A Mafalda escreveu um texto bastante interessante e estimulante sobre o populismo de Trump e a sua eventual correlação com os
perdedores e ganhadores da globalização. Se bem entendi a Mafalda, esta tese
tem vários problemas. Primeiro, não é certo que os perdedores sejam um fruto da
globalização, porque, afinal de contas, sempre houve perdedores e a “destruição
criativa” gera-os automaticamente, com ou sem globalização. Segundo, alguns
estudos parecem sugerir que os eleitores de Trump não são propriamente “perdedores”,
têm até rendimentos acima da média, apesar de muitos viverem em bairros pouco
recomendáveis. Bem, por onde é que hei-de começar? A globalização gera ou não
perdedores? Gera, claro que sim. A maioria esmagadora dos economistas defende o
comércio livre. Acreditam que, no fim, o bolo aumenta para todos os países
envolvidos. Todavia, nos anos 1940, os economistas Paul Samuelson e Wolfang
Stolper (o teorema Stolper-Samuelson) chamaram a atenção para o facto de, em
cada país, haver grupos que ficam relativa e absolutamente pior em termos de
rendimento com a abertura das fronteiras. Os autores, claro, não defenderam por
causa disso o proteccionismo. Mas sublinharam a necessidade de compensar os “perdedores”,
redistribuindo o rendimento total, que, de qualquer maneira, aumentaria com
a liberalização do comércio.
Ao contrário do que previam muitos autores de esquerda há 20
anos, presos às teorias do imperialismo de Marx e Lenine, a globalização não
foi apenas um estratagema dos países mais ricos para explorarem os países mais pobres.
Na verdade, houve milhões de pessoas que foram tiradas da pobreza. Globalmente,
o mundo ficou melhor. Mas, de caminho, houve grupos que perderam, nomeadamente
nos países mais ricos. Stolper e Samuelson não se enganaram nas suas previsões.
E esses grupos acham que não foram devidamente compensados pelas suas perdas
relativas e absolutas.
Todavia, em meu entender, esta nem é a questão principal. Podemos
até dizer que os eleitores de Trump não têm muitas razões
para se queixar porque, afinal de contas, nem vivem assim tão mal e é errado
atribuir à globalização a causa dos seus problemas. Mas o que interessa é a
percepção que as pessoas têm do problema. Até podem estar enganadas (e, como
disse acima, se calhar nem estão completamente enganadas), mas,
provavelmente, muitas acreditam que a abertura da América ao mundo lhes está a
piorar a vida e a dos seus filhos. Mais grave: acham que ninguém se preocupa
com esse facto. Trump deu voz a essa gente e, como todos os populistas, promete criar uma fortaleza contra os invasores.
Hoje estava a pensar numa história que me aconteceu e que hei-de partilhar num post a sério. Quando eu estava a fazer o doutoramento na Oklahoma State University, tive a cadeira de Econometria Avançada. Havia muitos alunos que eram fracos, muitos porque eram internacionais e tinham dificuldade com o inglês, e havia um aluno americano que não era fraco de todo, mas sabia falar melhor do que sabia fazer matemática.
ResponderEliminarÀs vezes, na aula, o professor fazia revisão de coisas básicas o que eu achava uma perda de tempo e dizia que toda a gente ali já devia saber aquilo. O colega americano chateou-se comigo, disse que eu não pertencia naquela universidade, era demasiado boa, devia ir para um sítio cheio de pessoas brilhantes, como as das Ivy League, onde eu me devia sentir desafiada -- "challenged". Ele quase me pôs fora da sala.
As universidades da província deviam ser para pessoas como ele porque o seu "grand-daddy" foi para os EUA e lutou para que ele pudesse ter oportunidades. (Só que ele não queria lutar para ter melhor nota...)
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ResponderEliminarTrump deu voz a muito mais do que apenas esses, caro José Carlos. Trump está a dar voz a todos os que se sentem, duma forma ou doutra, afectados pelo politicamente correcto em todas as suas facetas sendo o não poder falar-se contra os imigrantes uma dessas. Trump está a dar voz a toda essa gente e muito mais. Daí vem a sua popularidade.
