quarta-feira, 8 de março de 2017

Humanos

Quando era pequena, li vários volumes de uma colecção escrita por Adolfo Simões Müller (que nunca soube quem é) onde se contavam a vida e façanhas de vários indivíduos, cientistas, exploradores, enfim, aqueles que deram a vida para darem grandes contributos à humanidade. Os meus preferidos (sou do tempo em que os livros preferidos, porque tínhamos muito tempo, se liam várias vezes) eram os de Scott e Amundsen, este, norueguês, que venceu a corrida para chegar ao Pólo Sul, e aquele, inglês, que morreu no gelo antártico depois de conseguir a mesma coisa (que imaginação romântica resiste ao destino tão diferente de dois heróis, um que atinge a glória em vida, outro na morte?), e o de Marie Skłodowska Curie, que deu também a vida, mas de forma mais lenta do que Scott, envenenada pelo rádio, um dos elementos que descobriu (o outro foi o polónio, e os sons rádio e polónio ainda me fazem pensar para trás). Lembro-me de ler como, no seu laboratório gelado, não pelo gelo antártico mas pelo gelo de quem prefere gastar o pouco que tem numa missão obsessiva, mexia durante longas horas substâncias para mim desconhecidas em contentores estranhos. Mas acho que um dos grandes efeitos sobre mim desta biografia foi a convicção de que era normal homens e mulheres fazerem coisas importantes. Lembro-me de que eram mais penosos os obstáculos da pobreza para que Marie Skłodowska e o marido pudessem continuar as suas pesquisas do que o facto de ela ser mulher (isso certamente estava lá, mas não é o que me impressionou na altura). Esta convicção de que há uma igualdade fundamental entre homens e mulheres e que ela é evidente e reconhecida por todos, tão evidente como as leis da lógica ou as contas de somar, mantive-a até entrar no mundo adulto, que é onde as ilusões infantis se desfazem contra o muro implacável da realidade.
Hoje celebro o dia da mulher de duas maneiras, então. Celebro as minhas ilusões infantis. E celebro Marie Skłodowska Curie, que demonstrou a justiça delas.

2 comentários:

  1. Adolfo Simões Müller:

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Adolfo_Simões_Müller

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    1. Fico finalmente a saber quem foi. Acho que li quase todos da colecção Gente Grande para Gente Pequena. Só não me lembro de ter lido Wagner, Serpa Pinto e Infante Dom Henrique. E aqueles de que me lembro especialmente para além dos que referi acima são Florence Nightingale e Marco Polo. Obrigada!

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