sexta-feira, 22 de abril de 2016

Ensino público e contratos de associação

A pretexto desta notícia (e reconhecendo que este tipo de apoios não pode terminar abruptamente), reproduzo o comentário de Paulo Santos, meu amigo no Facebook.

Sobre os contratos de associação com estabelecimentos de ensino privado o que penso é o seguinte:
1. A Constituição da República Portuguesa (CRP) estipula muito claramente que compete ao Estado “Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito” (alínea a) do número 2 do Art. 74º) ao mesmo tempo que assegura a “a liberdade de aprender e ensinar” (número 1 do Art.º 43º).
No nosso enquadramento jurídico-constitucional isto tem sido interpretado de uma forma que não levanta dúvidas, embora alguns queiram alimentá-las. O Estado está incumbido de garantir um sistema público de educação para assegurar a escolaridade obrigatória que atualmente se estende aos 18 anos.
2. Os contratos de associação surgiram quando o sistema público de educação não conseguia cumprir o estipulado na CRP. Foi uma boa medida de forma a assegurar que a escolaridade obrigatória fosse uma realidade para uma percentagem significativa de alunos.
3. Nos últimos anos a situação inverteu-se e não se justifica a existência de contratos de associação com escolas privadas em zonas nas quais a oferta pública responde à procura. Estamos a falar de uma quantia muito substancial. Na proposta de orçamento para 2016 do atual governo eram 254,3 milhões de euros, mais 6% do que a verba gasta em 2015 (239,9 milhões).
Alguns destes contratos foram assinados em circunstâncias que levantam as mais sérias dúvidas, de acordo com uma excelente reportagem realizada pela TVI em 2013.
4. O Estado deve comportar-se como uma pessoa de bem e honrar os seus contratos e compromissos. Mas ao mesmo tempo deve ser claro nas suas intenções para que escolas, professores, pais e alunos saibam com o que podem contar para organizarem as suas e vidas e reorientarem os seus investimentos.
5. Seguramente que existem escolas privadas com contratos de associação que fazem um excelente trabalho. Estão de parabéns por isso, embora se deva relembrar o óbvio: foram pagas para o fazer. Afirmar que escolas públicas estão condenadas a prestar um mau serviço público é um argumento que não colhe. Devemos ser exigentes com a escola pública e com as escolas privadas que têm um contrato de associação.
6. Portugal nunca foi uma verdadeira sociedade capitalista e liberal. Uma das consequências mais nefastas deste pesado lastro histórico é a existência de grandes setores privados que vivem à custa de dinheiros públicos. Se as escolas privadas forem mesmo de qualidade haverá um público que procurará os seus serviços. E aquelas que forem mais competitivas sobreviverão.

11 comentários:

  1. "Se as escolas privadas forem mesmo de qualidade haverá um público que procurará os seus serviços. E aquelas que forem mais competitivas sobreviverão."

    Este argumento prova demasiado: pode ser transposto de igual maneira para "Se as escolas PÚBLICAS forem mesmo de qualidade haverá um público que procurará os seus serviços MESMO QUE OS TENHA DE PAGAR DO SEU BOLSO. E aquelas que forem mais competitivas sobreviverão."

    Toda a gente reconhece a "minha" versão como claramente falaciosa, e por consistência deveria também reconhecer a falácia na versão original do Paulo Santos.

    Não me revejo no conceito de "contratos de associação", que beneficiam algumas escolas privadas (seleccionadas seguramente com as melhores intenções e com a maior transparência) em detrimento de outras escolas, possivelmente até inviabilizando a abertura de escolas concorrentes, por não saberem à partida se terão de concorrer só com base na qualidade ou se serão inviabilizadas devido a não conseguirem o contrato que as tornará "gratuitas" para os alunos.

    Não vejo, no entanto, qualquer diferença entre o Estado pagar a educação de uma aluno a uma escola pública ou a uma escola privada: o importante é pagar-lhe uma educação de qualidade. E por isso acho que o estado deveria financiar individualmente todos os alunos do ensino básico, e estes por sua vez usariam esse montante para pagar a sua escola (pública, privada, cooperativa ou anarquista). Desapareceriam os contratos de associação, e todas as escolas passariam a competir pelos alunos.

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    1. Errado. A ideia do ensino público não garantir um público alvo (como os privados podem ter), mas garantir que todos têm acesso.

      Podemos discutir muita coisa, mas o status quo da escolas privadas em Portugal devia até envorgonhar todos os que defendem liberalização do sector.

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    2. O que o Pedro Silva (e eu) queremos dizer, é que as escolas privadas não podem competir com as públicas para o público em geral pois os seus alunos não são subsidiados.
      As escolas privadas são obrigadas a escolher um público alvo que possa pagar o ensino base E tudo o resto que essas escolas oferecem.

      Se eu quiser ter o meu filho numa escola pública, pago zero. Se eu quisesse uma escola (privada) apenas um pouco melhor (por estar mais perto, ter outros professores, etc.) tenho que pagar TUDO, ao invés de pagar apenas o acréscimo em relação ao geral.

