E eis que temos de voltar, assim, tão de repente, ao sítio onde vivemos. Depois de uma pausa tão, tão boa em Lisboa, estou de volta ao trabalho – e ao mundo, que está assim para o enfermo. Almocei com um amigo polaco, que foi também passar as férias a casa, e que me contou do que é que se passa por lá. Não, não confirmei nenhum dos dados que cito de cor, abaixo. Porque não sou jornalista e porque não me apetece.
Aparentemente, a coisa vai muito para além da política de gestão dos canais públicos de informação. Num afã legislativo que terminou às 4 da manhã de um dos dias em que o meu amigo esteve em Varsóvia, o novo governo (liderado por um fantoche de Kaczyński, e apoiado por outro fantoche colocado na presidência da república) demitiu uma proporção significativa de quadros intermédios e superiores dos organismos do estado, para os substituir por “gente de confiança”; mudou a lei que regula o funcionamento do Tribunal Constitucional, passando este a não poder tomar nenhuma decisão sem a a votação de 16 dos 18 membros – em simultâneo, demitiu todos os juízes que tinham sido nomeados pelo anterior governo, e nomeou 5 novos que, obviamente, podem assim bloquear todas as decisões, não as votando; anunciou que não vai acatar as decisões europeias de política de refugiados, porque, Kaczyński disse em campanha eleitoral, os refugiados não são bem emigrantes, é gente que não se integra e que vêm minar o estado polaco e subverter os seus princípios religiosos e morais.
O mais perturbador, para mim, não é a atuação do novo governo. A plataforma cívica, o partido que liderou o governo anterior, não podia ser um partido mais amigo das instituições europeias e das boas práticas de Bruxelas. Fez tudo o que a Europa mandou, e assumiu bem a sua posição de estado-membro da UE. A coisa foi mesmo caricatural. Há uns tempos, um jornal transcreveu aquela que terá sido uma conversa num jantar entre ministros, num restaurante de Varsóvia. A coisa andava em torno de “não somos verdadeiramente um governo, quem manda é mesmo a Alemanha, e ainda bem, porque isto aqui assim é um país sem futuro, os melhores já foram embora”. Aparentemente, as pessoas não ficaram muito contentes e o partido afundou nas novas eleições.
O grandioso Tolstoi disse, no começo do Anna Karenina, que as famílias felizes são felizes da mesma maneira; cada família infeliz é infeliz à sua maneira. A União Europeia parece ser uma família infeliz de todas as maneiras. A periferia em crescente miséria, o leste (e a França, e qualquer dia a Finlândia) em fascização galopante, o Reino Unido a querer ir embora, a Catalunha a querer independência. A componente comum desta infelicidade para todos é a repetição de um mesmo padrão de funcionamento: governos democraticamente eleitos delegam a produção de Política a um autêntico buraco negro institucional chamado Comissão Europeia (e Banco Central Europeu), não eleito e não sujeito ao escrutínio democrático; em troca, o buraco negro retira-lhes a maçada de fazer Política e de responder perante os seus eleitorados. Cada vez mais, as pessoas sentem que não estão a votar em governos, mas em intermediários de poderes que não controlam. Quando a voz ou o voto não são ouvidos, as pessoas começam a falar mais alto. Até serem ouvidas. Se o voto moderado não conta, tentar-se-ão outros, até que conte.
A solução só pode ser mais democracia, não menos.
Quando é que vais começar a fazer campanha para os europeus poderem ter armas? Os americanos querem ter armas para o governo federal não ficar muito confortável...
ResponderEliminarA Europa não tem um governo federal. Ou melhor, tem, mas não é um governo eleito.
Eliminar"o Reino Unido a querer ir embora" (...) "governos democraticamente eleitos delegam a produção de Política a um autêntico buraco negro institucional chamado Comissão Europeia".
ResponderEliminarOra bem, atendendo ao tal "buraco negro", parece-me perfeitamente lógico que o Reino Unido queira "ir embora" (o que está, apesar de tudo, por determinar).
Mas os males e defeitos do monstro "europeu" não são de agora. O "eurocepticismo" britânico também não. Só que, com o fim do "dinheiro dos outros", alguns enlevados partidários lusos da "construção europeia" começam a espernear. Para eles, a "Europa" era uma espécie de quarta fase do Império Português: depois da canela da Índia, do ouro do Brasil e do café e diamantes de Angola, chegara a hora de se mamar na teta da vaca "europeia" Enquanto houvesse "mama", o português médio seria "europeísta".
De facto,a Europa não tem um governo federal, nem eleito, nem por eleger. E ainda bem. Não havendo um "demos" europeu, não pode, obviamente, haver uma democracia europeia.
Aquando da assinatura dos tão celebrados tratados de Maastricht e de Lisboa (este último um claro embuste destinado a ultrapassar e ignorar a voz dos eleitorados francês e holandês, que haviam chumbado a "Constituição Europeia" e a impedir que mais eleitorados, por essa "Europa" fora, se pronunciassem: "porreiro, pá" ficou na História) as vozes que agora lamentam o poder das instituições "europeias", ou aplaudiram, ou se calaram. E aos que a esses tratados se opuseram, aplicaram o simpático rótulo de "soberanistas". Mas sejam todos bem-vindos ao mundo dos "eurocépticos".
Só mais uma coisa: os governos portugueses, desde a adesão à então CEE, em 1986, sempre fizeram "tudo o que a Europa mandou", com o eurobeato (vénia a Vasco Pulido Valente) Mário Soares à cabeça. Nâo é de agora. Anularam-se perante a "Europa".
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