terça-feira, 1 de março de 2016

já perdeu

(foto)

Por trás de um guichet de caixa dos museus do Vaticano (pelo menos era onde estava, da última vez que lá fui) (nos museus do Vaticano estão sempre a mudar o lugar às coisas, um dia destes ainda dou com a Capela Sistina num centro de refugiados) (ou vice-versa, que com este Papa já nada me admira) (isto não é uma crítica) como ia dizendo há nem sei quantos parêntesis, por trás de um guichet de caixa dos museus do Vaticano há uma cópia da estátua falsa do grupo de Laocoonte. Na escultura verdadeira, encontrada em 1506, faltava o braço direito do herói. Em vez de exporem o homem assim maneta como saíra da terra, resolveram dar-lhe um braço. Um braço corajoso, a lutar contra a serpente, senhor da situação. Quatrocentos anos mais tarde descobriram o braço verdadeiro, e o Vaticano precisou de mais cinquenta anos para se render à evidência: o braço está torcido para trás, a serpente já ganhou, Laocoonte e os seus filhos, de olhar angustiado e horrorizado, estão perdidos.
(Isto vem tudo na wikipedia - caso seja invenção, não é minha)

Lembrei-me do Laocoonte esta manhã no duche, ao cantar "Ne me quitte pas". Quando canta "laisse-moi devenir l'ombre de ton ombre, l'ombre de ta main, l'ombre de ton chien", Jacques Brel já perdeu. Ele não sabe ainda, e ergue o poema como o braço direito da escultura errada, perante o nosso olhar incrédulo, angustiado e horrorizado: já perdeu.





1 comentário:

  1. Ele não sabe ainda, e ergue o poema como o braço direito da escultura errada, perante o nosso olhar incrédulo, angustiado e horrorizado: já perdeu.

    Da maneira como a ouço ele sabe intensamente que perdeu, a canção é mesmo isso, e forma como Brel a canta reforça-o (ao contrário de versões delicodoces que sugerem uma canção de amor).

    ResponderEliminar

Não são permitidos comentários anónimos.