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    3. "Não vejo, no entanto, qualquer diferença entre o Estado pagar a educação de uma aluno a uma escola pública ou a uma escola privada"... ...vejamos a última experiência em que um Estado subsidiou escolas privadas: Suécia, numa reforma que maravilhou e foi louvada por todos os defensores dom modelo. Resultado: Desastroso. O nível médio dos alunos baixou enormemente e a desigualdade entre os mesmos aumentou (ver aqui por exemplo http://www.reuters.com/article/us-sweden-schools-insight-idUSBRE9B905620131210). Já agora na vizinha Finlândia, as escolas continuaram públicas, o modelo de educação tirou os exames (o único obrigatório é no fim do secundário), resultado: a qualidade melhorou e a desigualdade diminuiu... ...já sei, são outras culturas, em Portugal o modelo Sueco teria sucesso...

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    4. Existe uma frase atribuída a Keynes, mas que os historiadores dizem ser apócrifa. Acusado de mudar muitas vezes de opinião por um crítico terá replicado:"When the facts change, I change my mind. What do you so, sir?".
      As pessoas que defendem propostas relativas à educação com base no sacrossanto princípio da liberdade de escolha por norma não perdem tempo a estudar o caso da Suécia ou os resultado obtidos pelas charter schools nos Estados Unidos.Fazia-lhes bem, por exemplo, ler o livro do Paulo Guinote, Educação e Liberdade de Escolha, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos para tentar fundamentar melhor as suas opiniões ao invés de confiarem em pressupostos que não questionam.

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  2. Se uma escola privada conseguir ensinar igual ou melhor consumindo os mesmos ou menos recursos ao país não haveria vantagens para todos em que esta fosse a opção?
    Acontece que as escolas privadas só conseguem sobreviver se:
    - tiverem acordos de associação
    - forem vocacionadas para nichos de mercado de pais com rendimento acima da média

    Para conseguirmos ter o sistema mais eficiente seria necessário:
    - definir um programa base mínimo
    - conseguir medir quais as escolas públicas e privadas que têm competência para ensinar este programa
    - atribuir um cheque ensino às crianças que frequentem a escola, sendo que podem escolher qual escola frequentar.
    - conseguir ter uma implementação gradual deste sistema

    Não identifico grandes desvantagens desta proposta.

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    1. Eu consigo. Foi o que foi feito na Suécia e os resultados foram o que foram. Ver acima...

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    2. Os resultados na Suécia decresceram por causa de vários factores, incluindo o "elefante na sala" que muitos não querem discutir: a imigração.

      "29 per cent of average performance decline in
      Sweden between 2000 and 2012 is due to changed pupil composition. Of this, 11 percent is attributed directly to the fact that the proportion of pupils with Swedish origin has decreased over
      time, while the remaining 18 percent is attributed to the fact that performance among students with foreign background showed a stronger decline than among pupils of Swedish origin."
      https://ec.europa.eu/migrant-integration/news/sweden-is-there-a-connection-between-immigration-and-school-performance-in-sweden?pdf=1

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  3. Também me parece que a solução passaria pela atribuição do cheque-ensino.
    Por outro lado, compreendo os que investiram nos colégios que beneficiam de contratos de associação: quando foi útil, o Estado apoiou-os, quando as coisas se alteraram, o Estado quer corta-lhes as pernas.
    Vale ainda perguntar: os professores que trabalham nas escolas com contrato de associação têm preferência na admissão às escolas públicas que as "substituam"? O Estado perde ou ganha, do ponto de vista financeiro, com o encerramento das escolas com contrato de associação?

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    1. Estou para ver quantos é que vão negar a evidência empírica para defender o seu modelo teórico. Vai ser lindo...

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  4. Luís, toda a razão no comentário quando aos pseudo neoliberais rentistas. Em Portugal está tudo (enfim, quase tudo) encostado ao Estado, i.e., ao dinheiro dos contribuintes. Não discuto se neste caso faz ou não sentido. Mas o teu reconhecimento inicial é inquestionável ("e reconhecendo que este tipo de apoios não pode terminar abruptamente") e é aqui que está o cerne da questão. O Estado adota frequentemente este comportamento: dá incentivos, rendas, contratos de associação e o diabo a sete, o mercado vira-se com alguma naturalidade para aí (otários, de facto, já deviam ter percebido o modo de atuação do Estado) e depois mudam-se abruptamente as regras e o investimento feito torna-se completamente desajustado. Não pode ser. Ou o Estado não incentiva o enconsto (I wish...) ou, se incentiva, tem de arranjar estratégias razoáveis de desencosto. Abraços
    (estou a fazer alguma - basta alguma! - fé na afirmação constante da notícia de a mudança faz com "que até 50% dos alunos que frequentam estes estabelecimentos de ensino tenham que mudar de estabelecimento de ensino já no próximo ano lectivo")

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