ResponderEliminarO proteccionismo, de resto, não é um exclusivo de Trump. Ele é simplesmente mais sonoro a faze-lo e aí está o grande, grande problema dele: é pior que um elefante em Cévres. Na Alemanha está a ganhar força na imprensa económica a ideia de proibir a aquisição de mais de 25% das empresas Alemãs por não-residentes do EEE. O governo Alemão já assumiu estar a estudar o assunto. A forma como a UE está a pretender tratar o Reino Unido após o Brexit anda pelas mesmas linhas, também. Mesmo nos US, a actual administração está a ver como pode impedir as importações de aço da China. Pode compilar-se quase uma lista telefónica com as medidas de cariz proteccionista que vêm sendo adoptadas nos últimos 3-5 anos. O proteccionismo está na moda outra vez...
Que não se infira daqui o meu apoio ao proteccionismo, entendamo-nos.
Completamente de acordo. O sucesso inesperado de Trump representa também um grito de revolta contra o politicamente correcto, muita gente está farta de ser perseguida e fiscalizada por brigadas que lhe dizem constantemente o que pode ou não dizer e fazer.
EliminarCuriosamente percebi o texto da Mafalda de modo diferente! Creio que a Mafalda procura encontrar outras razões que não a óbvia globalização, no que a acompanho.
ResponderEliminarEntre a globalização com liberdade total de comércio e reduzidas tarifas e a globalização com restrições comerciais e tarifas aduaneiras proteccionistas, vai o nosso mundo! Coexistimos com ambas! Eu já cheguei a ler alucinações de autores consagrados que responsabilizam a globalização e o comércio livre pelo empobrecimento de países ( especialmente em áfrica e caribe) que estão, evidentemente, fora da chamada globalização e comércio livre (Quer através de restrições ao comércio quer através de tarifas aduaneiras elevadas e proteccionistas que impedem, mais das vezes, o comércio com países vizinhos em idênticas circunstancias). A questão dos perdedores e vencedores é evidente, apesar da simbiose entre vencedores e perdedores (vide transferencias colossais de riqueza da China para o Ocidente). Há um ténue equilíbrio, neste período de transição ou fim de era!
A questão Trump, como de outros etno-nacionalismos, é evidentemente disso que se trata, é a persuasão recorrente!! Aristoteles ensina. Xenofobia e Filoxenia, um equilíbrio essencial na coesão de qualquer comunidade. O que Trump representa, verdadeiramente, são as comunidades que percepcionam a necessidade de alguma forma de identidade étnico-cultural para que as comunidades sejam comunidade e os níveis de confiança e de coesão se mantenham suficientes para que possam subsistir sob o mesmo Estado. No caso, a comunidade de origem Europeia entende-se historicamente legitimada ao domínio do território mas em regressão demográfica e perda de predomínio cultural. Contudo, não excluamos a existência de vários Trumps negros ou de origem Sul Americana. Verdadeiramente, Trump descreve a incomunicabilidade existente entre as várias comunidades étnicas e culturais, apesar dos enormes esforços de aproximação e sublimação. O consenso liberal ensinava que seria bastante um quadro de regras comuns a que todos obedeceriam tornando o espaço público múltiplo de expressões que se equivaleriam e tolerariam mutuamente. A todos corresponderia, igualmente, a categoria de minoria. As nações históricas, mesmo as pós coloniais que se consolidam pela construção da história mais remota que encontram, seriam meras abstrações, excrescências de uma excentricidade de antanho!
Ora, esta extirpação arrogante parece-me em recuo ante a crescente resistência que encontra. E quanto mais expressiva a resistência, mais forte é a estocada de derrube e mais se encarniça a resistência (A história, tanto a particular de cada povo como a universal, oferece vasto animo a tal resistência.)
