Coleridge, precocemente envelhecido pelo uso continuado de ópio, escreveu um brilhante poema no jardim da sua casa em Highgate, no norte de Londres, a que deu o nome de youth and age. O poema lamenta o modo cruel como o corpo envelhecido lhe nega as alegrias várias da sua juventude. A certa altura, o poema refere-se ao corpo humano como uma casa que não foi construída com as mãos – this breathing house not built with hands. Esta é uma alusão a S. Paulo, que assegura aos seus seguidores que estes terão à sua espera uma casa que não foi feita pelas mãos dos humanos, mas sim por Deus. Note-se bem: a compensação pelas múltiplas agruras e humilhações da vida é uma casa que não foi construída com o uso de mãos; das mãos trémulas, imprecisas, cansáveis, impotentes dos homens. Ao contrário, a casa dos céus é perfeita, eterna, incorruptível; nunca desabará, nunca nos deixará sem um tecto. Ora Coleridge parece perguntar: e esta casa que sou eu? O meu corpo também não foi construído pelas mãos dos homens – e veja-se só em que estado está, veja-se só o tanto que se degradou! Ao contrário de me proteger para toda a eternidade, esta casa está prestes a desalojar-me. Que confiança posso afinal ter eu nas casas que não são feitas com as mãos?
Coleridge escreveu o youth and age, dizia eu, na sua casa em Highgate, para onde se mudara com um médico amigo que o ajudaria, com relativo sucesso, a debelar o seu vício do ópio. Esta mesma casa, feita com mãos, sobrevive até aos dias de hoje – Coleridge, é bom de ver, não sobrevive. Bom, a casa faz melhor do que sobreviver – ela na verdade é altamente cobiçada, e veio a ser comprada pela Kate Moss, também ela uma viciada em ópio. Moss queria dar ao seu novo grande amor uma habitação memorável. O amor – outra casa que não foi feita com as mãos – sucumbiu passados cinco anos. Com o divórcio, Moss colocaria - no ano passado -, a casa à venda, por oito milhões de libras.
É extraordinário, não é? A casa que foi feita com as mãos de homens sobrevive às grandes construções que não só não são feitas por nós, como parecem ser feitas contra nós. Sobrevive à morte do corpo e sobrevive ao fim do amor. Sobrevive à beleza insaciável de uma Kate Moss. Sobrevive à degradação física de um poeta tão eloquente. Será comprada por algum multi-milionário, e viverá para além, também, do incomensurável poder do homem que lhe é conferido pela riqueza – outra casa que não parece construída com mãos humanas.
No outro dia passei pela casa que foi de Coleridge e também de Moss. Tirei esta fotografia à janela do meio. Tem vidros espelhados, pelo que nos reflete a nós.
Isto está tão giro! Gostei mesmo muito...
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