quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Já não há vilões?

Ontem, numa conferência, ouvi um senhor explicar os vários processos narrativos utilizados nas séries televisivas, que, em parte, se inspiram nos folhetins do século XIX, em que autores como Charles Dickens foram mestres. Há a chamada narrativa extensiva. De episódio para episódio, de temporada para temporadas, vão sendo introduzidas novas personagens e novos elementos biográficos sobre cada uma delas. Um dos efeitos desta técnica é fazer desaparecer os verdadeiros vilões, 
Nos filmes,  pouco ou nada sabemos sobre as vidas dos maus da fita. Nas séries televisivas, os vilões são tão explicados, enquadrados, compreendidos que passamos a sentir por eles uma certa empatia e simpatia. Até por psicopatas e serial-killers. Há aqui qualquer coisa de perverso, parece-me. É este tipo de efeito que se gera quando queremos escalpelizar as causas do terrorismo. Coitadinhos dos terroristas. São pobres (o que até é mentira, mas adiante); a sociedade ocidental não os integrou decentemente; não lhes arranjou empregos condignos. O ocidente trata o norte de África e o Médio Oriente como se fossem coisa sua e nunca mais perde a mania de meter o bedelho onde não deve; ou, ao contrário, o Ocidente devia intervir mais, pela palavra ou pela força, na Síria e noutros barris de pólvora do género e agora está a pagar o preço dessa omissão.
Eu sei, eu sei, desde Freud e Marx que somos todos vítimas. O que não parece passar pela cabeça desta gente, obcecada com as causas, é que muito do mal não tem explicação. Há ofensas que não podemos punir nem perdoar, e cuja natureza continua tão pouco conhecida por nós. É o “mal radical”, como lhe chamava Kant. Só resta realmente repetir com Jesus: «Seria melhor para ele que se atasse ao pescoço uma pedra de moinho e que fosse precipitado ao mar” (Lucas, 17:1-5).

4 comentários:

  1. "Nos filmes, pouco ou nada sabemos sobre as vidas dos maus da fita. Nas séries televisivas, os vilões são tão explicados, enquadrados, compreendidos que passamos a sentir por eles uma certa empatia e simpatia. Até por psicopatas e serial-killers. "

    Alguém aqui conhece a série Once upon a time/Era uma vez? Parece-me o caso extremo dessa tendência (a norma parece ser, de época da época, o vilão da época anterior passar a um dos bons, com narrativas em flashback apresentando-o agora como vítima - suponho que para quem não conheça a série - que tem um estrutura narrativa muito complicada - esta minha descrição é capaz de ser difícil de perceber...)

    "Eu sei, eu sei, desde Freud e Marx que somos todos vítimas."

    Eu estava a pensar sugerir Rosseau e toda a escola do "corrompindo pela sociedade", mas ocorro-me outra hipótese - não será simplesmente um subproduto da tendência humana de estar sempre à procura da explicação para tudo, que deu origem também à ciência e à religião (e provavelmente também a explicações do "mal" como "foi vítima de um feitiço" ou "é um espírito mau que o está a mandar fazer aquilo")? Uma implicação seria de que seria de esperar que as sociedades e culturas mais dinâmicas em termos científicos e tecnológicos fossem também as mais dadas a considerar os terroristas, e criminosos em geral, como produto das circunstâncias (ambas as coisas seriam o resultado de uma mentalidade de "porquê é que isto acontece assim?"), mas se calhar já estou a divagar.

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  2. "Nas séries televisivas, os vilões são tão explicados, enquadrados, compreendidos que passamos a sentir por eles uma certa empatia e simpatia. Até por psicopatas e serial-killers. "

    "Dexter" (que vi algumas vezes, embora com desconforto sempre crescente perante a "normalização" e até "celebração" da psicopatia homicida) foi pioneira nisto, e penso que "Hannibal" (que nunca me "atrevi" a ver) siga a mesma linha...

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  3. Ai caramba, é agora que me descobrem a careca. Eu até cito Hannibal Lecter no meu perfil do blogger. Read Marcus Aurelius....

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