Tudo isto para dizer, caríssimos, bem vindos à era dos Trumps e das Le Pen ou, talvez, de outros, por vir, que façam daqueles, face a estoutros, leves figuras moderadas.
Um bem haja a todos,
Caro Justiniano, gostei francamente do seu comentário e toca em dois pontos que tomo a liberdade de comentar, reforçando-os. Escreve a dado trecho "Contudo, não excluamos a existência de vários Trumps negros ou de origem Sul Americana.". Não é preciso excluí-los porque já existem. Tal como na UE existe na ECOWAS o príncipio da livre circulação de pessoas. Ora, este princípio está a ser atacado, principalmente no Ghana e em Côte d'Ivoire. No Ghana foi criado há uns meses um partido cujo programa visa precisamente retirar o país da ECOWAS. Isto porque o Ghana está a ser inundado por Nigerianos e há imensa tensão entre a comunidade autoctone e a invasora. Não tenho dúvidas de que este partido conseguirá uma boa votação pelo menos em Accra, desde logo, mas muito provavelmente também em Kumasi e nas cidades gémeas de Sekondi e Takoradi. Ao lado, em Côte d'Ivoire há já violência contra os nacionais doutros países membros da ECOWAS e um partido que ameaça estas pessoas com ainda mais violência. Há diversas tensões deste tipo em todo o continente Africano e à medida que a população do continente cresce como nunca antes mais haverá. Até na África do Sul é ancestral a xenofobia (sim, penso que pode usar-se este qualificativo) dos negros Sul-Africanos contra todos os demais, sobretudo aqueles oriundos do Zimbabwe. Não posso falar sobre a América do Sul dado não conhecer a realidade dessa região nem as regras do Mercosul a este respeito. Nas Caraíbas existe o Caricom mas aqui a livre circulação tem matizes e não é plena. Está aberta apenas a investidores, licenciados (nem sei se de todas as áreas) com as suas qualificações certificadas e tudo isto com uma série de regras ainda assim.
EliminarOutro aspecto do seu comentário que quero enfatizar é a forma como termina. Há varios anos que o que está a acontecer na Europa se via vir. Desde finais dos 1990s, nomeadamente. Desde essa altura que escrevo sobre o tema e, durante vários anos, fui insultado de xenófobo até nazi. Agora, há uns anos, os insultos sumiram, vá-se lá saber porquê. Infelizmente o que nessa altura era futuro óbvio é agora presente e o meu receio (que sempre escrevi ao longo dos anos e até aqui no DdD já tive essa oportunidade) foi e é precisamente que apareçam outros que façam Le Pen parecer uma moderada ou até mesmo o pai parecê-lo. Sempre defendi uma mão dura e séria nas questões relacionadas com as migrações precisamente porque a resistência das populações autóctones à invasão de estrangeiros era algo óbvio e previsivel. Nunca se quis resolver ou, sequer, tocar no problema quando ele podia ser resolvido sem dor nem quaisquer problemas. Veio depois a fase em que podia ser resolvido já com alguma dor mas ainda assim sem problemas de maior. Actualmente tudo isso é já passado e mexer no assunto neste momento irá provocar dor e problemas sérios. Mas continua a não se resolver até ao inevitavel momento em que o problema se resolva por si. E aí vai ser o salve-se quem puder. É precisamente isso que sempre quis que se evitasse mas, nada a fazer. A moralidade Europeia plagada de pacifistas, idealistas, sonhadores e outros burros, cretinos e assassinos afins (não são insultos, meras constatações) impede que haja nos países da Europa Ocidental regras para a imigração iguais às da generalidade do resto do mundo incluindo US, Canadá e Austrália. Adaptando livremente uma frase de Churchill, as sociedades Europeias puderam optar entre o sonho e a rectidão. Optaram pelo sonho mas no fim terão o horror.
Termino reiterando o prazer que me deu ler o seu comentário.
Um grande e sentido Bem Haja!
Mui grato, caro Zuricher! Subscrevo-o igualmente!!
EliminarUm bem haja,