segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Veludo Azul...

De vez em quando, os EUA são um bocado com o início de Veludo Azul, o filme de David Lynch: tudo parece bem e, de repente, algo de surreal acontece. Esta manhã foi assim.

Na semana passada, recebi um postal para participar na network social da nossa vizinhança no NextDoor. Eu já participo na da minha vizinhança de Memphis, mas ainda não me tinha inscrito na de Bellaire; o postal foi a minha dica. A vizinha que mo enviou tem o apelido Duarte e o primeiro nome não me parecia português; depois de me adicionar ao grupo, vi que ela nasceu no Brasil. Ainda nem lhe enviei nenhuma mensagem em português.

Enquanto estava a tomar o meu chá e a minha torrada, dei uma vista pelo NextDoor e a vizinha Duarte tinha acabado de publicar que havia um atirador à solta no cruzamento Bissonnet/Weslayan. Sabem a Bissonnet, aquela rua esburacada de que já vos mostrei? Até vos fiz um vídeo que, por coincidência, começou neste mesmo cruzamento. Eu, que estava meia a dormir, pensei que fosse num cruzamento mais abaixo: a Bissonnet/Bellaire; depois li outra vez e acordei. O cruzamento onde se deu o tiroteio é onde passo todos os dias para ir para o trabalho e onde há uma pequena zona comercial. De vez em quando, vou à mercearia Randall's, compro a comida dos meus cães na Petco, e há umas semanas, do outro lado da rua do tiroteio, fui ao Skeeter's almoçar com uma rapariga portuguesa, super-simpática, que tinha entrado para o grupo portugueses em Houston recentemente. Ela vive mesmo nessa área e ouviu a comoção esta manhã dos helicópteros e das sirenes da polícia.

Com as redes sociais, a notícia espalhou-se rapidamente e os meus amigos todos no Facebook andavam aflitos a ver se eu estava bem. Por enquanto estou, mas os EUA são um bocado estranhos. Há muitos "acidentes" que acontecem. Em 2014, demorei-me um bocado para sair para ir almoçar a casa e, quando conduzia, notei que havia um helicóptero a sobrevoar à minha frente. Cerca das 12:30, um assaltante estava a tentar escapar à polícia num carro e chocou contra o Starbucks onde eu costumo ir. O cruzamento Bissonet/Rice estava bloqueado, o carro dele todo espatifado no meio da rua, e o corpo dele se calhar ainda lá estava dentro quando passei por perto porque a ambulância ainda estava em cena. Se eu tivesse saído à hora normal, se calhar tinha assistido.

Mas sorte, sorte, foi só ter morrido ele. Aquele Starbucks é pequenino, mas tem muitos clientes regulares, há muito senhores africanos que o frequentam e é normal juntarem-se na esquina do café a fumar e a conversar. Quando eu vi a cena imaginei logo o pior: que um deles tivesse sido esmagado durante o embate. Só houve alguém que ficou com alguns ferimentos ligeiros por causa do vidro estilhaçado. Uma senhora num carro teve alguns ferimentos também. Quase que vos contei esta história porque o Starbucks ficou fechado durante alguns dias e os clientes meteram um pedaço de papel a dizer que tinham saudades de eles estarem abertos, que gostavam muito dos empregados, enfim, as lamechices habituais dos americanos: "We miss you, we love you, come back soon!"

O atirador de hoje era um advogado, Nathan DeSai, que conduzia um Porsche Boxster preto, e tinha um curso de Direito da Universidade de Tulsa e um bacharelato em Psicologia da Universidade de Houston. O meu vizinho de gabinete, que é indiano, acha que DeSai é um nome indiano também, mas o Nathan parece ser ocidental segundo a foto do LinkedIn. Um vizinho meu no NextDoor dizia "Who terrorizes people with a Porsche Boxter? Gay" Pois, é uma mariquice não arranjar um Hummer para aterrorizar os vizinhos, até porque ele tinha-se dado ao trabalho de arranjar muitas armas e estava vestido com indumentária a rigor.

Parte do tiroteio deu-se em Law St. -- as coincidências... Houve vários feridos ligeiros e um em estado crítico. Um dos senhores, que foi apanhado pelo fogo cruzado, chama-se Eduardo Andrade (a sério!), tem 42 anos e ia a caminho do ginásio. Não foi ferido, só o carro sofreu danos. Dizia ele que tudo tinha sido tão aleatório. Sim, se reduzirmos tudo ao essencial, é mesmo tudo aleatório.

E ainda não é desta que eu vos conto o meu final de ano de 1999, que também meteu armas, assaltantes, FBI... Mas isso foi em Baton Rouge, Louisiana.

P.S. Esqueci-me de dizer: anda tudo armado até aos dentes por estas bandas, mas depois é sempre a polícia que apanha estes fulanos. Os good guys with guns são muito bad a manter a ordem...

1 comentário:

  1. Que agitação! E fico curioso por saber do teu fim de ano de 1999. Armas, assaltantes, FBI e tudo isso no Louisiana, fico realmente curioso. Uma coisa dessas no Louisiana é substancialmente diferente de episódio idêntico no Maryland ou em Rhode Island. No Louisiana tem sempre um je-ne-sais-quoi de calor local acrescido que dá cor.

    Já agora, realmente um Porsche Boxter com um tipo aos tiros lá dentro é algo meio fora de sítio. Assim como uma senhora vestir calças de ganga todas rotas e, em cima, uma blusa de folhos. Há algo fora de sítio. Curioso teres falado em Hummer. É, dos tempos recentes, o meu jeep favorito. Para ter, o H2 que é um carro que tem chapada a minha cara. Gosto muito do H1 também mas não me vejo a conduzir um. O H2 tem um ar duro, forte além de ser super confortavel. O H1 é excessivamente agressivo para o meu gosto e nada confortavel. O H3 simplesmente prefiro esquecer-me que ele existe.

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