27. Toma e embrulha.
E assim foi. Fez uma trouxa com o lenço às bolinhas vermelhas que encontrou na gaveta dos recuerdos de Sevilha, e enfiou-a no fundo do guarda-vestidos. Por trás das galochas de inverno, porque agora que era verão ficava mais longe da vista. Se a encontrasse por acaso, que fosse no inverno. Já passados meses, e já sem que lhe subisse a mostarda ao nariz. Começava a pensar que lhe correria melhor a vida se não fosse tão irascível. Sempre pronta a tirar a espada da bainha e a montar um cavalo resfolgante no meio de clarões e trombetas, como acontece sempre que alguém é dominado pela fúria justa. Via duas possibilidades. Três, aliás. Se vir entretanto que há mais, acrescento, pensou. A primeira é a espinosista. Assistir ao mal é assistir aos defeitos do espírito. Um defeito é uma falta. Uma falta é uma incompletude. Os maus são incompletos. Quanto mais incompleto se é, pior. Piores as paixões, menos contrariadas pelas outras, as que faltam. As más são juízos errados. As boas são juízos correctos. Mas o erro não é um absoluto, lá está. Há esperança para os incompletos, e assistir ao que fazem é mais aprender o que lhes falta do que sofrer um dano. O mais completo olha para o menos completo com pena, que é um juízo correcto. Melhor, compreende o seu lugar pequeno na grande ordem das coisas. E afasta o olhar desse ponto isolado, incompleto e estúpido, para antes abarcar o todo e alegrar-se, outro juízo correcto, com a necessidade. A segunda possibilidade parte daqui, que é fraca consolação compreender o mal e ter pena da ignorância que o explica. A ciência não pode substituir a repulsa. Qual integrá-los no todo, os maus merecem censura, isolamento, repúdio. Que percam o mais precioso para nós, a vida comum. Que experimentem ficar sozinhos com o espelho que lhes diz o que querem. Joguemos gamão, gozemos uma bela refeição com os amigos, afastemo-nos. Não fazem parte da totalidade a que todos pertencemos, porque não há totalidade. Não se deixam convencer por juízos correctos. Somos pontos, podemos associar-nos a outros pontos, podemos fazer as nossas totalidades, escolhamos bem as nossas companhias. Não temos que aceitar tudo. Esta é a via humeana. Façamos um balanço antes de avançar para a terceira. Até agora, ou compreendemos ou recusamos. Ou fazemos do horror uma parte da galáxia ou o mandamos com um pontapé em direcção ao silêncio eterno do espaço infinito que nos aterroriza. Acolher ou isolar. Tenho que pensar bem na terceira, mas só depois de pensar bem na segunda. Isto sim, toma e embrulha.
E assim foi. Fez uma trouxa com o lenço às bolinhas vermelhas que encontrou na gaveta dos recuerdos de Sevilha, e enfiou-a no fundo do guarda-vestidos. Por trás das galochas de inverno, porque agora que era verão ficava mais longe da vista. Se a encontrasse por acaso, que fosse no inverno. Já passados meses, e já sem que lhe subisse a mostarda ao nariz. Começava a pensar que lhe correria melhor a vida se não fosse tão irascível. Sempre pronta a tirar a espada da bainha e a montar um cavalo resfolgante no meio de clarões e trombetas, como acontece sempre que alguém é dominado pela fúria justa. Via duas possibilidades. Três, aliás. Se vir entretanto que há mais, acrescento, pensou. A primeira é a espinosista. Assistir ao mal é assistir aos defeitos do espírito. Um defeito é uma falta. Uma falta é uma incompletude. Os maus são incompletos. Quanto mais incompleto se é, pior. Piores as paixões, menos contrariadas pelas outras, as que faltam. As más são juízos errados. As boas são juízos correctos. Mas o erro não é um absoluto, lá está. Há esperança para os incompletos, e assistir ao que fazem é mais aprender o que lhes falta do que sofrer um dano. O mais completo olha para o menos completo com pena, que é um juízo correcto. Melhor, compreende o seu lugar pequeno na grande ordem das coisas. E afasta o olhar desse ponto isolado, incompleto e estúpido, para antes abarcar o todo e alegrar-se, outro juízo correcto, com a necessidade. A segunda possibilidade parte daqui, que é fraca consolação compreender o mal e ter pena da ignorância que o explica. A ciência não pode substituir a repulsa. Qual integrá-los no todo, os maus merecem censura, isolamento, repúdio. Que percam o mais precioso para nós, a vida comum. Que experimentem ficar sozinhos com o espelho que lhes diz o que querem. Joguemos gamão, gozemos uma bela refeição com os amigos, afastemo-nos. Não fazem parte da totalidade a que todos pertencemos, porque não há totalidade. Não se deixam convencer por juízos correctos. Somos pontos, podemos associar-nos a outros pontos, podemos fazer as nossas totalidades, escolhamos bem as nossas companhias. Não temos que aceitar tudo. Esta é a via humeana. Façamos um balanço antes de avançar para a terceira. Até agora, ou compreendemos ou recusamos. Ou fazemos do horror uma parte da galáxia ou o mandamos com um pontapé em direcção ao silêncio eterno do espaço infinito que nos aterroriza. Acolher ou isolar. Tenho que pensar bem na terceira, mas só depois de pensar bem na segunda. Isto sim, toma e embrulha.
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