O meu dry cleaner é turco. Um homem que não dá grande confiança às palavras, e que aparenta ter chegado aos 60s exausto depois de uma longa caminhada. Às vezes todo ele se transforma na introspeção austera com que se esconde de um mundo que, estranhamente, continua a mudar, mesmo depois de já ter terminado de o mudar a ele. No sábado meti conversa sobre os eventos da noite anterior. Acho que foi a primeira vez que falou comigo, para mais que perguntar quando é que queria as camisas prontas. Quer dizer, já antes ele tinha tentado meter conversa, mas o inglês dele não é grande coisa, e, sobretudo, eu sou um bocado surdo. O que dá jeito. Tinha acabado de sair da loja uma rapariga lindíssima, e ele não parecia muito contente. O que talvez se entenda, dado que o negócio dele é roupa. Imagino que gente com pouca roupa não augure nada de bom para quem dela depende.
Bom, estava a dizer que lhe perguntei o que ele achava da situação. Respondeu-me que Erdogan é um patife, que só estará descansado quando todos o reverenciarem como um Deus – enquanto simulava uma vénia. E que os deuses não se vencem pela força. Vencem-se por deixarmos de acreditar neles. Esta parte talvez tenha sido eu a acrescentar.
A verdade é que, neste momento, há demasiada gente com fé – mesmo fé – em Erdogan. Gente que está disposta a sair à rua e morrer por ele. O grupo de miúdos impreparados (assumindo, como eu aliás assumo, que não faz sentido que o golpe tenha sido orquestrado por Erdogan) devia ter percebido isso. Agora será a ira divina e a purga dos incréus.
Luís, da próxima vez que for à lavandaria sugira ao bom senhor que envie uns cartões promocionais para a Chancelaria em Berlim, para a Comissão Europeia e para o Parlamento Europeu. Pode ser que entre saia e gravata para aqui, camisa e saiote para ali, ele consiga mostrar a quem de direito o perigo que Erdogan representa para os países Europeus. Talvez até os inquilinos destas instituições percebam que a tomada de poder pelos militares na Turquia é um presente em ouro sobre azul no combate ao islamismo fundamentalista.
ResponderEliminarErdogan parece-me ser mais um patife que usa o islão para ganhos pessoais (financeiros e políticos). Como qualquer governante europeu fazia há uns séculos atrás com o cristianismo. E como G. Bush fez nos EUA.
EliminarÉ substancialmente mais complicado do que isso. Tem a ver com liderança regional e essa, naquela parte do mundo, só se consegue pela religião. A Síria é o prémio gordo tanto para o Irão (neste caso manter) como para a Arábia Saudita como para a Turquia. Até à chegada de Erdogan os contendores por este domínio eram apenas o Irão (persas, xiitas) e a Arábia Saudita (árabes, sunitas). Com Erdogan a Turquia (turcos, sunitas) entrou nesta competição também e Erdogan pretende substituir-se ao Rei Saudita como líder, primeiramente dos árabes sunitas e, a seguir, de todo o Médio Oriente. Não duma perspectiva pan-arabista laica (ou com a laicicidade possivel em sociedades muçulmanas que é diferente do laicicismo Europeu) como foi o caso de Nasser e, nesse tempo, com razoável aceitação na Síria, mas sim duma perspectiva religiosa que, ao fim e ao cabo acaba por ser a única possivel. Dadas as intenções não restava a Erdogan outra alternativa que não abraçar o islamismo. Algo que, de resto, não é novo nele. Erdogan sempre foi um islamista pelo que não vejo as suas acções como oportunistas. Penso serem genuínas. Os ganhos financeiros para ele próprio são um benefício acrescido.
EliminarEle ser genuinamente um islamista é o que o torna tão perigoso.
Obrigado pela nota. Digo-o com sinceridade, claramente o meu conhecimento da situação turca é insuficiente. Daí citar o meu amigo da lavandaria, em vez de fazer um post com a minha opinião. Mas, ainda assim, arriscaria dizer que um homem que chega à presidência pobre, e é hoje um dos mais ricos da Turquia, de religioso terá pouco, não? Não aí nenhum problema?
EliminarO Luís está a ver a questão da riqueza duma perspectiva cristã católica que condena a riqueza e exalta a pobreza. Não é assim em todas as religiões. No Calvinismo, por exemplo, a riqueza é não apenas valorizada como mostrada até como forma de agradecimento. Para os Luteranos a riqueza é desejada e deve ser obtida, deve lutar-se por ela, mas é preconizada também a modéstia na conduta diária sendo a riqueza é escondida. Para os muçulmanos há regras quanto ao dinheiro (nomeadamente contribuições para os pobres) mas a riqueza é fortemente exaltada e incentiva-se todos os muçulmanos a obter os seus teres e haveres. Não há incompatibilidade nenhuma entre ser muçulmano religioso fundamentalista e rico. Aliás, os líderes (algo que inclui sempre uma componente religiosa) são normalmente pessoas muito ricas.
EliminarZuricher, eu conheço as especificidades religiosas relativamente ao enriquecimento. Mas não creio que haja nenhuma vertente do Islão que defenda que se pode enriquecer por corrupção.
EliminarA corrupção, embora condenada no Corão, não é considerada um crime grave na Sharia. É uma coisa menor para a qual a Sharia não prevê penas específicas e deixa ao critério local de acordo com os costumes de cada sítio. Há ainda questões relativas à origem da corrupção e às intenções relativas à riqueza que cada um acumula independentemente da origem. Embora seja prescrita a lisura nos negócios entre muçulmanos, para os negócios entre muçulmanos e não-muçulmanos a coisa é diferente e tudo é aceitavel se for para o engrandecimento do muçulmano em deterimento da contra-parte. No que toca às intenções, se for para o engrandecimento do islamismo e dos islamitas ou para dar aos pobres, também há poucos limites seja ao que for. Vendo doutro ângulo, os líderes têm o dever de trabalhar de forma a manter a sua grandiosidade.
EliminarIsto na generalidade das correntes do islamismo sunita. Não sei exactamente qual a abordagem dos xiitas nem se há alguma corrente sunita (duvido) que condene especificamente a corrupção, mormente quando advinda de infiéis.
All in all, não é uma coisa particularmente relevante para eles. A abordagem à corrupção nas sociedades islâmicas é substancialmente diferente da abordagem ocidental e, por subordinada a vários outros preceitos, algo muito mais complexo em que a aceitabilidade depende não do acto em si mas de como, com quem e para quê é praticado.
A culpa do desastre do golpe é do Steve Jobs, por ter inventado o iPhone...
ResponderEliminar