Hoje, quando vim dar o almoço ao Alf e ao Chops recebi um telefonema a respeito do IndyMac Bank, que foi um dos bancos que contribuiu para a crise financeira. O IndyMac foi o banco que comprou ou geria as nossas primeiras hipotecas.
Em 2004, eu e o meu marido decidimos comprar casa, mas apesar de termos "bom crédito", não tínhamos 20% do preço da casa para dar de entrada, logo um banco normal não nos financiava a casa. Como não queríamos pedir dinheiro emprestado aos pais porque já éramos pessoas crescidas, fomos falar com uma empresa que faz o que os americanos chamam de "originação" de hipotecas (mortgage origination), que se especializa em hipotecas de maior risco do que as hipotecas convencionais. O nosso empréstimo foi financiado com dois empréstimos: uma hipoteca convencional, por 80% valor do empréstimo, e uma linha de crédito que cobria o resto.
Na altura, as hipotecas convencionais eram garantidas pelo governo americano, por isso é que só financiavam até 80% do capital. Depois da crise financeira, quando os bancos deixaram de emprestar dinheiro, o governo permitiu que se financiasse empréstimos apenas com 3% de entrada, mas para obter esses empréstimos, as pessoas tinham e têm de ter crédito muito bom, prova de rendimento, poupanças pessoais, e eles verificam muito mais informação, como dívidas a cartões de crédito e história de pagamento dos mesmos, outros empréstimos, os últimos 12 meses de extractos bancários, tendo-se que justificar depósitos e levantamentos mais avultados, etc.
O rapaz que preparou os nossos empréstimos em 2004 era o J. Stoner -- talvez não devêssemos ter usado um rapaz cujo último nome era "Pedrado", mas enfim... -- e as nossas conversas com ele era, no mínimo, interessantes. É claro que podia financiar o nosso empréstimo e, a propósito, a linha de crédito era tipo um empréstimo balão e os nossos empréstimos eram capazes de ser "enrolados" com outras hipotecas e vendidos ainda antes de nós assinarmos o contrato de compra e venda -- ah, os gloriosos anos 2000!
Eu não percebia muito bem o que ele dizia e suspeito que ele também não, mas levei o meu computador para as reuniões e simulei as hipotecas em Excel. Os números da linha de crédito que ele dava não batiam certo com os meus e eu pedia-lhe explicações acerca do porquê. Ele não sabia dar-me, apenas me mostrava a calculadorazita dele e os números que ele produzia e eu mostrava-lhe o écran do meu computador. Passámos algum tempo assim, em que eu fazia perguntas e ele não sabia responder.
Finalmente, percebi o que ele dizia. Num empréstimo balão, o pagamento cobre os juros, mas não cobre o total do capital emprestado e, na data em que o empréstimo vence, temos de pagar o capital que ainda está em dívida. Eu disse-lhe que preferia um em que o pagamento cobrisse tudo, mas ele dizia que não dava, para além disso não interessava porque nós íamos refinanciar a propriedade que iria sempre apreciar, logo era irrelevante. O Mr. Stoner tinha muitas certezas acerca do mercado imobiliário americano em 2004.
Assim financiámos a nossa primeira casa, só que nós enviávamos dinheiro extra para pagar o capital em dívida mais depressa do que o estipulado. Normalmente, nos EUA, não há penalização por se enviar pagamento extra do capital em dívida. Os nossos empréstimos foram vendidos a alguém que usava o IndyMac como "gerente" de hipotecas (mortgage servicing), nós não sabíamos quem era o dono deles, até podia ser o IndyMac. É impossível saber o dono destas coisas porque os empréstimos fazem parte de instrumentos de investimento que são transaccionados no mercado. Em 2008, o IndyMac foi ao ar e a FDIC (Federal Deposit Insurance Coorporation, uma empresa do governo federal americano, a tal que faz o seguro dos depósitos bancários) tomou conta do banco tornando-se no seu guardião (conservator).
A nossa linha de crédito eventualmente foi parar a outro gerente de hipotecas, o Ocwen, mas não sei muito bem as voltas que deu até lá chegar. O Ocwen foi processado num "class action lawsuit" e houve um acordo entre as partes. Hoje uma menina simpática telefonou à procura do Mr. ou da Mrs. T. A Mrs. T. sou eu porque a menina não sabia que eu não mudei o meu nome para o do meu marido. Queria então saber se nós estávamos abrangidos pelo acordo, se tínhamos pagamentos delinquentes ou se a hipoteca tinha sido executada. Não, nem sequer temos a propriedade; já foi vendida.
Nestes últimos meses, tenho andado a pensar nas outras pessoas que tinham empréstimos deste tipo ou pior e que venceriam nos próximos anos, mas parece que estas empresas foram processadas e os acordos obrigam-nas a refinanciar os empréstimos em condições mais favoráveis. Quem se porta mal, acaba em tribunal: é trigo limpo, farinha Amparo!
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