Há partes do mundo em que se vive com muito mais violência do que isto diariamente, e também já houve tempos muito mais violentos no passado, logo isto não é o fim do mundo. Talvez houvesse um tempo recente em que nos tivessemos esquecido de que poderia tornar-se violento outra vez. Certamente que, depois do fim da segregação nos EUA, as coisas acalmaram um pouco. Mas quando vou ao supermercado e vejo as pessoas mais velhas que sobreviveram a esses tempos mais conturbados, por vezes, dou comigo a pensar se não me cruzo com alguém que tenha cometido um desses actos que agora fazem parte dos livros de história. Mesmo em Portugal, penso nas pessoas que teriam sido informantes da PIDE.
No entanto, em Chicago, no fim-de-semana do Memorial Day, há meio mês, mais de 60 pessoas foram atingidas a tiro. Nesse fim-de-semana, uma mãe deu graças a Deus por o filho estar na prisão, pois tinha a certeza de que ele teria sido uma vítima se estivesse nas ruas de cidade. E era esperado, tão esperado que o The New York Times enviou uma equipa de jornalistas para acompanhar a tragédia à medida que se desenrolava.
Alguns dos ataques que ocorrem hoje em dia têm um sabor ligeiramente diferente, pois muitas vezes envolvem pessoas de outros países. Julgo que são apenas uma normalização da violência, uma harmonização espacial. É impossível dividir o mundo em pedaços violentos e não violentos e esperar que não haja contaminação, ao mesmo tempo que hoje em dia é tão fácil estar exposto aos mesmos estímulos em diferentes partes do mundo e viajar tornou-se trivial.
A violência também tem uma forte componente contagiosa. Quando há um ataque, há outras pessoas que são sugestionadas para também atacarem. O ataque de Orlando pode ter sido sugestionado pelo ataque durante a maratona de Boston, pois Omar Mateen, o atacante de Orlando, referiu Boston quando fez um telefonema ao 911, a linha de socorro americana.
A primeira vez que vim aos EUA foi para ir estudar em Oklahoma em 1995. Cheguei em Agosto; em Abril tinha-se dado o atentado de Oklahoma City. Timothy McVeigh, a pessoa que o implementou, foi fortemente influenciado por outro evento violento: o cerco de Waco, no Texas, no rancho da seita liderada por David Koresh e que se deu em Abril de 1993, terminando num massacre onde 76 pessoas da seita faleceram.
Mas as sugestões não se ficam por aí, pois também se refere que o pai do atacante de Orlando condenava o estilo de vida homosexual e ele não é o único que condena. Quando abri o Facebook mais tarde, ontem, um conhecido meu homossexual americano referia que na rádio, se tinha dito que o FBI não sabia se isto era um ataque de terrorismo ou um "hate crime" contra a comunidade LGBT. Tendo esse rapaz crescido em Oklahoma, parte do Bible Belt, e tendo sido vítima de discriminação por causa da sua orientação sexual, achava que não havia grande distinção entre ambos os crimes.
Todos os Domingos o Governador do Texas, Dan Patrick, costuma enviar um tweet com um verso da Bíblia. Ontem, o seu tweet às 7 da manhã, horas depois do atentado, foi o seguinte:
Não há grande desculpa; foi, no mínimo insensível, dadas as circunstâncias, e foi fortemente censurado nas redes sociais e nos meios de comunicação. Diz o Governador e o seu staff que não foi intencional, que os tweets são escolhidos antecipadamente, mas isso não apaziguou os seus críticos porque é do conhecimento geral que o governador não aprova a homossexualidade. O tweet ofensivo foi retirado horas depois de publicado. Muitos Republicanos, como muitos cristãos, condenam a homossexualidade, logo a reacção negativa que o Governador recebeu é apenas a tempestade dos ventos que ele próprio semeou antes.
Uma das minhas antigas alunas é muçulmana e ficou extremamente chocada com este ataque e com a reacção a ele. No Facebook, ela pedia para não designarem este atentado de terrorismo, pois também houve atentados como o da igreja de Charleston e o atentado de Chapel Hill contra muçulmanos, ambos de 2015, que não foram designados de actos de terrorismo.
Independentemente do que se chame ou do que seja, é quase certo que este ataque de Orlando servirá de inspiração para outros. Apenas não sabemos quando, nem onde, nem quem será o atacante.
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