Pelos vistos, Peter Boone fez vendas a descoberto da dívida portuguesa. O que quer isto dizer? É difícil de explicar sem ser demasiado técnico, mas na prática quer dizer que ele ganharia dinheiro caso a dívida portuguesa desvalorizasse. Se ela valorizasse, ele perderia dinheiro. Entretanto, escreveu uns artigos nuns blogues a dizer que Portugal estava a ir pelo caminho da Grécia, que, entretanto, já tinha gramado com o primeiro resgate.
Na sequência disto, o Ministério Público português decidiu acusá-lo criminalmente de manipulação de mercado. Para que a acusação de manipulação faça sentido é necessário que a sequência de eventos seja esta: primeiro, o senhor vendeu a dívida a descoberto; segundo, publicou os artigos no blogue com o objectivo de desvalorizar a dívida; e, terceiro, por causa disso a dívida pública desvalorizou-se (o que é o mesmo que dizer que a taxa de juro aumentou). Se, por acaso, ele se pôs a vender dívida a descoberto depois dos seus artigos no blogue, então a acusação, simplesmente, não faz sentido.
Dificuldades? Primeiro, provar a causalidade e, segundo, provar a intenção. Quanto às intenções, talvez com umas escutas telefónicas as consigam provar. Quanto à causalidade, desejo boa sorte à acusação. A dívida já estava a desvalorizar antes de o senhor falar e continuou a desvalorizar-se durante um ou dois anos depois do senhor falar. É preciso valentia para acusar o ‘post’ do senhor de ser o causador da desvalorização da dívida. É uma acusação particularmente arrojada, porque, na altura, havia centenas de artigos a serem publicados sobre Portugal e qualquer pessoa com o mínimo de bom senso percebia que a dívida pública estava numa trajectória insustentável. Conseguirem provar o nexo de causalidade vai ser bonito.
Podemos discutir a questão ética. Por exemplo, há quem defenda que ele podia falar desde que dissesse que tinha tomado posições financeiras apostando contra a dívida portuguesa. Eticamente, até pode ser que essa declaração de interesses seja correcta. Mas, para o caso em questão, isso não ajudaria nada, bem pelo contrário. Se fosse público que o senhor arriscou dinheiro na desvalorização da Dívida Pública portuguesa, então apenas indicaria ao mercado de que tinha bastante certeza de que essa desvalorização iria ocorrer, o que agravaria o pânico lançado. Ou seja, quem acredita que o 'post' dele fez com que a dívida se desvalorizasse então, por maioria de razão, tem de acreditar que caso ele tivesse feito a tal declaração de interesses, a dívida desvalorizaria ainda mais e o senhor teria ganhado ainda mais dinheiro.
Confesso que, a não ser que o senhor tenha investido na bolsa meia hora antes da publicação do 'post' e recolhido as mais-valias meia hora após a sua publicação, não percebo como possa este processo ter pernas para andar.
Enfim, seja como for, aguardemos. Eu estou genuína e academicamente curioso.
Eu parece-me que a questão interessante aqui é de fundo: até que ponto é que publicações ou informações deste tipo são eticamente reprováveis? Um primeiro ponto será sempre a questão da veracidade, e aí parece-me que alguém MENTIR ou apresentar de forma dolosa (complica provar dolo, mas prontos) dados incorrectos e isso resultar ou contribuir para prejuízo de terceiros, esses terceiros devem ter direito a compensação e a pessoa a censura - o tipo de compensação e censura é outra discussão.
ResponderEliminarAdmitindo que o que é transmitido é verdadeiro - sendo que uma opinião, tendo por base factos verdadeiros, pode ser falaciosa mas não falsa - qual é o limite da responsabilidade? Vamos comparar o caso deste senhor com as afirmações do Governador do Banco de Portugal sobre o BES - qual deles causou mais prejuízo moral? Eu tenho poucas dúvidas em dizer que o segundo, mas ninguém foi atrás dele porque, aparentemente, o próprio não beneficiou directamente.
Outra coisa que a mim me mete confusão é o inside trading. Porque é que o mesmo é censurável? Salvo as situações de divulgação de informações falsas (como referi em cima, sempre censurável), não vejo o problema com isso. Até porque - salvo proibir-se que alguém que trabalhe numa empresa cotada detenha acções da mesma - inside trading acontece SEMPRE.
Todas essas questões são excelentes. Mas eu nunca pensei a sério sobre as mesmas. pode ser que a Rita, que já pensou mais a sério sobre estas questões de ética por aqui passe.
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