Era previsível que a
campanha para Presidente da República (PR) fosse insonsa e desinteressante,
como está a ser. Marcelo parte como favorito e tudo indica que ganhará à
primeira volta. Nóvoa não conseguiu descolar de uma imagem de homem sério, mas
demasiado académico, até mesmo com os apoios de peso que teve desde a primeira
hora. Belém corre em desforço, contra o partido de origem, representando a
linha segurista e um punhado de boas intenções. Marisa está deslocada da
realidade das competências de um PR. O Governo finge-se de morto, ciente de que
é Marcelo quem levantará, em tese, menos problemas a Costa.
O mais relevante tem
sido, porventura, algum – pouco – debate sobre as funções presidenciais e uma
ignorância algo generalizada sobre as competências do Chefe de Estado, esse
OPNI – “objecto político não identificado”. Há quem peça ao Presidente acções
que a Constituição pura e simplesmente lhe não permite. Parece esquecer-se que
a opção foi por um regime que vem sendo crismado de “semipresidencialista”, em
que o fulcro da acção política se reparte entre o Governo e o Parlamento, com
“checks and balances” que vão variando em função da conjuntura política, mas
que nestes pouco mais de 40 anos de democracia têm vindo a afirmar, como regra,
uma prevalência prática do Executivo. Mesmo que o actual Governo, como sempre,
seja das mais puras emanações da Assembleia, no sentido em que resultou
claríssimo que é o conjunto de deputados eleitos que acabam, em última análise,
por determiná-lo, ainda que não composto por membros apoiados pelo partido mais
votado.
Não tem provado mal o
regime. Um presidencialismo à francesa, p. ex., não estaria em linha com a
nossa mais lídima tradição republicana e concentraria demasiado o poder num
órgão unipessoal, a que acresceram, historicamente, os evidentes traumas do
Estado Novo que, também na prática, redundou num “presidencialismo de gabinete”.
Os problemas do país não estão, por certo, na sua Lei Fundamental, sem prejuízo
de cirúrgicos ajustes.
Se é exacto que em
Direito as competências se não presumem, também é certo que o poder de
influência do PR é, no seu cerne, não escrito, de bastidores, o que o
transforma numa espécie de plasticina que se adequa à personalidade e visão de
cada um dos seus concretos titulares. Sagacidade, capacidade de leitura
política, ligação permanente à realidade, facilidade na construção de pontes –
são estas, entre outras, qualidades que se exigem ao Chefe de Estado, em
especial no momento político que vivemos. Do mesmo passo, uma atenção maior ao
sistema de justiça. Não sendo uma competência directa do PR, relembre-se que
lhe cabe nomear o Procurador-Geral da República e o Presidente do Tribunal de
Contas (sob proposta do Governo), bem como eleger alguns dos vogais do Conselho
Superior da Magistratura. Incompreensivelmente, não o faz para o seu congénere
do Ministério Público, o que me pareceria importante para um maior equilíbrio sistémico.
Assim como a supervisão de um “Conselho de Acompanhamento da Justiça”, um
grande fórum de reflexão sobre o tema, em regime de permanência, atento o muito
que urge fazer neste domínio.
Há uma norma da CRP
(art. 134.º, al. e)) que estabelece
que cabe ao PR «pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da
República», o que julgo dever ser entendido, no espírito da nossa “norma
normarum”, como uma indicação a favor de uma não banalização da pública intervenção
do Chefe de Estado.
Este não é um
comentador político, o que não significa que quem o foi – para além de muitas
outras coisas que importa sublinhar – não possa saber comedir as suas palavras
e acções, se eleito. Aliás, Marcelo deu disso prova aquando da sua fugaz
passagem pela liderança do PSD. Tal como demonstrou que as funções executivas
não lhe assentam, ao menos naqueles tempo e espaço. O mesmo não parece no
âmbito da dita “magistratura de influência”, onde é ainda essencial uma
excelente rede de contactos nacionais e internacionais. E, neste ponto, como em
outros, alguém duvida que o catedrático não vem preparando o caminho há largos
anos? Como uma formiguinha laboriosa e inteligente, com a dose certa de fina
táctica política que, tudo indica, será finalmente recompensado.
Pelo acrónimo com que titulou o seu apontamento, imaginei que concluísse que, pela estranheza do bicho, não encontrasse ponta por onde lhe pegar.
ResponderEliminarAfinal, depreendo depois, o OPNI não é estranho porque é auto moldável, estando o prof. Marcelo preparadíssimo para o exercício no objecto.
Nada a opor.
Mas não compreendo a generalizada aceitação da eleição do Presidente da República por sufrágio directo quando, depois das reduções de competências do cargo, o regime é tipicamente parlamentarista e o Presidente da Repúbliaca o seu notário.
"(..)não estaria em linha com a nossa mais lídima tradição republicana".
ResponderEliminarA I República era um regime puramente parlamentar, no qual o Presidente da Repúbica nem era eleito por sufrágio popular. Acho o actual sistema mais parecido até com o Constitucionalismo Monárquico, no qual cabia ao Rei o poder moderador que, na actual configuração, compete ao PR.
«A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
ResponderEliminarLibertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país.
«A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de ABRIR O CAMINHO PARA UMA SOCIEDADE SOCIALISTA, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.» Do preâmbulo da Constiuição da República Portuguesa (maiúsculas minhas).
Vê aqui alguma necessidade de "cirúrgicos ajustes"? Pois eu acho que só de bulldozer.