResponderEliminarNão está o PR inibido neste momento de dissolver a AR?
Julgo que sim, Rui. Era o que queria dizer com "não pode servir o país quando é preciso que o sirva". Não é que ele não o queira, é mesmo porque a Constituição não o permite.
EliminarO PR está sempre inibido de dissolver a AR nos primeiros 6 meses após a sua (da AR) eleição.
EliminarNeste momento não se trata duma coincidência entre os mandatos do PR e da AR.