quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

E não é que nisto o Governo tem razão?

Parece que o Governo quer excluir do cálculo do défice estrutural o recuo nas medidas da austeridade e que isso é uma das fontes de divergência com a Comissão Europeia. Ao contrário que que se possa esperar, confesso que isto não me parece um disparate. Pelo contrário. Pelo menos não em relação a todas as medidas, como, por exemplo, os cortes salariais na função pública. 

Na verdade, esses cortes foram declarados inconstitucionais, pelo que nunca foram cortes estruturais. Portanto, o erro não está agora. Disparate foi considerar que esses cortes eram medidas estruturais. Na verdade, nunca passaram de medidas extraordinárias.

Claro que o que isto quer dizer é que o actual défice estrutural é maior do que o oficial e isso devia tornar-nos mais exigentes e não menos. Mas isso é outra questão.

11 comentários:

  1. Admitamos que um Governo anuncia em t0 a baixa do IVA. Em t1 reverte e repõe o IVA. Isto é one-off? Só se em t0 o Governo deixar claro que o corte será impreterivelmente revertido em t1. Ora, excepto se existir uma time window bem definida para reverter os cortes (que não existia), estes poderiam vigorar ad eternum. Logo, são despesa corrente.

    Claro que o próprio conceito de défice estrutural é dúbio e manipulável, tanto do lado do PIB potencial como das medidas extraordinárias. Mas uma medida que persiste no tempo, ainda que anunciada com temporária, não é extraordinária. Tenho sérias dúvidas quanto a isto tudo.

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  2. "Admitamos que um Governo anuncia em t0 a baixa do IVA. Em t1 reverte e repõe o IVA. Isto é one-off?"

    A questão é que os cortes, ao serem inconstitucionais por definição não podem ser estruturais. Não vejo como dar volta a isto. Já a questão do IVA pode ser estrutural.

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  3. Acho que este argumento não serve muito bem os interesses do governo. Em primeiro lugar, há a consideração óbvia de que o PS é responsável pela introdução de medidas inconstitucionais no acordo com a Troika. Em segundo, Portugal tem acordos com a UE que exigem disciplina fiscal, logo a implicação do argumento é que não é inconstitucional violar esses acordos. Em terceiro, coloca-se a definição de "inconstitucionalidade"--será que apenas é inconstitucional tudo o que chumba o TC? Quer dizer, as inconstitucionalidades do TC valem mais do que as inconstitucionalidade que nunca chegam ao TC? Em quarto lugar, este governo fez campanha sabendo de antemão as inconstitucionalidades e um dos argumentos que usou foi que esta despesa geraria crescimento pelo lado da receita ou, no mínimo, seria neutra para o OE, o que permitiria não violar os acordos com a UE.

    Concluindo, usar este argumento descredibiliza completamente o governo. Concordo completamente com o teu último parágrafo: a estratégia seguida é errada.

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    1. "Concluindo, usar este argumento descredibiliza completamente o governo."

      Rita, isto seria um bom ponto se houvesse alguma credibilidade a defender.

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    2. Se as inconstitucionalidade que chegam ao TC não valessem mais do que as que não chegam em Portugal não haveria desemprego. Parece-me que o direito ao trabalho+ equidade + aquela historia da confiança ou direto à confiança deviam chegar para que o desemprego fosse inconstitucional...

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    3. É mais credível quem apoiou, ou se manteve em silêncio, os orçamentos de Estado dos últimos 4 anos que obrigaram a dois rectificativos por ano e fecharam o ultimo com défice acima de 7% e a banca no chão?

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  4. "A questão é que os cortes, ao serem inconstitucionais por definição não podem ser estruturais."

    Mas qual definição? Ou antes, quando definição?

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  5. Parabéns pelo artigo. Seriedade na análise é de facto algo que infelizmente escasseia em Portugal. É sempre bom encontrar alguém que recusa uma análise simplista e valoriza pontos que possam ir contra a sua apreciação geral positiva/negativa de uma política.

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  6. Usando um aforismo bem português eu pagaria para ver alguém provar, num tribunal que tenha competências sobre a CE, que as medidas anuladas pelo Tribunal Constitucional são a anulação de medidas estruturais invocadas na propaganda barata, na economia barata, na psicologia barata e na sociologia barata. Os americanos é que sabem - se é inconstitucional, nem o Presidente escapa à lide.

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