Como o meu carro esteve no médico hoje, trabalhei em casa. Ao fim da tarde, pedi boleia à J. para me levar à garagem buscá-lo. Quando cheguei a casa dela, pediu-me para imaginar o que lhe tinha acontecido. Não fazia ideia. Tinha sido o filho da nossa antiga vizinha, a A., que foi para o alojamento de terceira-idade assistido, que lhe tinha telefonado a perguntar se lhe podia ser de assistência. A J. não fazia ideia do porquê da oferta e ele explicou: tinha visto alguém a entregar-lhe comida um dia, quando foi tirar fotos à casa antiga, que está prestes a ser demolida, e presumiu que estivesse doente. Adivinhem quem era o alguém... Rimo-nos as duas. Antes que ela terminasse a história, quando soube quem tinha telefonado, interrompi-a -- interromper os outros é um dos meus piores vícios -- e tentei adivinhar o resto. Pensei que ele tivesse perguntado se ela precisava de alguma coisa por causa das nespereiras.
Numa das minhas visitas anteriores, tinha confidenciado à J. que, sempre que passava em frente da casa, apetecia-me roubar umas nespereiras que tinham nascido no canteiro porque ninguém apanhava a fruta caída no chão. (Acho que a primeira vez que fui feliz em Houston, na minha vizinhança, foi quando quase bati com a cara numa nespereira, enquanto passeava os cães.) Só que ainda não tinha encontrado vontade de cometer o crime. Aliás, será que seria mesmo crime, dado que os donos novos vão demolir aquilo tudo. A nespereira vai ser morta. E cada vez que eu lá passo à noite, ouço os sapos a cantar no meio da vegetação, e cai-me o coração aos pés -- aqueles sapos vão morrer todos e, se calhar, alguns dos meus bebés sapinhos também lá estão. Pronto, já estou a chorar por causa dos meus sapinhos. Ser avó de sapos é muito duro emocionalmente...
Na sexta-feira passada, quando cheguei do trabalho, a J. telefonou a perguntar se eu estava em casa. Estava, era o fim-de-semana de o Alf e o Chops irem para o pai e estava a prepará-los porque já eram quase 18 horas. Ela disse que ia passar rapidinho em minha casa para me entregar algo, porque o jogo estava quase a começar e não podia demorar muito. Pensei que fosse os pyrexes da comida que eu lhe levo, mas quando chegou trouxe-me o cestinho onde eu lhe tinha dado um pêssego e um tomate dos que a minha chefinha me tinha trazido do Farmer's Market de Fayetteville, AR, um bocado de pesto de coentros que ela tinha feito, e várias nespereiras bebés, que ela tinha ido apanhar para eu plantar. É como se um pedacinho do jardim da A. tivesse vindo para minha casa.
Quando ela começou a contar a história do filho da A. telefonar, pensei que ele a tivesse visto ir às nespereiras, mas ela garantiu-me que não havia ninguém na rua que a tivesse visto. Há quem corrompa a juventude; eu corrompo senhoras nonagenárias...
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