51. As buscas terminaram para todos menos para Ada, que recusou participar no luto dos pais.
Não esteve presente no cemitério onde uma lápide foi erguida marcando o lugar de um caixão vazio. Nem na missa onde se encomendou uma alma ausente. Preparou uma mala com algumas roupas, um par de sapatos, uma escova para o cabelo, um caderno e vários lápis, um frasco com o perfume que a irmã usava. Colocou ao pescoço um medalhão com um retrato da irmã, o mais recente que encontrou, e pôs sobre os ombros a missão e a promessa de não regressar até encontrá-la e de nunca regressar se não a encontrasse. Não desistiria. Desapareceria como ela, jurou. Esta promessa fê-la a si própria, desde criança que não acreditava em santos e salvação. Há muito tempo já que não rezava, apenas mexia os lábios nos rituais da igreja, e repetia em silêncio odes romanas quando se ajoelhava à noite de mãos postas ao lado da mãe, que não queria correr o risco de ter a sua alma e as almas das filhas arrebatadas para os céus sem que declarassem com humildade a sua devoção a um deus severo, um deus que perdoa as distrações dos negócios e afazeres do dia, mas não perdoa que estas façam esquecer às suas criaturas o que elas lhe devem. Ada deixou um bilhete aos pais explicando a razão da sua viagem. E saiu de casa com a mala na mão e num bolso a carta e o retrato rasgados que tinham sido deixados na cama da irmã. Durante meses não descobriu nada, nenhuma pista, nenhuma testemunha. Mas reparou que as pessoas estavam dispostas a falar mais com uma jovem educada do que com os agentes brutos da polícia. Nunca se sabe se a polícia quer apanhar-nos, se dizemos coisas inocentes que afinal nos incriminam, pensavam certamente. A polícia desconfia de toda a gente e toda a gente desconfia da polícia. E para mais, falam com as pessoas como se fossem melhores do que elas, chamam tiazinha às mulheres mais velhas, tratam por tu homens já adultos, dão beliscões às raparigas e sopapos aos rapazes. Bebem vinho e não pagam. Uma vez que as suas inquirições não davam frutos, pensou que o melhor seria ter um método para continuar as buscas. Procuraria casos de desaparecimento semelhantes, histórias de jovens roubadas e de homens inquietantes. Alguém como o Conde von Tepes não poderia passar despercebido, ainda que numa cidade se apresentasse como um nobre e noutra como um tanoeiro. Não era possível que não tivessem sido vistos aqueles olhos terríveis e aquelas garras, ainda que vê-los dure menos do que um segundo. Procurou em jornais antigos e recentes notícias que pudessem conduzi-la a algum lado, fez perguntas nas estalagens e nas lojas com balconistas ociosos. E, finalmente, prendeu-lhe a atenção um caso, não de um desaparecimento mas de um regresso. Uma rapariga que se sumira um dia voltou passados anos à sua cidade. Voltou com os olhos cavos e incapaz de falar. Quase não tinha sido reconhecida, mas mostrou um sinal de nascença que tinha num dos pulsos e acolheram-na com comoção. Mais de dois anos de absoluto silêncio tornaram-na uma curiosidade excêntrica, e os miúdos da vizinhança divertiam-se a tentar fazê-la falar. Atiravam-lhe pedras, punham-lhe berlindes no caminho para que escorregasse, chamavam-lhe nomes, mas sem resultado. Havia quem fizesse apostas e perdesse dinheiro. E quem em vão lhe pregasse sustos que sobressaltariam qualquer um. Deixaram-na finalmente em paz e ela passava agora os dias sentada a uma mesa no fundo da taverna dos pais. Quando Ada se sentou à sua frente, abriu a boca como se quisesse dizer alguma coisa, mas nenhum som saiu da sua garganta.
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