As
buzinas e os gritos de alegria ainda soam. Não dá para acreditar. Provavelmente
não verei um outro feito como este do nosso futebol, da nossa selecção, de
todos nós. O sentimento de irmandade e de pertença a um território com
características definidas, com uma História riquíssima de séculos fez acordar o
Adamastor que cada um carrega no seu peito. Para quem acha que o futebol são
apenas 11 pessoas de cada lado a correr atrás de uma bola, sair às nossas
cidades e ver a alegria estampada nos rostos de gente de tantas proveniências é
simplesmente arrepiante.
Pouco
ou nada percebo de futebol. Mas este campeonato e a final não foram apenas uma
sequência de jogos. Tratou-se da vitória dos maltrapilhos, dos mal-amados, em
que poucos acreditavam. Eu e tantos não acreditámos. Falhámos. E ainda bem! A
equipa francesa jogou feio e duro, em jogadas claramente estudadas, dirigidas a
alvos definidos. Quando se perde um capitão com a influência de Ronaldo,
espera-se que o barco afunde. Mas a nau manteve-se firme. Aguentámos. Foi a
vitória da resiliência, daquela que percorre o País de alto a baixo de quem
trabalha, de quem, na Diáspora, cria riqueza para outros Estados, mas nunca
esquece este pedaço de terra que tanto amamos.
Não
é tempo para nacionalismos bacocos. A vitória na final é tudo menos serôdia. É
de um cosmopolitismo impressionante, por ser o da simplicidade, do espírito de
equipa, do apagamento dos egos individuais. E a sorte? Lá esteve, como em tudo
na vida. Ela dá trabalho, sorri aos audazes e demonstrou uma vez mais que não
falha a quem, contra ventos e marés, resiste e acredita num objectivo.
Mobilizador. De todos. Por cada um.
Metáfora
acabada do esforço colectivo, a inteligência de Fernando Santos, que tantos
incompreendemos, merece que lhe digamos “touché” ou “chapeau”. Podemos jogar
mal e feio, mas não precisámos de golpes baixos como aqueles a que assistimos
por parte dos gauleses. Em Paris, onde as velhas porteiras e os trolhas vão
sendo substituídos por profissionais mais qualificados, diplomados, por uma
emigração devida à falta de oportunidades, mas também ao nosso espírito
universalista.
Não
ficou magicamente tudo bem com a conquista do campeonato europeu. Bem sabemos
que o “circo” ajuda a política. Mas também não ignoramos que qualquer Povo
necessita de exemplos inspiradores nos quais se veja retratado. Este é de uma
assinalável magnitude. Se o soubermos ler, acordaremos cada dia mais
confiantes, com vontade de fazer acontecer, mudar, transformar este Estado que
tem condições para dar aos seus cidadãos motivos de orgulho pelo nível de
crescimento económico, social, cultural e humano. É essencial festejar os
grandes feitos sem perder a noção de que o futebol não é um qualquer D.
Sebastião.
Éder
não o é, nem Cristiano, nem Rui Patrício. O nosso futuro faz-se da força deste
colectivo, alimenta-se do espírito de entreajuda, de luta por ideais comuns, em
qualquer campo das nossas vidas. O desporto é das realidades mais complexas que
o ser humano conhece, de entre outras, pelas implicações sócio-culturais e
psicológicas que comporta. O corpo é uma ferramenta do espírito e, tantas
vezes, um substituto desse mesmo espírito.
Portugal
não acordará com menos défice, com melhor educação, com maiores condições
culturais. Porém, despertará com um exemplo eloquente do que é preciso fazer
para crescermos: força colectiva na individualidade singular de cada Português.
Afirmação no mundo de uma Pátria orgulhosa de si, confiante, que deixa de vez o
miserabilismo auto-conformista, o olhar para o umbigo depressivo e que, por
entre derrotas e vitórias, aspira a mais.
Falta-nos
um projecto colectivo; carecemos de ideais. Não nos serão dados pelo futebol ou
por um passe mágico. Mas não compreender a força inspiradora de momentos como
este é ignorar os ensinamentos básicos da Sociologia e da Psicologia. Por isso,
ter sido um Português como todos nós, de cor negra, a fazer o golo da vitória
assume um particular significado em um país ainda muito racista: não do mais
ostensivo, mas do que mói os ossos da alma e, assim, calcifica de geração em
geração.
As
barreiras foram muitas, desde o jogo sujo da final à campanha que, começando em
cada um de nós, nos diminuiu, nos apresentou como indignos de uma final, como
se apenas os eleitos do centro da Europa fossem verdadeiramente a essência
deste continente. A equipa de Portugal era Ronaldo e mais 10. Viu-se. Ronaldo
jogou dentro de linhas e, sobretudo, fora delas, a dado passo sendo ele e
Fernando Santos uma única voz que inspirava quem estava a lutar pela bola.
Sabemos todos que Cristiano tem virtudes e defeitos; afinal, ele é só humano…
Como nós. Mas deu agora uma prova inolvidável da sua grandeza.
Estamos
todos de parabéns! Obrigado a toda a equipa de jogadores, técnicos e
dirigentes. Gratos todos aos nossos concidadãos que, em França e por todo o
globo, passarão ainda a ter mais orgulho de afirmarem a sua nacionalidade. Os
problemas continuarão, mas se na vida jogarmos como nesta final, a vitória está
garantida!
Bem escanhoado.
ResponderEliminarEu não ligo grandemente a futebol. De vez em quando sigo um campeonato, mas nem foi o caso deste. Só vi a final, na sala dum dos meus irmãos a aboarrotar de gente (a minha cunhada fazia anos), sobretudo mulherio porque a maioria dos rapazes tinha ido ver a final com os amigos, mas bem assessorada por uma das minhas sobrinhas, futebolista, que ia explicando as faltas ("perna levantadas acima de não sei quê é jogo perigoso", etc e tal) para os e as ignorantes que chegaram a perguntar "o que é que aconteceu ao Reinaldo". Mas uma coisa é certa: deve haver poucas actividades no mundo (e em Portugal nenhuma) em que a conjugação do talento e do trabalho tem uma recompensa merecida. É de facto fantástico ver aonde podem chegar miúdos que cresceram na Musgueira, num lar de acolhimento, em famílias pobres do Funchal ou alhures. Só isso, e o conto moral deste campeonato ganho a poder de cerrar os dentes e ir em fente, já valia a pena. Viva!!!
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