Em artigo de opinião
no PÚBLICO, de 7/9/2016, a Sra. Ministra da Justiça lançou a ideia de
criar um “Observatório para a Justiça Económica”, apelando aos contributos dos
ditos “operadores judiciários”, da “sociedade civil, parceiros sociais e
academia”, com vista a prevenir “crises futuras”. O repto merece reflexão,
mesmo que lançado de forma assaz vaga. Muitos dirão que uma estrutura deste
tipo não tem razão de ser, por se tratar de mais um ente que vai estudar e
propor medidas, quando os problemas há muito estão identificados.
As estatísticas podem
sempre ser lidas de variegadas formas, mas com base nas oficiais,
disponibilizadas pela Direcção-Geral da Política de Justiça, verifica-se que o
número de acções executivas tem acompanhado o estado da economia. Assim, se no 1.º
trimestre de 2007 existiam cerca de 956.000 processos pendentes, o seu número
foi aumentando até 2012, altura em que ultrapassaram os 1.235.000. A partir
desse segmento temporal, assiste-se a uma inversão progressiva, apontando os
últimos dados do 1.º trimestre de 2016 para um total de pouco mais de 892.000
acções cíveis pendentes nos Tribunais judiciais. A taxa de resolução processual
tem acompanhado a mesma linha evolutiva, embora com uma quebra em 2015, sendo o
ano de 2014 (no período entre 2007 a 2016) aquele que apresentou melhores
resultados. É de salientar que, este ano, o número de processos findos
tendentes a “cobrar dívidas” (para simplificar a linguagem) não andou muito
longe de quase o dobro dos entrados.
Por seu turno, um outro
relevante analisador contende com os processos de falência, insolvência e
recuperação de empresas e os processos especiais de revitalização, por permitir
medir o pulsar da actividade económica das empresas e o nível de endividamento
das pessoas singulares. À semelhança do ocorrido com as acções executivas,
também aqui se assistiu a um brutal aumento de processos entrados (cerca de
1000 em 2007 e 5500 em 2012), a que se segue uma muito paulatina diminuição entre
2012 e 2016. De salientar, todavia, que a taxa de resolução (diferença entre os
entrados e os findos) tem vindo a aumentar, o que demonstra uma maior eficácia
dos tribunais (em especial de comércio), com a redução do tempo médio de cada
processo de 10 meses em 2007 para 3 meses no corrente ano. As insolvências
apresentam tendência crescente (cerca de 700 em 2007 e em torno de 3500 em
2016), com uma muito baixa taxa de recuperação de créditos (cerca de 15% em
2016).
Embora inexista uma
relação de tipo mecanicista-causalista entre a crise económica e o aumento da
taxa de criminalidade, certo é que as nossas prisões, analisando apenas os
últimos 5 anos, têm conhecido um aumento da taxa de sobrelotação, permanecendo
os delitos contra o património os mais representativos na população prisional.
Boas notícias, ao invés, vêm do sistema de justiça de menores, onde o número de
jovens internados em centros educativos tem diminuído, em especial de 2011 a
2015.
A crueza dos números
aponta para um sistema de justiça onde a cobrança de créditos ocupa grande
parte dos recursos disponíveis, mesmo que a informatização dos últimos anos
tenha trazido enormes vantagens. A criação da figura do “agente de execução”,
de início mal aplicada e com profissionais que necessitavam de mais formação,
parece vir-se estabilizando, à custa de um considerável aumento do custo do
acesso à justiça. Este um dos pontos a necessitar de uma urgente intervenção do
Governo. Os dados internacionais vão no sentido de que não andamos longe da
média dos Estados da UE no que toca ao número de magistrados, ao contrário do
que se passa com os técnicos de justiça, esses claramente em número
insuficiente. Nova chamada de atenção de há muito sentida.
No específico domínio
penal, não ocorreu o que muitos vaticinaram ser um exponencial aumento da
criminalidade em resultado da mais grave crise económico-financeira do Portugal
democrático, o que não obsta ao aumento de reclusos. Não é correcto dizer, em
abstracto, que as sanções substitutivas devem ser mais aplicadas, pois só
casuisticamente a resposta pode ser dada, sob pena de implosão das finalidades
do sancionamento. O Direito Penal serve para prevenir a prática de futuros
crimes, actuando sobre a sociedade no seu conjunto e sobre o concreto
delinquente. Neste último ponto, tardam as medidas constantes do “Programa de
Governo” quanto ao aumento de técnicos de reinserção social e à criação do
correspondente às halfway houses, as
quais permitam aos recém-libertados uma estrutura de apoio na sua reintegração
social. Do mesmo passo, embora em moldes bastante diversos do que hoje ocorre
com a Lei n.º 21/2007, é essencial reactivar a mediação penal, corrigindo
monumentais falhas técnicas e incentivando os magistrados do Ministério Público
ao seu recurso, desde logo alterando alguns aspectos do seu regime de inspecção
e avaliação.
Necessitaremos, pois,
de mais um Observatório? Eu diria que bastaria que técnicos dos Ministérios da
Justiça, Finanças, Economia, Planeamento e Infraestruturas se reunissem entre
si e periodicamente com aqueles que a Sra. Ministra bem convoca a este desígnio
nacional. O tempo não é de diagnósticos, há muito certificados, mas de adequadas
terapêuticas.
Achei a ideia de um novo observatório ridícula. Acho que não é preciso um observatório para ver que há empresas que têm verdadeiras máquinas que inundam os tribunais de dívidas sem mérito e que bastava o tribunal ser mais cauteloso em verificar a papelada das empresas para o número de processos diminuir. Também gostaria de ver alguém a processar empresas que abusam do sistema, assediam os consumidores, e têm comportamento de verdadeiros abutres económicos.
ResponderEliminar"Também gostaria de ver alguém a processar empresas que abusam do sistema, assediam os consumidores, e têm comportamento de verdadeiros abutres económicos."
EliminarRita acredito que já existe uma estrutura governamental com atribuições próximas :
http://www.consumidor.pt/ms/1/default.aspx?pl=&id=5004&acess=0
Efetivamente tendo em conta o abusos cometidos em larga escala por exemplo pelas empresas de telecomunicações, acredito que efetivamente esta estrutura não está a cumprir bem o seu papel.
Cem por cento de acordo, Rita.
EliminarO que irrita é que eles, os agentes da justiça, sabem que é assim mas é assim que ganham a vida.
E nada fazem para que sejam aprovadas regras que alterem esta pouca vergonha das Meo, Nos, Vodafone, Edp, and so on ...
As invenções organizacionais já foram demasiado longe e, ao que parece, também existe demasiada gente a conformar-se com as mesmas, ora sob um nome ou com outro.
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