37. A Condessa de Ecsed, seguida pelo corcunda que
transportava a cabeça escolhida numa bandeja de prata e pelo Confessor,
abandonou a galeria.
Não olhara para mais nenhuma das dezenas de cabeças
perfeitamente alinhadas ao longo das paredes. Não parecia ter em relação a elas
nem o interesse mórbido do sádico nem a satisfação infantil do coleccionador.
Encontrara o que queria, era quanto bastava. Achavam-se agora os três na base
de uma escadaria imponente, que começaram a subir. Os gritos que costumavam
ecoar por todo o castelo iam-se tornando mais definidos e a sua origem mais
precisa, ao mesmo tempo que a escadaria, continuando para além de dois andares
sumptuosos e iluminados, se ia tornando mais estreita e mais escura. O
Confessor tomava agora a dianteira. Tinham iniciado a subida a uma das torres
do castelo e os gritos estavam cada vez mais próximos. Já quase era impossível
ouvir a respiração ofegante do corcunda. A Condessa seguia sem esforço, não se
cansam nem hesitam aqueles que estão habituados a dobrar o mundo à sua vontade.
A escada terminou abruptamente num patamar de cor estranha, e outras pessoas
que não estas três teriam tido dificuldade em suportar o cheiro fétido que
poluía o ar. Com a mão livre, o corcunda abriu a porta que dava para uma sala
de tecto alto e janelas estreitas. Lá dentro, sobre dezenas de estrados
encostados às paredes, jaziam criaturas informes e que pareciam estar em grande
sofrimento. Os gritos do castelo eram amplificações e ecos dos gemidos destes
infelizes indefinidos, pedaços de carne ensanguentada e atravessada por
costuras negras. As enxergas onde estavam deitadas estas figuras lamentosas
eram negras também, mas de um negro irregular, mais negras nuns pontos e menos
noutros, noutros ainda parecendo terem acabado de ser vermelhas. Algumas tinham
manchas amarelas e esverdeadas misturadas com o negro. Todas tinham cheiros
repugnantes. "Amanhã aquelas quatro têm que vir cá acima," disse o corcunda,
aflito como uma dona de casa que recebe visitas. O Confessor calou-o com um
gesto. Na parede oposta àquela onde estava a porta por onde tinham entrado,
via-se um estrado mais alto do que os outros. O que quer que fosse que estava
em cima dele, não se mexia e não fazia qualquer ruído. Mas para além desta
imobilidade, não parecia ser muito diferente daquilo que ocupava os outros
estrados. Pedaços de carne que faziam lembrar membros e partes de corpos
humanos cosidos com uma linha preta. Mas só individualmente considerados,
depois de alguma atenção, tinham os pedaços de carne qualquer semelhança com um
corpo humano, ou com o corpo de qualquer animal conhecido, real ou mitológico.
Um braço que parecia um braço estava cosido a uma coxa que parecia uma coxa,
mas as duas coisas juntas eram uma coisa nova e não se pareciam com nada. Que
criatura poderia ser um dedo e um joelho, um ventre e um cotovelo? Que todo
poderia ser maior do que a soma daquelas partes, tão familiares e tão grotescas
ao mesmo tempo? O Confessor baixou os olhos subtilmente, como se estas fossem
as perguntas que lhe passavam pela cabeça de cada vez que ali entrava. "As
minhas agulhas!", ordenou a Condessa.
Essa condessa de Desce não tinha jeitinho nenhum para "montar" puzzles humanos... trocava as peças todas.
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