terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Das cópias

A propósito do meu post recente sobre a capacidade de o jornalismo de investigação sobreviver na era da Internet, li ontem no facebook uma nota com um exemplo particularmente caricatural deste fenómeno. Uma notícia longa publicada na revista do DN é citada por um órgão de comunicação online que acaba por usufruir de todas as vantagens da notícia, sem ter de incorrer nos custos de a produzir. É claro que não aprecio a estratégia do jornal online. É um exemplo, novamente, caricatural e condenável. E podemos condenar veementemente todos os outros exemplos, geralmente menos caricaturais. A questão é que podemos ir de condenação em condenação até ao enterro final do jornalismo de investigação. Ou podemos entender e aceitar que houve uma inovação tecnológica particularmente disruptiva e que, por mais boa vontade que todos tenhamos, não permitirá que um bem público essencial para a democracia sobreviva nos termos em que este era financiado, com base numa tecnologia do passado. É completamente ilusório pensar que se podem criar leis que proibam a cópia, porque a cópia e a partilha são um elemento intrínseco da nova tecnologia. Na era pré-Internet, as publicações concorrentes podiam citar as notícias de outro jornal, mas iam com um dia de atraso (ou meio dia, no caso dos vespertinos). 

A Internet veio mudar isso. Como alterou profundamente outros modelos de negócio. Ontem estava num almoço de natal do escritório e um colega disse-me que passou um sábado, aqui há uns tempos, a visitar lojas com a mulher. Via as montras, entrava, aconselhava-se com os empregados, e, no fim, tomava notas dos produtos que queria comprar, e comprava-os todos pela Amazon. As livrarias, as lojas de discos, as lojas de brinquedos, podem todas achar profundamente injusto que tenham de pagar custos fixos pesados com lojas e salários a funcionários especializados, que aconselham e mostram produtos que são depois comprados por uma fracção do preço, na Internet. A questão é que, individualmente, as pessoas não estão dispostas a pagar por um serviço (o de ver produtos na montra e ser aconselhado por funcionários especializados), porque podem não o fazer. A solução óbvia é obrigar a pagar por esse serviço, em vez de incorporá-lo no preço do produto vendido (por exemplo, cobrar pela entrada numa livraria, ou criar um cartão de sócio da livraria com um preço anual fixo elevado que permite entrar na livraria e comprar livros com um desconto generoso - vou voltar a este tema em breve, espero, porque me interessa bastante).  Em alguns casos, isso poderá ser exequível, particularmente se as pessoas valorizarem o suficiente esse serviço e não existirem alternativas fortes a ele (como me parece, no entanto, ser o caso com a Amazon, que tem um excelente serviço gratuito de aconselhamento, feito por outros compradores). Os jornais têm-no tentado, e têm falhado, e a razão, parece-me, é que o bem que criam não é facilmente excluível. Fazer um resumo de uma notícia é facílimo, e não me parece que seja possível definir limites suficientemente estreitos a essa cópia - até, e sobretudo, porque as cópias são, cada vez mais, feitas pelo próprio consumidor final, que cita as notícias nas redes sociais. 

Novamente, tenho a profunda convicção que a única forma de salvarmos o jornalismo de investigação - e acho fundamental que o façamos - consiste em reconhecermos que não há incentivos suficientes para que a malta pague individualmente pelo que lê, e que é preciso encontrar formas alternativas de financiamento. Quanto mais cedo se aceitar esta realidade, menos estragos se farão. 

7 comentários:

  1. Eu pago $20/ano à Barnes & Noble pelo meu cartão de membro. Quase que nunca lá vou, mas isso também é porque muitas vezes compro livros usados e não livros novos. Também tento comprar em lojas locais, apesar de ser mais caro. Noutras coisas, também apoio lojas mais pequenas, usando a etsy ou a Society 6. Por exemplo, o protector do meu telefone foi comprado na Society 6 e o design é de uma rapariga que tem um pequeno negócio. Mesmo nos restaurantes favoreço o comércio local.

    Nas notícias, leio a Bloomberg muito, mas esses fazem dinheiro e têm um modelo de negócio diferente. Há um lag entre a altura em que eles publicam a notícia para os clientes que pagam, através dos terminais, e a altura em que fica disponível para o público.

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  3. Em Portugal já pagamos a contribuição audiovisual. Penso que a RTP recebe aproximadamente 150 milhões de euros/ano, pelo que dispõem de receitas garantidas mais do que suficientes para assegurar um serviço de jornalismo de investigação robusto.

    Contudo a RTP demite-se desse tipo de funções e prefere pagar dezenas de milhares de euros/mês a (pseudo?) figuras publicas para apresentarem programas similares aos das estações privadas.
    Ou seja, o problema, pelo menos em Portugal, não está no facto de não existirem fontes de receita independentes do mercado mas sim na sua aplicação...

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    1. Concordo, pelo menos em parte, com as críticas à RTP. Mas acho que concordamos que o jornalismo independente deve incluir mais meios e maior diversidade do que uma televisão pública. Referia-me a um problema que me parece evidente em todos os países que conheço minimamente. Há uma dificuldade grande por parte dos jornais ditos de referência em criar financiamento suficiente. Sem este financiamento, não há jornalismo de investigação; e sem jornalismo de investigação, custa-me imaginar que a democracia possa resistir.

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    2. e será que esses jornais ditos de "referência" são realmente assim tão essenciais na era da internet? Não se tornarão num anacronismo numa altura em que divulgações de informação confidencial são feitas através de sites como o Wikileaks? Se me apetecer ler uma crónica de alguém que eu considere interessante posso vir aqui ao vosso blog ou a outro que eu considere bem informado consoante o tópico do meu interesse.

      Hoje em dia a informação está muito mais facilmente acessível será que precisamos realmente de jornalistas de investigação dedicados exclusivamente quando existem cidadãos jornalistas? Será realista esperar que esses mesmos jornalistas investigadores sejam isentos?

      Por exemplo em Portugal se me quiser informar sobre assuntos políticos, depois de muitos anos a ler o Público e o DN cheguei à conclusão que a informação é dada no Correio da Manhã de forma muito mais isenta (vêm embrulhadas numa série de páginas sobre crimes de faca e alguidar) e com títulos que podem ser considerados de mau gosto mas a verdade é que quando leio o corpo das notícias no Correio da Manhã noto que estas não tentam criar uma narrativa ao contrário dos jornais ditos de referência...


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