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sexta-feira, 27 de maio de 2016
História gótica
70. Se, numa noite de inverno, um viajante. Se, numa noite de inverno, um viajante encontrasse quatro crianças loiras sincronizadas, saberia que tinha chegado ao seu destino. Não porque as encontrasse numa noite de inverno. Há muitas noites de inverno, por exemplo, em Zselyk quase todas as noites são noites de inverno, e se o viajante chegasse ao seu destino numa noite de inverno sem mais, então não viajaria para muito longe, porque não é só em Zselyk que há noites de inverno, elas estão por todo o lado. Não seria sequer merecedor do nome, o viajante. Teríamos que reescrever a frase. Se, numa noite de inverno, um pensionista. Se, numa noite de inverno, alguém que sempre dependeu da bondade de estranhos. Se, numa noite de inverno, uma astronauta. Zselyk não durará até à noite em que um viajante chegará à lua, não saberá se é uma noite de inverno ou um dia de outono. Não saberá qual a melhor estação para enviar alguma coisa para o espaço. Ainda que saiba muito sobre viajantes, muitos têm chegado a Zselyk, vários deles em noites de inverno, quase todos para encontrar o seu destino. Zselyk sabe também que não há nada de floreado no destino, que o destino não é um clímax. É só o fim. Por isso, quando se diz que, numa noite de inverno, um viajante chega ao seu destino, o que se quer quer dizer é que, numa noite de inverno, um viajante chega ao seu fim. E se chegar ao destino não tem necessariamente a ver com noites de inverno, são tantos os fins todos os dias e todas as noites e as noites de inverno não são todos os dias e todas as noites, tem a ver com encontrar quatro crianças loiras sincronizadas. Sempre que, numa noite de inverno, um viajante encontrar ruas molhadas e candeeiros a gás, ou camiões do lixo, ou prostitutos trémulos, não terá chegado ao seu fim, ser-lhe-á dado a escolher se fica e acende um cigarro sob a luz do candeeiro, ou se parte numa direcção de onde não tenha vindo o camião do lixo, ou se oferece um café ao prostituto, este deve ter muitas histórias e um café quente demora tempo a ser bebido, enquanto é, venham histórias tristes e histórias burlescas, histórias grotescas e histórias de cortar o coração, histórias cínicas e histórias de acender velas às escondidas nas igrejas. Seja o que for que decida, continua a ser um viajante porque não pára. E, escolhendo alguma coisa, não podemos dizer que se atrase. Para quem espera num ponto de chegada que um viajante chegue, cada escolha é um atraso. Assim terá sido para Penélope, que nunca dependeu da bondade de estranhos. Assim não terá sido para Ulisses, uma viagem não é o caminho mais curto entre dois pontos, a recta entre um ponto a e um ponto b.
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