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quinta-feira, 16 de junho de 2016
História gótica
83. Gavril quase desmaiava.
Da parede saíram, um de cada vez, o miúdo, Ada, Groesken e Valodu. Cobertos de pó e com um ar tão assustado como o próprio Gavril, os três adultos deram um passo atrás como se quisessem voltar a entrar no buraco de onde tinham saído, mas a criança agarrou na mão de Ada e todos pararam. Gavril recompôs-se passados alguns segundos e, ao mesmo tempo que enxugava o rosto com um lenço, convidou os três desconhecidos a sentar-se à mesa grande da cozinha. Nica e Matriona olhavam de boca aberta para toda aquela gente. "Sopa! Pão! Ainda sobrou alguma coisa do jantar de ontem, não? E vinho!" As mulheres apressaram-se a obedecer às ordens de Gavril, que ia enchendo os copos com um vinho vermelho escuro. "Bebam!", disse, "devem estar cheios de sede." Groesken despejou o copo de uma vez só, dando assim razão a Gavril. "Comam e bebam. Depois a Matriona faz-nos um café e conversamos." A criança tinha-se esgueirado para o seu lugar habitual debaixo da mesa, e mordiscava o biscoito que sempre lhe davam àquela hora. Mesmo com estes visitantes inesperados, Matriona não se esquecera do biscoito, e a criança conseguia ouvir o ruído familiar da respiração das mulheres pelo meio da azáfama. "Shiu!", fez Gavril. "Façam menos barulho, não queremos que algum deles venha cá abaixo, pois não?" As mulheres pousaram com mais cuidado os tachos e travessas em cima da mesa, e os três desconhecidos, apesar de estarem tão esfomeados que nem conseguiam sentir mais nada, deixaram de bater com as colheres no fundo dos pratos. Mastigavam depressa mas em silêncio, enquanto Gavril ia recolhendo a loiça vazia. No final da refeição, Nica trouxe chávenas e café, e as duas mulheres sentaram-se também à mesa, agora com Gavril à cabeceira, irrequieto e atormentado por tiques nervosos. Que uma pessoa que vivia assustada pudesse ter gestos de reserva para mostrar que estava mais assustada ainda do que de costume era da ordem do prodígio. Parecia estar prestes a ter uma apoplexia e uma veia no pescoço tornara-se muito protuberante e latejava com muita rapidez. Como se fosse rebentar a qualquer momento e lançar os olhos para fora das órbitas. O rapazinho continuou onde estava. Já tinha feito a sua parte, pensou. Nem saberia o que dizer àquelas três pessoas que nunca tinha visto antes. Tinha vontade de contar esta aventura a Cosmin, e pensar em Cosmin fê-lo pensar em Atanase. Estranho, pensar em Cosmin costumava fazê-lo pensar nas corridas pelo meio da erva. Que estaria Atanase a fazer na sua cabeça, perguntou-se. Espreitou para o tecto e não o viu pendurado em nenhuma das vigas. A criança sabia que o macaco costumava espiá-los na cozinha, mas porque nunca tinha acontecido nada de diferente por causa disso, supunha que o bicho não contava a ninguém aquilo que via. Por isso não costumava preocupar-se quando o apanhava a balançar-se de viga em viga. Deve estar com o homem do chicote, pensou. E Cosmin também, pobre Cosmin, aposto que preferia estar aqui. Podia servir-me de almofada, estou a ficar com tanto sono. A criança estava enroscada num cobertor perto da braseira que à noite era posta debaixo da mesa. Não foi preciso passar muito tempo para que adormecesse. E quando acordou na manhã seguinte, não conseguiu decidir se tinha sido apenas um sonho a estranha conversa que ouvira, ou sonhara ouvir, ao longo de toda a noite. Duas palavras, em especial, soavam insistentemente na sua cabeça. Gradatim ferociter. Gradatim ferociter. Gradatim ferociter.
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