O que mais distingue o debate político em Inglaterra e em Portugal é o anti-europeísmo. Em tudo o resto há pontes, se não mesmo uma sobreposição. O último confronto eleitoral foi entre um governo de coligação de direita e um partido de centro-esquerda que não quer perder os votos da direita, não quer perder os votos do centro, e acaba a perder os votos da esquerda, perdendo assim as eleições. Cá e lá. Discute-se o modo de financiamento do serviço nacional de saúde, a vantagem de ter uma televisão pública, a eficácia das medidas de austeridade na redução do défice, e como aumentar a produtividade e diminuir o desemprego. Existirão diferenças de grau, claro, e no tempo, também: cá, a discussão sobre os serviços públicos com gestão privada ou entregues a privados está em como reverter as políticas dos anos 70 e, em Portugal, em como as iniciar. São diferenças no grau e no tempo mas em pouco mais.
O anti-europeísmo inglês é que não tem qualquer paralelo no debate político em Portugal. Nem sequer tem paralelo com o ainda residual anti-europeísmo em Portugal. Bom, na verdade, em relação ao anti-europeísmo português, não só o inglês não tem paralelo, como até se pode definir como o seu oposto. O anti-europeísmo em Portugal é por aquilo que a Europa deveria ser, mas se recusa a sê-lo. O anti-europeísmo inglês tem a ver com o que a Europa não é, e julga ser. Para o inglês, está por provar que aquilo que une os 28 países da União seja mais forte do que aquilo que une Inglaterra a outros países que estão fora da União. Quando Cameron diz que quer ficar na Europa, mas nos seus próprios termos, está a dizer que não quer ficar nos termos em que o resto da União se julga basear. Está a pôr em causa a própria identidade da Europa construída enquanto oposição ao resto do mundo - oposição, diferenciação, que Inglaterra simplesmente não vê. E daí tudo o resto decorre. Em particular a recusa de que, em nome dessa identidade que a seu ver não existe, se queiram unificar países que são muito diferentes entre si. A ideia de que a Comissão Europeia não está a unir a Europa, mas sim os países da Europa. Que não está a aproximar as pessoas da Europa, mas sim as pessoas entre elas. Que não está a formular políticas para conduzir todos os países a um destino comum, mas políticas que obrigam países que já estão onde querem - como Inglaterra - a caminhar na direção de países que não estão exatamente lá. E, por fim, a ideia de que, não tendo desígnio último, a Comissão está apenas a servir-se a si mesma.
Não concluo. Ainda só estou na fase de uma genuína surpresa com esta impossibilidade de encontrar paralelo com a maneira como Inglaterra e o Continente vêem a mesma questão (e sim, digo Inglaterra, e não Reino Unido, propositadamente, dado que a Escócia e Gales parecem-me ter uma visão bastante diferente).
Eu acho que a Europa sofre de uma ilusão qualquer. Julga ser o epítome da civilização e humanidade, mas, na prática, fica sempre tão aquém das expectativas que constrói. E nesse aspecto, os EUA, cheios de problemas, complexos, e contradições parecem-me ao menos uma pouco mais humanos: são completamente malucos, cometem montes de erros, mas é muito comum encontrar americanos que admitem os seus "shortcomings" e até pedem desculpa de ser assim.
ResponderEliminarLuis Gaspar, excelente esta entrada. Apesar de saber do anti-europeísmo inglês, nunca tinha pensado nesses termos.
ResponderEliminarObrigado, Luís. Rita, eu concordo em parte com o que dizes, mas é curioso como, quer eu quer tu, partimos do pressuposto que a Europa tem mesmo uma distância entre o que é aquilo que depois faz (daí, acho, o teu ficar aquém das expetativas). Acho que os ingleses não aceitariam essa distância porque achariam que não há expetativas nenhumas que possam ser criadas simultaneamente pela Hungria e por Malta, pela Roménia e pela Alemanha, pela Grécia e pela Noruega. Eu não sei, não consigo ter uma opinião sobre o que é a Europa, e se é alguma coisa ou apenas um conjunto de países ou regiões. Acredito sinceramente que tu, que vives nos EUA, com mais facilidade consigas ver a coisa como ela é.
ResponderEliminarO "euro-cepticismo" inglês é uma salutar manifestação de independência intelectual e moral, e uma manifestação de carácter. Sem discordar fundamentalmente dos pontos que ilustra como separando as atitudes portuguesa e inglesa face à "Europa", há um que, a meu ver, importa realçar: os ingleses não têm complexos de inferioridade, enquanto que os portugueses devem ser, entre todos os europeus, os mais afectados por esse problema psicológico.
ResponderEliminarO problema em Portugal não são os "euro-cépticos", mas sim os euro-beatos (estes não têm direito a aspas).
Segundo a Maria Filomena Mónica, Portugal, na sua qualidade de pobre, não pode ser, como o Reino Unido, um euro-céptico.
Eliminar«(...) os ingleses (...)achariam que não há expetativas nenhumas que possam ser criadas simultaneamente pela Hungria e por Malta, pela Roménia e pela Alemanha, pela Grécia e pela Noruega.»
ResponderEliminarEu não creio que franceses e alemães pensem, neste capítulo, de modo diferente dos ingleses. Só que estes nunca tiveram ambições hegemónicas no Continente, ao contrário dos dois primeiros.
"Está a pôr em causa a própria identidade da Europa construída enquanto oposição ao resto do mundo". Luís Gaspar, uma identidade não se constrói sempre por oposição a alguma coisa? Nós sentimo-nos (quem se sente, obviamente) europeus quando confrontados com os americanos. Mas depois, com eles e mais uns, sentimo-nos Ocidentais, por contraponto a árabes, africanos, asiáticos... E todos seríamos um todo se aparecessem extra-terrestres. Os portugueses sentem-se como tal, mas também são muito diferentes entre si; um alentejano distingue-se de um minhoto. E, contudo, semelhantes se tornam quando comparados com alemães.
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