Hoje quero
adiantar outra razão: a duração dos ciclos políticos. Digamos que há três
cenários possíveis:
- O cenário feliz – o governo tem recursos suficientes para alargar a sua base de apoio. Predomina o discurso positivo, otimista, da obra feita. O adversário pode ser ignorado ou menosprezado porque não tem capacidade para competir com tal fartura de recursos.
- O cenário neutro – o governo tem apenas recursos para manter a sua base de apoio. Aqui temos o discurso tipo “the best is yet to come”, com alguma atenção ao adversário para evitar que este possa formar uma coligação alternativa ganhadora. Promessas têm de ser feitas para manter intacta a base de apoio.
- O cenário infeliz – o governo não tem recursos para manter a sua base de apoio. As promessas não são credíveis perante um desempenho insuficiente. Predomina o discurso do medo, da ameaça, do diabo desconhecido, do estilo sem substância.
Vejamos o que
aconteceu em Portugal desde 1985:
Cenário
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Eleição
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Variação (%) do Partido do Governo (relativamente à eleição anterior)
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Partido no Governo
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Feliz
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1987
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+20.4%
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PSD
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Neutro
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1991
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+0.4%
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PSD
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Infeliz
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1995
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-16.5%
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PSD
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Neutro
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1999
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+0.3%
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PS
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Infeliz
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2001
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-6.3%
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PS
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Infeliz
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2005
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-12.9%
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PSD/CDS
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Infeliz
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2009
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-8.5%
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PS
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Infeliz
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2011
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-8.5%
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PS
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Infeliz
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2015
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-11.9%
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PSD/CDS
|
Conclusão: cenário
feliz só mesmo em 1987, com os fundos comunitários a chegarem pela primeira vez.
Foi a sorte grande de Cavaco. Depois temos um ciclo neutro, em que os partidos
conseguem manter a sua base de apoio por uma legislatura, mas acabam por a perder
na seguinte. E assim chegamos a 2001. Desde aí predomina o cenário infeliz.
Nenhum partido consegue manter a sua base eleitoral de apoio. Com a entrada no
euro e a estagnação económica, os sucessivos governos simplesmente não sabem
como resolver os problemas e perdem imediatamente uma parte importante dos seus eleitores (o eleitorado infiel claro). Portanto,
predomina o discurso do medo e do diabo, o discurso da claque, porque o
desempenho não é convincente para agarrar a coligação de votos que permitiu o regresso ao poder. A única diferença é que o PS levou duas eleições para
perder o governo (2009 e 2011), enquanto a direita perdeu sempre logo na
eleição seguinte (2005 e 2015).
Temos, pois, dois
fatores a puxar na direção do discurso de claque em detrimento do debate
saudável, abstenção crescente do eleitorado infiel e ciclos políticos curtos
(ausência de recursos para manter a base eleitoral). Mas ainda há mais. Fica
para o próximo post falar dessas outras causas! Daqui a umas semanas!
Caro Nuno Garoupa:
ResponderEliminarFiquei com curiosidade desde o 1.º post em relação às razões.
É que para mim há uma ainda não enunciada, talvez a mais importante.
Veremos se também a considera.
Excelente!
ResponderEliminar(há por aí phd em politologia aplicada?)
Li recentemente no Financial Times dois artigos que, de algum modo, explicam a radicalização maniqueísta do discurso político e, se os argumentos são sólidos, a abstenção e os cenários políticos serão consequências e não causas da radicalização em voga.
ResponderEliminar"What happened to the language of politics?"
http://www.ft.com/cms/s/0/284035b0-6a2d-11e6-a0b1-d87a9fea034f.html?siteedition=intl
"Capitalism and democracy: the strain is showing"
http://www.ft.com/cms/s/0/e46e8c00-6b72-11e6-ae5b-a7cc5dd5a28c.html#axzz4JEIibwxn
Ou não?
Dois comentários rápidos. Eu defendo que o processo de “diabolização” atual é o resultado de um conjunto de fatores que começam a surgir em 1995. Parece-me pois que a abstenção e os cenários políticos dos últimos vinte anos explicam, em parte, a “diabolização” hoje. Mas também aceito que as tendências da abstenção e dos cenários políticos se tenham agravado em função da crescente “diabolização”. Portanto aceito perfeitamente que a causalidade vá nos dois sentidos. Quanto aos artigos, não me parece que tudo se aplique igualmente a Portugal. Desde logo porque a economia e a sociedade estão em crise desde 2000, o que não é verdade nos Estados Unidos ou no Reino Unido. Em contrapartida, tudo o que seja o papel dos OCS, das televisões e das redes sociais na forma como condicionam e deturpam o espaço público, acho que há muitas semelhanças.
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